Como uma ameaça que parecia estar adormecida há tempos, a extrema direita ressurgiu no mundo tão rapidamente quanto o envio de uma mensagem por WhatsApp.
Ancorados nas redes sociais e em um conservadorismo que jamais foi superado, políticos abertamente racistas, machistas e homofóbicos ganharam espaço nos plenários, no Twitter e nas mentes diante de um mundo em crise.
No Brasil, a superação do conservadorismo foi comemorada após a derrota de Jair Messias Bolsonaro (PL) nas urnas. No dia 30 de outubro de 2022, o agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu aquele que, atualmente, é a maior representação da ascensão da extrema direita no País.
Bolsonaro encarou o enfraquecimento de seu mandato e, como consequência da crise política derivada de sua conduta durante o governo, perdeu a reeleição ao cargo em 2022.
O maior adversário de Bolsonaro, sem dúvida alguma, foi Lula. O petista, que chegou a ter a candidatura barrada em 2018, ganhou liberdade em novembro de 2019. Lula também foi inocentado das acusações feitas contra ele e desde então voltou a se organizar no meio político e se preparar para concorrer à presidência deste ano.
À Gazeta do Povo, especialistas em política comentaram a disputa entre Lula e Bolsonaro. "O Bolsonaro escolheu atacar o Lula pelo caminho da corrupção. Mas diversas pesquisas mostravam que esse tema era secundário para o eleitorado. Diferente de 2018, essa é uma eleição muito mais marcada pelo pragmatismo. E, nisso, o Lula conseguiu ser mais assertivo e dialogar melhor com o eleitorado", pontuou Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ.
As eleições presidenciais ocorreram em outubro. Com 50,90% dos votos válidos, o petista derrotou o adversário nas urnas com mais de 60 milhões de votos.
Para o sociólogo e diretor do Instituto Opinião Arilton Freres: "O presidente Bolsonaro ganhou uma musculatura no final do primeiro turno ao impor o debate ideológico, pois para ele o debate econômico era muito ruim. Ele conseguiu reduzir a rejeição, mas não ao ponto de que a do Lula fosse maior". Bolsonaro obteve 49,10% dos votos.
A porcentagem apertada e o crescimento de atos antidemocráticos que questionaram os resultados deixaram dúvidas sobre essa suposta superação de ideais conservadores e, muitas vezes, fascistas.
Donald Trump popularizou ideias conservadoras em país da promessa democrática
Para entender a força que ganhou a extrema direita nos dias atuais, é preciso analisar a maior representação da “democracia moderna” da atualidade: os Estados Unidos.
Com a eleição de Donald Trump em 2016, o conservadorismo ganhou ainda mais difusão mundial. Esse espaço que ganhou o extremismo, porém, surpreendeu até os especialistas.
“Embora esperasse que a extrema direita viesse a se tornar um pouco mais forte, com certeza nunca previ que poderiam se tornar o partido mais forte em alguns dos maiores países do mundo”, disse o cientista político holandês Cas Mudde, autor do livro “A extrema direita hoje”, em entrevista ao jornal O GLOBO.
Para ele, movimentos antidemocráticos só puderam crescer mundialmente com o apoio de figuras neoliberais, que, sarcasticamente, justificaram esse amparo a uma suposta defesa democrática.
“No fim das contas, qualquer ascensão da extrema direita, em quase todos os países, é sempre uma história de cooptação e posterior colaboração dentro das democracias liberais, entre as elites empresariais e políticas e a extrema direita”, ressalta.
Após uma pandemia a níveis globais e uma postura negacionista, Trump acabou se tornando o 4º presidente estadunidense a perder a reeleição em 100 anos.
A democracia norte-americana respirou aliviada, mas por poucos dias: mais especificamente, até a invasão do Capitólio, no início de 2021. Mais de um ano depois, o ex-presidente já anunciou sua pré-candidatura para 2024 e deve retornar ao Twitter, território de que foi banido, após a compra da rede pelo bilionário Elon Musk.
Bolsonaro cresceu com anti-petismo e se manteve no poder com ‘valores cristãos’
Nas eleições brasileiras de 2018, a população acompanhou de perto a consolidação da polarização política dentro do país. Essa divisão, que teve início nos protestos de junho de 2013, ocorreu num momento delicado da política do Brasil: além do recente impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, realizado em 2016; a vereadora Marielle Franco foi assassinada a tiros no Rio de Janeiro, o caso repercutiu internacionalmente. Também, o ex-presidente do país, naquela época, Luiz Inácio Lula da Silva foi preso, acusado por corrupção.
