Por Helena Aguiar de Campos
Mariá conheceu seus gatilhos muito cedo, a partir de comentários de meninas que também não tinham uma relação saudável com seus corpos. Críticas sobre seus físicos e a quantidade de comida em cada prato, era algo cotidiano e logo viraram o pesadelo da estudante. Em uma das pausas escolares, Mariá comia morangos com leite condensado —como fazia nos dias ruins— quando uma garota da sua sala disse que se continuasse ingerindo esse tipo de alimentos, engordaria, formaria estrias e por isso, nenhum menino se interessaria por ela. Disse também, que estavam em uma fase crucial, que se não regulasse a comida, não teria mais volta. Mariá, já nessa época, alternava os dias em que comia, mas a partir desse comentário decidiu que precisava mudar as coisas, e rápido.
Passou a forçar o vômito todos os dias e passava dias sem comer nada. Depois de algumas vezes passando por esse processo, Mariá nem precisava mais forçar ou enfiar o dedo na goela, virou algo frequente, chegava no banheiro e já colocava tudo para fora. Com o tempo, Mariá foi perdendo, cada vez mais, massa muscular e nutrientes, necessários para o funcionamento correto do corpo.
Depois de se “acostumar” com a rotina, Mariá desenvolveu crises de pânico, desencadeadas pela ansiedade. Nessas, ela ficava em transe, nem se lembra como eram, só que aconteciam de forma involuntária. Testemunhas diziam ser algo desesperador, a menina ficava vermelha, sem ar, passava a mão na garganta como se estivesse engasgada e perdia a consciência. Depois do desmaio voltava a respirar de forma normal, o que deixou evidente de que se tratava de uma doença emocional e não um problema físico. Com os desmaios, seu segredo foi revelado, Mariá não tinha mais como esconder que algo estava errado, foi quando seus pais a levaram ao médico pela primeira vez. No hospital, exames básicos detectaram falta de vitaminas, ferro, nutrientes e que já haviam falhas no funcionamento de seu organismo, e ela logo foi encaminhada para um especialista.
Depois de 4 anos enfrentando a doença sozinha, ela finalmente foi diagnosticada, mas a consulta com a psiquiatra foi perturbadora. A profissional alertou que o caso se tratava de uma mistura de anorexia com bulimia. Mariá não comia, traço de anorexia, mas se o fizesse, vomitava logo em seguida, sintoma comum de bulimia. Diferente do caso da Mariá, os bulímicos são colocados como compulsórios, e comem quantidades consideráveis de comida para depois regurgitar, no caso dela, poucas gramas de alimento já geravam a necessidade de vomitar. A psiquiatra enfatizou que a estudante foi diagnosticada em um momento bem crítico, e que Mariá caminhava em direção a morte.
Depois do diagnóstico, a menina foi forçada a voltar a comer. Foi um processo difícil, tanto emocionalmente quanto fisicamente. A menina não podia perder nenhuma caloria que restava em seu corpo, e este já não aceitava mais a comida, não entendia que aquilo deveria ser ingerido, afinal, eram 4 anos que Mariá se recusava a comer, portanto, tudo que a menina tentava ingerir acabava no vaso sanitário. Por conta da quantidade de desmaios foi preciso contratar uma assistente que passava as 24 horas do dia ao seu lado, dormia no mesmo quarto que ela, tanto para impedir que as idas ao banheiro fossem para além das necessidades básicas, quanto para auxiliar quando Mariá desmaiasse. A estudante não podia sequer levantar da cama, para não gastar energia, mas via seus amigos se divertindo no final de semana, indo para as aulas, viajar para a praia, vivendo a adolescência, enquanto isso, ela ficava em casa, se sentia a verdadeira Rapunzel. Mas seu maior lamento era a falta que faziam suas caminhadas pelo bairro durante o pôr do sol.
O lado emocional foi, com certeza, pior que físico, Mariá sempre sentiu muito as coisas. Se culpava por seu segredo ter sido revelado, pois agora as pessoas tinham que se preocupar com ela; sua mãe largou o trabalho e Mariá, muitas vezes, a pegou chorando pelos cantos da casa. A estudante sempre se preocupou com os outros e pela primeira vez ela era o foco da história, não gostava nada dessa sensação. Lembra de um episódio no qual ela foi parar na UTI referente aos desmaios, se pegou pensando que se algum de seus amigos quebrasse sequer um mindinho, precisaria deixar de lado sua saúde para dar atenção a seu parceiro, talvez achasse que seu valor era pouco.
Agora, não na maca da UTI, mas em sua cama, curada, ela tem vontade de voltar atrás e lembrar a Mariá de 15 anos de que ela é a pessoa mais importante da sua vida. Acha que no fundo ela sabia, por isso não a deixou morrer, mas gostaria que ela a tivesse colocado em primeiro lugar pelo menos algumas vezes