A epidemia silenciosa: como as redes sociais afetam a saúde mental dos jovens

Estudos e especialistas mostram o impacto das redes sociais na saúde mental dos jovens, levando a um aumento preocupante de tirar a própria vida
por
Giuliana Nardi e Vitória Nunes
|
07/07/2023

As redes sociais têm efeitos negativos sobre a saúde mental dos jovens. Comparações sociais, cyberbullying, superexposição e desinformação são quatro das causas pelas quais as plataformas podem gerar depressão, insegurança, reduzir a autoestima, incitar a violência, e em alguns casos extremos, contribuir para que tirem a própria vida.

Um dos principais fatores que prejudicam a saúde mental dos jovens é o "padrão inalcançável" promovido pelas redes sociais. As mídias costumam apresentar versões idealizadas da vida das pessoas e constantemente fazendo comparações sociais.  

Segundo Elaine Pires, psicóloga clínica, por meio da mídia há uma pressão sobre como se vestir, falar, se comportar, beber e comer. Os jovens se comparam e começam a acreditar que não possuem beleza, capacidades, qualidades e se tornam reféns de uma realidade criada.  

A mídia social pode criar uma cultura de expectativas irreais, no qual jovens sentem uma pressão constante para se encaixar, atender aos padrões de beleza e alcançar o sucesso acadêmico e profissional, o que pode sobrecarregá-los emocionalmente e aumentar o risco de problemas da saúde mental. “As redes sociais podem se tornar um ambiente completamente tóxico”, conclui. 

 Paula Ganzella, psicóloga comportamental infantil, afirma que as redes sociais têm um impacto muito grande nas atitudes dos jovens brasileiros, tornando-os mais insatisfeitos e ansiosos. A pressão social exacerbada é um dos principais fatores que contribuem para esse fenômeno perturbador.

Em entrevista, ela conta que adolescentes estão expostos a uma incessante comparação com a vida aparentemente perfeita de seus pares nas redes sociais. Fotos cuidadosamente selecionadas, histórias de sucesso e filtros atraentes criam uma ilusão de perfeição inatingível.

Como resultado, muitos deles experimentam sentimentos de inadequação, afetando a sua autoimagem e autoestima, levando-os a considerar medidas extremas. “Expor a sua vida é criar uma liberdade para as pessoas falarem o que pensam sobre você e sobre a sua vida pessoal, saber lidar com isso é a questão principal.”, finaliza.

O psiquiatra do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, Felipe Benatti De Cillo, confirma que é comum jovens se compararem nas redes sociais. “A rede social é uma grande vitrine e o que ela vende é um mundo perfeito. A pessoa que está olhando enxerga as redes sociais e pensa que a vida dela não é boa o suficiente”.

Jovens vulneráveis podem encontrar nesses materiais uma justificativa para seus sentimentos de desesperança, tornando-se ainda mais suscetíveis a comportamentos autodestrutivos.

O psiquiatra explica o quão perigoso pode ser o mundo virtual, e afirma que este exemplo é um dos principais motivos que pode levar um jovem chegar a um extremo, por não se sentir-se parte de um grupo.

Benatti aconselha reter alguns conteúdos, caso contrário, as consequências serão sérias. “Se a pessoa não souber filtrar direito o que está acontecendo nas redes, tem um prejuízo muito grande, por exemplo, ansiedade e depressão”.

Ele termina dando a dica de como os jovens podem se proteger dos efeitos negativos que a internet oferece à saúde mental, além de passar menos tempo navegando nas redes. “Qualquer coisa que a pessoa possa se identificar com ela mesma, dentro do mundo virtual, pode ajudar. Importante é olhar e comparar menos com a vida das outras pessoas”.

Cyberbullying: a violência digital

O cyberbullying ocorre quando uma pessoa é alvo de ataques, humilhação ou ameaças online. Esse tipo de prática nas redes sociais pode ter um impacto devastador na autoestima e na saúde mental dos jovens, levando a sentimentos de desesperança, isolamento e até mesmo pensamentos suicidas.

Uma das características do cyberbullying é a facilidade de disseminação das mensagens ofensivas e difamatórias. O anonimato proporcionado pela internet muitas vezes encoraja os agressores a agirem sem pensar nas consequências.  

As redes sociais desempenham um papel significativo no aumento do cyberbullying. Isso torna ainda mais difícil para as vítimas escaparem do assédio, já que o tormento pode seguir para além do ambiente físico.

Segundo a psicóloga infantil Vanessa Erzinger, é importante promover uma cultura de apoio e empatia entre os jovens, tanto no mundo online quanto offline. “Os jovens precisam ser educados sobre os riscos e as consequências dos comportamentos autodestrutivos, bem como sobre a importância do apoio mútuo e do respeito nas interações sociais”.

Ela finaliza declarando ser de extrema importância que pais, educadores e profissionais de saúde, estejam atentos aos sinais de alerta e ofereçam suporte adequado quando necessário.

Isso inclui promover a conscientização sobre os danos causados pelo bullying online, incentivar uma comunicação aberta com crianças e jovens e educar sobre o uso responsável da tecnologia.  

Exposição a predadores digitais

As redes sociais possuem capacidade de conectar pessoas de diferentes partes do mundo. Com isso oferecem aos predadores formas para se aproximar de jovens vulneráveis.

A psicóloga Elaine Pires, cita como exemplo a personagem da novela “Travessia”, Karina, que sofria uma manipulação digital que a levou a um abuso e exploração sexual virtual. A especialista afirma que os predadores digitais estabelecem suas redes de comunicação para disseminar o mal.

