Esperar por uma vaga para uma cirurgia adoece toda família

Tomados pela angústia da espera de uma cirurgia, família ainda tenta manter a esperança.
por
Matheus Monteiro
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18/11/2024

Por Matheus Monteiro

Dona Dayse parecia tomada pela apreensão. O som da chaleira no fogão, o sutil ruído do vento que passava pela janela, tudo parecia distante, irrelevante. Desde o incidente do AVC de do seu irmão Douglas, a rotina da casa se desfez como areia entre os dedos. Ninguém ali sabia mais o que fazer. Nem ela, que sempre fora a figura forte da família; nem seu pai, Daniel, que se sentava à mesa com o olhar perdido, como se a vida tivesse ficado mais difícil de entender; e muito menos os filhos, Gabriel e Giovani, cujos rostos pareciam envelhecer a cada dia de espera. A única coisa que unia todos era a mesma preocupação silenciosa que pairava no ar: a espera por uma vaga para a cirurgia do tio.

O AVC fora apenas o início de uma longa lista de diagnósticos. Câncer no fígado, problemas renais e enfisema pulmonar. Após exames detalhados, a enxurrada de doenças revelou um quadro devastador, mas o pior ainda estava por vir. A família não sabia mais como lidar com isso, pois, além da angústia pela saúde do tio, havia a frustração de saber que ele precisava de uma cirurgia urgente, mas que não havia vaga para ele. O sistema de saúde colocava o tratamento de Junior como mais um caso na fila, sem qualquer consideração pela gravidade da situação. O sistema só faz distinção da gravidade do quadro e não do sentimento que cada família passa ele é impessoal e implacável.

Dona Dayse tentava, todas as manhãs, levar a vida com a normalidade possível, mas tudo parecia diferente. Os dias se arrastavam é o que restava era o sentimento de esperança. O clima na casa estava pesado, tenso, como se todos estivessem presos a um relógio quebrado, que teimava em não avançar. Daniel, seu pai, que sempre fora o pilar da família, agora passava os dias cabisbaixo, sem forças para tomar decisões, com os olhos fixos em algum ponto qualquer da parede. Falava pouco, mas o seu semblante já dizia tudo. A ansiedade, a frustração, a impotência. E a incerteza. A dúvida constante sobre quando, ou se, a cirurgia finalmente aconteceria.

Gabriel, o mais velho, tentava se manter ocupado com o trabalho, mas, mesmo nas horas de folga, sua mente não estava presente. Ia de um lado para o outro pela casa, perguntando aos médicos, aos vizinhos, buscando respostas. Mas as respostas que recebia não satisfaziam. Ninguém sabia informar quando a vaga para a cirurgia seria liberada. Giovani, o mais novo, tentava se distrair, se afundando nos videogames ou nas redes sociais, mas não conseguia fugir do peso da espera. É o que poderia fazer diante da imensa incerteza que os consumia.

As visitas se tornaram quase um ritual diário. Cada familiar que vinha à casa trazia palavras de conforto, um pequeno quadro de melhora, qualquer notícia que pudesse alimentar o fio tênue de uma solução que não chegava ao fim. Todos perguntavam sobre a cirurgia, mas ninguém sabia quando ela aconteceria, nem sequer se seria possível. O tempo, que antes passava com mais fluidez, agora parecia se arrastar em uma sucessão interminável de dias vazios, em que cada segundo parecia maior que o anterior. A burocracia do sistema de saúde os deixava cada vez mais frustrados e impotentes, como se Junior fosse apenas mais um número na fila.

Dona Dayse tentava manter o controle, mas dentro dela a angústia crescia a cada minuto. Ela observava o olhar distante de seu pai, a expressão cansada dos filhos, o medo nos olhos de todos. Estavam ali, vivendo pela espera de uma vaga para a cirurgia que nunca vinha. E, com isso, a sensação de que a vida estava paralisada.

À noite, Dona Dayse se sentava ao lado de seu pai. As palavras se perdiam entre olhares desesperaçados. Às vezes, sussurrava um "vai dar tudo certo, pai", como se, ao dizer em voz alta, pudesse fazer a realidade mudar. Mas ela sabia, lá no fundo, que não passava de uma tentativa de preencher o silêncio, de segurar uma crença que se desfazia no ar. Não era só o tio Junior que estava adoecendo. Era a própria ideia de família, que se esvai na impotência diante de uma fila de espera que parecia não ter fim.

Cada dia parecia mais longo que o anterior. E, a cada amanhecer, Dona Dayse acordava com a sensação de que nada havia mudado. O peso da incerteza era insuportável. Não havia mais o que fazer, senão esperar — esperando que a vaga para a cirurgia finalmente surgisse. O mais doloroso não era apenas a doença do tio, mas o ato de esperar uma uma prazo que não tem tempo para acabar. E viver sem saber qual seria a resposta.

 

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