Por Vitória Nascimento
Para se locomover de ônibus pela cidade Rodrigo precisava identificá-los pelos números, não pelos nomes. Para ler uma notícia no jornal ou uma mensagem no celular era necessário pedir que alguém lesse para ele. Rodrigo Nascimento, já adulto, sentia que não tinha a independência que desejava. Apenas aos 40 anos, quando decidiu aprender a ler, percebeu que já não era mais limitado pelas palavras. Nascido em São Paulo, Rodrigo estudou até a 4ª série do ensino fundamental, mas teve que abandonar a escola para ajudar sua família, trabalhando desde cedo. Apesar de ter frequentado a escola por algum tempo, nunca pôde se dedicar de fato aos estudos, pois precisava auxiliar o pai no serviço como pedreiro. Quando tinha um tempo livre, como qualquer outra criança, preferia brincar com os irmãos e amigos a estudar.
Rodrigo chegou à vida adulta sem saber ler e escrever - sabia apenas assinar o próprio nome. Sempre teve o desejo de voltar a estudar, mas, na casa dos vinte anos, já com esposa e filha, sua prioridade era o trabalho, e mais uma vez a educação ficou em segundo plano.
Aos 30, cansado de depender dos outros, Rodrigo ainda não tinha tempo para frequentar programas como o EJA (Educação de Jovens e Adultos). Foi então que sua esposa e sua filha começaram a ensiná-lo em casa. No entanto, o processo não foi fácil. A alfabetização de adultos é lenta e exige paciência tanto do aprendiz quanto de quem ensina. As "aulas" com a família aconteceram de forma esporádica, ao longo dos anos, com longos intervalos. Rodrigo relata que, muitas vezes, se sentia frustrado consigo mesmo por demorar a aprender, o que o levava a querer desistir - e, de fato, isso aconteceu em algumas ocasiões. Em outras, a rotina agitada da esposa no trabalho e da filha com os próprios estudos dificultava encontrar tempo para continuar o ensino.
O processo de alfabetização de Rodrigo levou anos e ainda não foi concluído. Hoje, aos 46 anos, ele já consegue ler, embora com dificuldade. Ainda não aprendeu a escrever, mas tem o firme propósito de continuar tentando.
A história de Rodrigo ilustra uma realidade ainda presente no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) sobre educação de 2023, divulgada pelo IBGE, o País ainda possui 9,3 milhões de analfabetos. Desse total, 8,3 milhões têm mais de 40 anos, faixa etária em que a exclusão educacional tende a ser agravada por fatores históricos e socioeconômicos acumulados ao longo da vida.
Assim como o ajudante de obra, a costureira Paula Ferreira também enfrentou obstáculos que a impediram de estudar na infância. Diferente de Rodrigo, ela jamais frequentou a escola. Seus pais acreditavam que uma mulher não precisava de educação formal. Enquanto seu irmão mais velho ia para a escola, Paula permanecia em casa, ajudando a mãe nas tarefas domésticas e cuidando dos irmãos mais novos.
Aos 17 anos, ela se casou e teve seu primeiro filho. Sua rotina não mudou: acreditava que seu dever era cuidar da casa e da família. Voltar a estudar sequer passava por sua cabeça. Apesar disso, Paula sempre foi muito religiosa e gostava de manter uma bíblia por perto. Quando seus filhos aprenderam a ler, criaram o hábito de ler diariamente alguns versículos para a mãe.
Com o passar dos anos, os filhos tentaram convencê-la a estudar, mas Paula resistia à ideia. Tinha vergonha e não conseguia se imaginar em uma sala de aula, já que nunca havia estado em uma como aluna. Após muita insistência, ela finalmente se deixou convencer. Assim, aos 57 anos, pisou pela primeira vez em uma escola como estudante. Sua primeira leitura foi justamente a bíblia que sempre carregou consigo. Durante o processo de alfabetização, ela se dedicava a tentar ler as escrituras, aplicando os conhecimentos recém adquiridos. Hoje, Paula é capaz de ler sozinha todos os dias, e considera isso uma de suas maiores conquistas.
Embora tanto Rodrigo quanto Paula tenham sido privados da educação formal na infância e só tenham buscado essa oportunidade na vida adulta, suas trajetórias se diferenciam na forma como o acesso ao aprendizado se deu. Enquanto Rodrigo ainda segue seu processo de alfabetização de maneira informal, por não ter conseguido frequentar a escola, Paula pôde ingressar no EJA e contar com uma estrutura especializada que lhe permitiu aprender a ler e escrever em seu próprio ritmo.
Diversas instituições voltadas à alfabetização de adultos utilizam o método Paulo Freire, baseado no diálogo, na valorização da experiência de vida do aluno e na construção mútua do conhecimento. Para a analista técnica educacional Vania Silva, que trabalha no Sesi-SP, os alunos adultos chegam ao EJA já carregando uma bagagem como leitores do mundo. Ao retornarem aos estudos, apenas ampliam sua capacidade de observar e interpretar o cotidiano. Para esses estudantes, não basta ensinar as regras e os códigos da língua de forma abstrata - é essencial partir da prática social deles, proporcionando a apropriação da linguagem em um contexto afetivo e significativo.
O ciclo da exclusão educacional, no entanto, começa muito antes da vida adulta. Segundo dados da mesma Pnad de 2023, também divulgados pelo IBGE, o Brasil ainda possui 1,607 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil. Embora o número represente uma queda de 14,6% em relação a 2022, é um alerta para os impactos diretos na escolarização infantil. Do total, 346 mil tinham entre 5 e 13 anos; 366 mil, entre 14 e 15; e a maior parte, 895 mil, entre 16 e 17 anos. Histórias como as de Rodrigo e Paula ajudam a ilustrar os dados e mostram que por trás de cada número, há vidas atravessadas por desigualdades históricas.