A dor invisível que altera o cérebro e o corpo

Especialistas apontam que o luto amoroso pode causar alterações neurológicas e levar a transtornos mentais graves, como mostra o caso de Larissa, jovem que enfrentou depressão após o fim de um relacionamento.
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Gabriel Ferro
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29/05/2025

Por Gabriel Ferro Agostini

 

Após o fim de um relacionamento de seis anos, Larissa, uma jovem de 28 anos, viveu um processo emocional intenso que ultrapassou a tristeza esperada para términos amorosos. Ela mergulhou em um luto profundo, com sintomas que incluíam insônia, isolamento social, crises frequentes de choro e queda acentuada na autoestima. Seu caso foi diagnosticado como transtorno de ajustamento com humor depressivo, uma condição mental que surge como resposta a eventos estressantes da vida, especialmente quando o indivíduo encontra dificuldades em se adaptar emocionalmente.

Estudos indicam que o luto prolongado pode causar alterações concretas no funcionamento do cérebro. Segundo uma pesquisa da Universidade de Columbia, pessoas que vivenciam esse tipo de sofrimento mostram hiperatividade no córtex cingulado anterior, área associada à regulação emocional e ao desejo persistente pela pessoa perdida. Além disso, neurocientistas apontam que o sistema de recompensa do cérebro, que normalmente responde a estímulos positivos, também se altera, reforçando o ciclo de sofrimento e dificultando a superação da perda.

Larissa iniciou tratamento psicológico logo após o diagnóstico. Com o apoio da terapia e práticas de autocuidado, como atividade física, reconexão social e construção de novos projetos pessoais, começou a resgatar sua identidade para além do relacionamento. “A dor ainda aparece, mas agora ela não me define. Aprendi a me olhar com mais gentileza”, relata. Casos como o dela ilustram como o luto amoroso, embora invisível aos olhos, pode ter impactos profundos na saúde mental. Reconhecer esses sinais e buscar ajuda são passos fundamentais para que a dor se transforme em aprendizado e fortalecimento.

De acordo com a psiquiatra Ana Cecília Marques, o luto amoroso é muitas vezes negligenciado por ser visto como algo natural da vida adulta. No entanto, em determinados contextos, ele pode assumir formas clínicas graves, com sintomas semelhantes aos de transtornos depressivos maiores. 'É importante que os profissionais de saúde e a sociedade passem a considerar esse tipo de sofrimento com mais seriedade', afirma Marques. A ausência de políticas públicas voltadas à saúde emocional após perdas afetivas mostra o quanto ainda há um caminho a percorrer na valorização da saúde mental.

Outro estudo, publicado na revista científica 'NeuroImage', mostrou que os circuitos cerebrais ativados durante o luto amoroso são os mesmos envolvidos em situações de dependência química, o que ajuda a entender por que algumas pessoas desenvolvem uma espécie de abstinência afetiva após o término. A ativação repetida dessas regiões dificulta a reorganização emocional e pode manter a pessoa em estado constante de sofrimento. 'É como se o cérebro estivesse preso em um ciclo de saudade e dor, sem tempo suficiente para processar a perda', explicam os pesquisadores.

A história de Larissa também destaca a importância de redes de apoio durante o processo de recuperação. A presença de amigos, familiares e profissionais de saúde mental pode fazer toda a diferença entre o agravamento do sofrimento e a retomada da vida. Além disso, práticas de escuta empática e o combate à ideia de que 'é só um término' são atitudes fundamentais para quebrar o estigma que ainda cerca o sofrimento amoroso. 'A validação da dor é o primeiro passo para a cura', reforça a psicóloga clínica Juliana Pires. Ao reconstruir sua rotina e se redescobrir como indivíduo fora de um vínculo amoroso, Larissa tornou-se também uma defensora da saúde mental entre jovens. Ela participa hoje de rodas de conversa sobre relacionamentos saudáveis e conta sua experiência em grupos terapêuticos. Sua jornada, marcada pela dor, é também um lembrete de que há vida após o luto e de que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de coragem.

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