O futebol feminino no Brasil ainda é marcado por diversos desafios, como a falta de investimento, a desvalorização das atletas e o descaso das diretorias dos clubes. O caso do elenco feminino do Ceará ilustra bem essa realidade.
Enquanto o time masculino do Ceará vinha realizando boas temporadas, o elenco feminino tem lutado para sobreviver com poucos recursos e visibilidade. Segundo informações divulgadas pela imprensa local, o time feminino do Ceará sofre com a falta de salários, falta de estrutura e atraso nos pagamentos.
Em 2022 o time masculino do Ceará acabou sendo rebaixado para segunda divisão nacional, enquanto o elenco feminino acabou sendo campeão da Série A2, com isso recebeu uma premiação de R$100 mil, que infelizmente acabou sendo utilizado pela diretoria para pagar as contas do elenco masculino e com isso reformulou o elenco completamente e isso acabou apresentando problemas para as meninas, pois com jogadoras de 15 anos, o elenco não conseguiu disputar com outros times e com isso, até o momento são 7 jogos. 56 gols sofridos e nenhum marcado.
As jogadoras do Ceará chegaram a paralisar as atividades em protesto contra as condições precárias de trabalho. Em entrevistas concedidas à imprensa, as atletas relataram dificuldades para conciliar o futebol com outros trabalhos, além de problemas com alojamento, transporte e alimentação.
Em entrevista ao portal português “O jogo” a atleta portuguesa Ana Rute contou que além de jogar profissionalmente, precisou conciliar o esporte, estudos e trabalhos ao mesmo tempo, não só pela vontade, mas também para não correr riscos caso o futebol não desse certo. “Tenho de conciliar as três coisas. Terminei a minha licenciatura em Gestão, ainda assim, decidi prosseguir os meus estudos, estando agora a tirar o mestrado em Contabilidade e Finanças, que pretendo concluir este ano. Como senti necessidade de ganhar alguma experiência profissional, envolvi-me no negócio familiar.”
O descaso por parte das diretorias dos clubes em relação ao futebol feminino é um problema que afeta não só o Ceará, mas também diversas outras equipes do país. A falta de investimento e de incentivo financeiro é uma das principais barreiras para o desenvolvimento do esporte feminino.
Enquanto isso, a modalidade tem ganhado cada vez mais destaque e reconhecimento em todo o mundo. A seleção brasileira, por exemplo, tem sido uma das principais potências do futebol internacional, com destaque para jogadoras como Marta, Cristiane e Formiga.
O sucesso da seleção feminina, no entanto, contrasta com a realidade das atletas que jogam nos clubes brasileiros. Para que o futebol feminino possa de fato crescer e se desenvolver no país, é necessário que haja um compromisso por parte das diretorias dos clubes em investir e valorizar as atletas.
Isso inclui a criação de programas de formação e desenvolvimento de jogadoras, investimentos em infraestrutura e estruturação de clubes profissionais de futebol feminino. Além disso, é fundamental que haja uma mudança de mentalidade em relação ao esporte feminino, para que as jogadoras sejam valorizadas e respeitadas como atletas profissionais
Enquanto a realidade do futebol feminino no Brasil ainda é marcada pelo descaso e falta de investimento, as jogadoras do Ceará e de outros clubes seguem lutando para conquistar seu espaço e reconhecimento.
É preciso destacar que a falta de investimento no futebol feminino não é apenas uma questão de justiça ou de igualdade de gênero, mas também uma questão econômica. O futebol feminino pode representar uma grande oportunidade de negócios para os clubes, já que o esporte tem ganhado cada vez mais visibilidade e um público crescente.
Para se ter uma ideia, a final da Copa do Mundo Feminina de 2019, realizada na França, foi assistida por mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Isso mostra que há um grande potencial de mercado para o futebol feminino, que pode atrair patrocinadores, investidores e novos fãs.
No entanto, para que isso aconteça, é necessário que haja um compromisso real por parte das diretorias dos clubes em investir e desenvolver o futebol feminino. É preciso acabar com o descaso e a desvalorização das atletas, garantindo condições dignas de trabalho e uma estrutura profissional.
A falta de investimento reflete na qualidade dos campos de treinamento e dos materiais esportivos disponíveis para as jogadoras. Enquanto os times masculinos contam com campos de treinamento de primeira linha, os times femininos muitas vezes precisam se contentar com espaços improvisados e precários.
Outro ponto crítico é a falta de apoio psicológico oferecido às atletas. Muitas vezes, elas precisam lidar com o preconceito e a discriminação dentro e fora do campo, além de pressões externas relacionadas à aparência física e à vida pessoal. Um acompanhamento psicológico adequado pode ser fundamental para garantir o bem-estar emocional e o desempenho das jogadoras.
O descaso com o futebol feminino também se reflete na falta de visibilidade e de cobertura midiática do esporte. Enquanto os jogos dos times masculinos são transmitidos em horário nobre na televisão e nas rádios, os jogos femininos têm pouca visibilidade e são transmitidos em horários pouco acessíveis ao público.
