A duas semanas do Mundial, eleição atrasa clima de Copa nas ruas do país

Abstenção é sentida também fora das urnas: torcedores ainda esperam para começar a pintar as ruas com as cores do Brasil
por
Laura Mariano
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08/11/2022

 

Diante do uso político da bandeira do Brasil por entusiastas do presidente Jair Bolsonaro (PL), torcedores estão esperando as eleições passarem para vestir a camisa da seleção, pintar as ruas de verde-amarelo e decorar as fachadas com bandeirolas. Com receio de que os clientes confundam torcida com apoio a um lado da disputa eleitoral, donos de bares e restaurantes têm adotado alguns cuidados — ou até aguardado o fim do segundo turno — para entrar no clima. Neste ano, só 21 dias irão separar o pleito do início dos jogos da Copa do Mundo. A proximidade entre duas datas que tradicionalmente despertam os ânimos do brasileiro colocou os preparativos para o Mundial em compasso de espera.

Esta será a primeira Copa do Mundo do bar e restaurante Balthazar, na Vila Nova Conceição, bairro de classe alta da região Sul de São Paulo. O estabelecimento abriu as portas pouco antes da pandemia, sobreviveu à escassez de público durante o isolamento social e agora se prepara para lucrar com uma das comemorações mais promissoras do calendário do futebol. O planejamento para os dias de jogo está pronto, mas só será executado ao final da eleição.

O proprietário Décio Lemos, de 43 anos, diz que o brasileiro ainda está “pouco ligado” à Copa e que, em geral, são os atendentes do estabelecimento que puxam o assunto para medir a temperatura para o torneio. Para evitar qualquer tipo de mal-entendido, ele preferiu investir na decoração da casa e no tráfego pago na internet para divulgação das ações para a Copa só depois do final do segundo turno.

— Vejo os nervos muito aflorados. Como dono de um negócio, não acho interessante que haja algum tipo de confusão. Estamos comprando camisa do Brasil para os funcionários, mas ainda não é o momento de usar. Sou uma empresa, não tenho de me posicionar politicamente. Preciso evitar qualquer tipo de confusão, de acharem que apoiamos A ou B — afirmou Lemos.

Na rede de bares Quintal do Espeto, com nove unidades na Grande São Paulo, os salões já estão decorados com bandeirinhas do Brasil e tecidos verde-amarelo. O sócio Pedro Mott, de 30 anos, afirma que as vendas dos pacotes para os dias de jogos já estão dentro das expectativas e que a tendência é melhorar à medida que a Copa se aproxima.

Para deixar claro que a decoração das casas é uma referência ao Mundial, e não apoio político, Mott diz que tentou comprar bandeiras de outros países, além da brasileira. Mas os fornecedores não tinham. Na última semana, a reportagem esteve em uma das unidades do bar e ouviu dos atendentes que vários clientes questionaram se a decoração verde e amarela é uma referência a Bolsonaro. Um deles cogitou ir embora.

Mott afirma que nenhum caso do tipo chegou até ele e que os frequentadores sabem da tradição do bar com o futebol. Algumas unidades, exemplificou, são sedes de torcidas de times de fora de São Paulo, como o Flamengo, o Internacional, o Santos, o Bahia e até o Barcelona.

— Tem gente que mistura (política com futebol), a gente vê na internet e tal. Nas nossas casas, não. A galera sabe que somos bar de futebol. Culturalmente, temos isso bem forte — reforçou Mott, que ainda pretende ir atrás dos adereços de outras seleções.


Ruas vazias

Ao contrário do que ocorreu nas últimas Copas, as ruas da casa de uma professora de Votorantim, no interior de São Paulo, ficarão vazias neste ano. Seu pai, um artista plástico conhecido na cidade, pintava a via pública desde os anos 1990, mas morreu de Covid. Desde então, o futebol e a Copa deixaram de ser sinônimos de alegria. Como a família é contrária ao atual presidente, decidiu não manter a tradição para não vincular a imagem da bandeira brasileira à política.

— Meu pai sempre foi um amante das artes e do futebol, mas pelo negligenciamento do governo no controle da pandemia, ele não pode mais celebrar essa data com a gente. As Copas nunca mais serão as mesmas — diz a filha, que prefere não se identificar por medo de represálias.

Para a professora, é inaceitável ver que a cultura brasileira e o costume de comemorar o campeonato que une os brasileiros estejam se perdendo para dar força aos seguidores do atual presidente. Ela menciona que, atualmente, não tem vontade nem de assistir aos jogos.

— Na Copa de 2014, que foi aqui no Brasil, meu pai pintou cinco ruas com a ajuda de voluntários. Era lindo ver a festa, ver crianças se envolvendo, fazer “vaquinha” para comprar tintas. Hoje nos resta o medo de fazer isso e provocar confusão. Sem contar que perdemos nosso símbolo tão bonito para eles.

Mesmo quem já comprou a camisa da seleção ainda está esperando a disputa política passar para usá-la. É o caso da publicitária Giovana Magalhães, de 26 anos. Moradora de Campinas, no interior de São Paulo, ela está tão confiante no hexa que adquiriu duas camisas, uma azul e uma amarela. Mas está receosa em vesti-las.

— Me arrependi de ter comprado. A azul até usaria normal, mas amarela tenho um pé atrás. Depois do primeiro turno, senti que a camiseta não foi despolitizada. Pelo contrário, ainda está muito associada como símbolo do bolsonarismo — avaliou Giovana.

Já uma loja da 25 de Março, tradicional reduto do comércio popular paulistano, só conseguiu manter o faturamento de outras Copas neste ano por causa da política. O diretor do Lojão dos Esportes diz que as vendas permaneceram no mesmo patamar graças aos apoiadores do presidente, que têm procurado mais artigos com as cores verde e amarela.

— A tendência, assim como nos outros anos, é que esse número aumente com o início dos jogos. Por enquanto, nosso patamar de vendas se manteve por causa do período eleitoral.

Além dos itens da Copa, a loja tem colocado em exposição bandeiras ligadas à política para aproveitar o bom momento de vendas do período eleitoral — tanto associadas a um lado da disputa quanto ao outro. O diretor afirma que, até agora, não passou por nenhuma situação desconfortável com os consumidores.
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