Por Laís Romangnoli
Maria Luisa aguardava ansiosamente pelo transplante, mentalizando de diversas maneiras que aquele momento tão esperado chegaria. Ela pensava nele enquanto assoprava as velas de aniversário, observava a lua cheia, celebrava o réveillon, antes de dormir e durante suas meditações. A faculdade de enfermagem trouxe à tona não apenas sua vocação, mas também a inesperada descoberta de hipertensão arterial, uma sombra ameaçadora que acompanhava sua pressão aos níveis alarmantes de 18x15 e alguns sintomas alarmantes. Após inúmeras idas ao pronto-socorro e um tratamento inconclusivo, o diagnóstico de insuficiência renal crônica aos 24 anos foi recebido.
Nos três anos e três meses que se seguiram, Maria viveu a angústia da espera por um órgão compatível. O tratamento de hemodiálise, que filtrava e limpava seu sangue, exigia disciplina, amparo psicológico e uma alimentação e hidratação controladas. Nesse tempo, ela também enfrentou a sombra de um possível câncer renal, que a levou a perder os dois rins e abandonar a lista de transplantes. A suspeita de tuberculose renal, embora não confirmada, e os efeitos colaterais do tratamento exaustivo ampliaram ainda mais sua provação.
Maria ainda considera que as pessoas que não têm contato com transplantados não tem dimensão de como é o processo do diagnóstico crônico e suas limitações físicas e impactos emocionais. Hoje, mais de 40 mil pessoas aguardam na fila por um transplante no país, a maioria por rins. No Brasil, o diálogo sobre a morte, a crença na vida além da vida, são desafios monumentais. Mas cada conversa, cada gesto de esclarecimento é um passo em direção à esperança renovada — uma promessa de vida onde antes havia apenas ansiedade.
Apesar das dificuldades, ela vivenciou oscilações de humor, alternando entre ansiedade e esperança em relação à possibilidade de receber um novo rim. Embora o processo fosse complexo, encarou essa espera como uma oportunidade de melhorar sua qualidade de vida. Nos desafiadores anos de hemodiálise, identificou maneiras de tornar essa experiência mais leve, reconhecendo o amor de familiares e amigos. Frequentemente fazia listas de gratidão, valorizando pequenas alegrias, como poder viver em paz e ter sua família.
Como atos de esperança, Maria escreveu uma carta pedindo seu transplante às energias da natureza e a enterrou junto às raízes da árvore que plantou. Ela também comprou uma mala e a deixou pronta para quando recebesse a tão aguardada ligação do hospital. Quando finalmente recebeu a notícia de que havia um órgão compatível, a emoção foi ofuscada pela apreensão dos diversos exames de compatibilidade que precisaria realizar antes da cirurgia. Enquanto sua mãe vibrava com a expectativa de ver a filha finalmente transplantada, Maria sentiu o peso do momento.
Somente quando entrrou no centro cirúrgico percebeu a magnitude do que estava prestes a acontecer. Após a cirurgia, celebrou a vitória sobre os desafios que havia enfrentado, transformando aquele momento em uma lembrança inesquecível, apesar de todo o esforço e sofrimento. O transplante lhe proporcionou a liberdade de viver sem a preocupação de depender de uma máquina para sobreviver, fazendo com que ela visse o tempo como um presente, não como um empecilho.
Ela sabia que a cirurgia era um tratamento, não a cura, e que dependeria de si mesma para a manutenção da saúde. Comprometeu-se a tomar os imunossupressores corretamente, cuidar da saúde da melhor forma possível e encarar o processo com leveza. Os exercícios físicos tornaram-se grandes aliados; mesmo durante os anos de hemodiálise, ela praticava musculação, percebendo os benefícios em sua vida.
Graduada em Enfermagem pela USP, Maria lidera o grupo terapêutico Bem-TX, oferecendo suporte emocional vital aos transplantados. Este apoio, complementado por terapia e outras práticas de autocuidado, foi essencial em sua jornada. Co-fundadora do Yoga para Renais, um projeto que há quatro anos une aqueles com doença renal crônica em um caminho de autoconhecimento e saúde, Maria prova que o cuidado integral é possível.
A prática de yoga foi um bálsamo durante a espera pelo transplante, a internação e a recuperação pós-cirúrgica. Junto a outras formas de exercício, como o Crossfit que agora pratica, ela busca um estilo de vida saudável e equilibrado. Sob o lema "Tudo sobre o universo renal através dos olhos de uma enfermeira, mestranda e transplantada", Maria compartilha sua experiência há seis anos, oferecendo orientação não só aos que enfrentam desafios semelhantes, mas também a suas famílias e a todos interessados.
Em uma de suas listas de gratidão, Maria expressou seus maiores desejos: trabalhar com paixão e encontrar a felicidade plena. Hoje, saudável e dedicada à área da saúde, ela não só inspira pacientes como também amplia a conscientização sobre sua batalha, oferecendo apoio e informação a quem enfrenta desafios semelhantes durante a espera por um transplante.