A falta de visibilidade, por sua vez, também impacta no reconhecimento e na valorização das atletas. Muitas jogadoras de futebol feminino ainda têm dificuldades para conseguir patrocínios e apoios financeiros, já que muitas empresas ainda não enxergam o esporte como uma oportunidade de negócio rentável.
Em entrevista para o ContraPonto, a jornalista Raffa Carolina, jornalista especialista em futebol feminino apresentou alguns pontos importantes sobre o futebol feminino. “A questão né, do descaso do futebol feminina, eu acho que é uma questão muito cultural, o que eu percebo é muito daquele efeito manada. Por exemplo: a gente tem um post de um time falando sobre a equipe feminina e sempre aparece uma pessoa falando sobre como não gosta de futebol feminino ou não assiste. A gente vê que a modalidade e o cenário do futebol feminino estão mudando, mas ainda tem muito essa questão do preconceito e o machismo enraizado na sociedade e isso consequentemente causa um descaso com a modalidade”
Para melhorar essa questão, tem até a própria diretora de futebol feminino do Corinthians fala, que é a questão ideal do futebol feminino é ele ser auto sustentável, então acho que a primeira coisa que deve ser feita é destinar o investimento de forma correta e de forma objetiva para dentro do futebol feminino, por exemplo um clube que tem o que precisa que aqui no Brasil temos a obrigatoriedade de ter um time feminino para que as equipes possam disputar a Copa do Brasil e competições sul americanas. O que tem que ser feito é criar alternativas e incentivos dentro do próprio clube…”
Recentemente a atleta Formiga, que até o final de 2022 era jogadora do São Paulo, em entrevista ao UOL criticou a estrutura do clube tricolor, acabou reclamando do gramado sintético para os treinos, da academia do clube ter horário limitado para poder frequentar e de ter somente um turno para realizar fisioterapia.
"Quando voltei ao São Paulo, foi algo absurdo. Um choque de realidade muito grande. Fiquei muito triste com o que vi. A gente juntava a galera para conversar e debochavam quando eu sugeria melhorias. A estrutura que dão até hoje para o futebol feminino não é boa. Não é bacana", disparou a atleta.
Atualmente a atleta que se encontra sem time desde dezembro de 2022, quando o contrato com o clube se encerrou, inclusive com a atleta informando que recusou uma oferta de renovação feita pela diretoria. Após a saída foi informada que era para devolver os uniformes, pelo fato de se ter uma quantidade contada para as atletas. Cada atleta tinha direito a duas camisas de jogo que deveriam ser devolvidas quando a atleta deixasse o clube.
"Ouvi que, se eu não devolvesse, descontariam do meu salário. Eu disse: ', pois, meu filho, desconte! Não vou devolver'. O que é isso? Passei o ano todo com essa roupa. Daí a [outra] menina vai chegar e vai ter que cheirar o meu sovaco? É falta de respeito comigo e com ela", contou Formiga.
A jogadora também revelou que os materiais de treino atrasaram por vários dias. A volante até chegou a oferecer parcerias com empresas de materiais esportivos, porém foi ironizada pelo supervisor e pela comissão.
"Vi muitas meninas rompendo o ligamento do joelho por causa do gramado sintético. Não tem como você treinar a semana toda no sintético para chegar no fim de semana e jogar num campo. Tem uma diferença grande. No campo, você escorrega. É difícil de acostumar", detalhou Formiga.
"E o clube não oferece sequer uma chuteira de Society para elas treinarem. Eu sou cascuda, estou acostumada, então não me prejudicava. Mas eu via as meninas sofrendo. E não imaginava que ainda hoje tudo isso aconteceria. Estamos num momento em que não podemos dar passos para trás. Daqui para frente, tem que ser só melhoria", afirmou.
Na parte da fisioterapia, fez acusações mais graves ainda. Na segunda passagem pelo clube, ela acabou lesionando as duas coxas e precisou realizar tratamento. Como o clube só oferecia um período de tratamento, a jogadora teve que procurar ajuda particular para assim conseguir voltar mais rápido, porém acabou ouvindo do ex-supervisor da equipe, que não era recomendado fazer fisioterapia por fora do clube.
"Se só me ofereciam um período, eu ia fazer o quê? Ficar em casa dormindo? Eu queria voltar a treinar logo", explicou.
Após a situação exposta pela Formiga, a ex-jogadora do clube Cristiane prestou solidariedade e informou que desde a sua saída em 2019 já havia criticado as estruturas do clube, porém recebeu críticas de diversas pessoas por ter apenas falado a verdade e que precisou de outra atleta falar o mesmo para que as pessoas acreditassem nela e nem se fazendo de vítima. Em nota oficial do clube foram apresentadas argumentações contra as críticas proferidas pela volante.