A psicóloga explica que mesmo que você não possa mudar seu rosto na realidade, na realidade virtual você possui essa facilidade, abordando crianças e jovens sob o disfarce de companheiros de brincadeiras.

Os predadores começam a seduzir seus alvos, descobrem seus desejos e prometem realizá-los em troca de favores, que depois se transformam em chantagem. “Fragilizados com as ameaças, esses jovens não pedem ajuda e começam a entrar em sofrimento até a adoecer, por medo e culpa.”, termina Pires.

Assim como a predadores, as mídias podem expor os jovens a conteúdos prejudiciais, como imagens de automutilação, discursos de ódio ou incentivo ao suicídio. “A exposição repetida a esses conteúdos pode levar a um aumento dos pensamentos suicidas e à normalização desse comportamento”, explica Elaine.

Desinformação

No dia 23 de maio deste ano, Vivek Murthy, que foi nomeado, pelo presidente americano Joe Biden, o 21° Cirurgião dos Estados Unidos, emitiu uma declaração pública sobre os perigos das redes sociais para os jovens. Ele afirma que embora as redes sociais proporcionem alguns benefícios para a juventude, o uso das mídias sociais apresenta “um profundo risco de danos” para eles.

“As mídias sociais hoje têm um impacto muito grande na formação de opinião pública. A mídia afeta a saúde mental por meio de comparação, o que colabora para a fragilidade emocional. Quando olhamos para as fake News, ela gera mais um linchamento das pessoas”, explica a psicóloga clínica Elaine Pires.

Vivemos em um mundo cada vez mais digitalizado, as redes sociais se tornaram uma plataforma essencial para a comunicação e compartilhamento de informações. No entanto, um perigo silencioso surge neste cenário: as fake News. 

Esse fenômeno é perigoso quando se trata de assuntos sensíveis, como a saúde mental, no qual a sua disseminação pode levar os jovens a tomar decisões prejudiciais para si mesmos.

Uma instituição de saúde pública do Reino Unido, a Royal Society for Public Health (RSPH), em parceria com o Movimento de Saúde Jovem realizou um estudo onde foi apontado que as redes sociais provocam efeitos positivos ou negativos à saúde, dependendo de como são utilizadas.

No estudo, cerca de 70% dos jovens revelaram que a mesma rede social fez com que eles se sentissem pior em relação à própria autoimagem.

O papel das fake News e como elas podem influenciar alguém a tirar sua própria vida ou a de outra pessoa, ressaltando que "O papel das fake News molda a opinião pública e pode te influenciar sem você perceber."

As fakes News têm grande impacto na saúde mental dos usuários das redes sociais. Essas notícias falsas, muitas vezes apresentadas de forma sensacionalista, exploram as emoções dos usuários e os levam a acreditar em informações enganosas sobre suas vidas.

Os problemas de saúde mental são cada vez mais preocupantes e frequentes na sociedade, graças às fake News. Os perigos das redes sociais vão além dos impactos na autoimagem e nas relações sociais. Elaine afirma a existência de movimentos que incitam à violência e ao suicídio, especialmente direcionados a pessoas vulneráveis.

A disseminação de informações imprecisas pode ter consequências significativas, especialmente quando se trata de temas relacionados à saúde mental. Informações falsas podem deixar as pessoas desorientadas e inseguras, impedindo-as de tomar decisões informadas sobre sua própria saúde mental.

Prevenção ao suicídio

É importante destacar que esses fatores não afetam todos os jovens da mesma maneira, e cada indivíduo responde às redes sociais de uma maneira diferente. Para prevenir o suicídio é necessário compreender o mecanismo psíquico que há por trás dessa ação, envolvendo educação sobre saúde mental, apoio emocional, conscientização sobre o uso saudável das redes sociais e acesso a recursos de apoio adequados.

Como qualquer doença, está também precisa ser tratada. Para isso existem diferentes planos de tratamento que podem incluir medicamentos e terapias.

A psicóloga clínica Pires chama atenção aos cuidados necessários com aqueles que já passaram por situações delicadas e diz que o processo de ressocialização destas pessoas é de extrema importância. “O ponto principal é ter presença física, a pessoa precisa se sentir acolhida nas tarefas do dia a dia e literalmente abraçada”.

Ao ser questionada sobre como ajudar alguém que tenha ideações suicidas, Pires diz: “Uma das coisas que mais leva alguém a tirar a vida é a solidão no seu sofrimento. A pessoa precisa de apoio para sair daquela dor e para movimentar o corpo. Além da presença diária de alguém, o depressivo precisa de alguém para ajudá-lo a buscar ajuda”.

Nem sempre os sinais de sofrimento e pensamentos suicidas são tão evidentes e claros. Portanto, é importante que o tema seja debatido ao máximo nas escolas, universidades etc.

Esteja atento às pessoas que perderam sua produtividade, apetite, estão se isolando e estão mais agressivas. Estas são características apontadas por especialistas como sendo possíveis de aparecer num quadro depressivo e que necessitará intervenção.

O Cirurgião Geral Vivek Murthy, em seu relatório, também apresentou orientações para ajudar as famílias a influenciar seus filhos no uso das redes sociais. O documento aconselhou as famílias a evitar o uso de dispositivos eletrônicos durante as refeições e reuniões presenciais para fortalecer os laços sociais e incentivar a conversa.

Além disso, na nota também foi proposto desenvolver um “plano de mídia familiar” que estabeleça expectativas para o uso de mídias sociais, como limitação de conteúdo e proteção de dados pessoais.

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