Os acontecimentos repartiram o eleitorado, que foi em busca de um outsider brasileiro, que não demorou a ser encontrado. Com um discurso "novo", promessas de mudanças e em defesa da família tradicional, Jair Messias Bolsonaro foi construindo e ganhando espaço na mídia e nas redes sociais; através de falas polêmicas e contraditórias sobre as mulheres, os negros e os homessexuais, os discursos do político violavam muitas das pautas de direitos humanos.
Apesar da imagem de um político novo e emergente, Jair Messias Bolsonaro estava há quase 30 anos atuando como deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. Naquele ano, contrariando as pesquisas eleitorais e as expectativas de parte da população, foi eleito com 55,13% dos votos válidos como presidente do Brasil. A disputa, que chegou ao segundo turno, foi contra Fernando Haddad, professor, político e ex-prefeito da capital paulista, que recebeu 44,87% dos votos.
Com a vitória de Bolsonaro, ao UOL, em 2018, o colunista político Josias de Souza apontava que o futuro presidente era “o resultado da falência do sistema político e da incapacidade desse mesmo sistema político de reagir”.
Durante os últimos quatro anos, o governo de Bolsonaro foi fortalecido pela movimentação da extrema direita brasileira, ou pelo chamado bolsonarismo, que ganhou adeptos e apoiadores com opiniões conservadoras. Todavia, como presidente, Bolsonaro não escapou de uma das piores crises políticas da história desde a redemocratização do país.
Desmonte da educação, aumento da inflação, retorno do Brasil ao “Mapa da Fome”, ataques aos jornalistas, incentivo às fake news e negacionismo relacionado à ciência e a saúde, que resultaram em mais de 600 mil mortos pela pandemia da covid-19, estão entre os destaques do governo Bolsonaro.
Um dos principais fatores que geraram descontentamentos com o governo foi relacionado ao posicionamento de Bolsonaro com a pandemia. Além de se referir ao vírus como uma “gripezinha”, falas como “Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas” e “Eu não sou coveiro” ficaram marcadas entre a população geral e seus apoiadores.
Em entrevista ao Correio Braziliense em 2020, Steven Levitsky, professor de ciência política na Universidade Harvard (EUA) e um dos autores do livro “Como as democracias morrem”, afirmou que Bolsonaro era um risco à democracia. “O Brasil tem instituições democráticas bastante fortes, mas sempre que uma sociedade elege uma figura abertamente autoritária como presidente (e isso é verdade também nos Estados Unidos), a democracia está em risco”.
Extrema direita continua ganhando espaço em outros países
Uma emblemática eleição legislativa chamou a atenção do mundo no final de outubro. Os olhos dos que torciam para o fim da extrema direita se voltaram à Itália durante a nomeação de Giorgia Meloni como primeira-ministra do país.
Líder do partido Irmãos da Itália (FdI), Meloni é a primeira política de extrema direita a chegar ao poder desde o governo de Benito Mussolini, uma das figuras-chave da criação do fascismo.
No Oriente Médio, a extrema direita também ampliou seu espaço político. Após as eleições realizadas neste mês em Israel, o parlamento do país terá o governo mais direitista de sua história. Deposto do cargo em junho de 2021, Benjamin Netanyahu retorna ao cargo de primeiro-ministro israelense no próximo ano.
A esperança de políticos liberais é a de que, em determinado momento, a extrema direita “se modere”. Para Cas Mudde, porém, isso não acontecerá. “ O que sabemos dos últimos 30 anos é que são muito resistentes. Às vezes perdem apoio, mas os partidos retornam ou são substituídos sem que haja moderação”, ressalta ao O GLOBO.
No futuro, mesmo com a ascensão do extremismo, a tendência é que partidos que hoje o apoiam desistam gradualmente.
“Creio que os partidos tradicionais vão desenvolver políticas melhores em seus temas habituais e, assim, a direita radical será apenas parte do que vivemos. Continuará sendo uma ameaça à democracia liberal, mas não necessariamente se tornará muito mais poderosa”, pontua.