A difícil luta de atletas olímpicos para se manter no esporte

Apesar do passado mostrar que o incentivo do governo é fundamental para o desenvolvimento do esporte nacional, a maioria das iniciativas é mal gerida e há poucas propostas entre os candidatos ao Governo e Senado de São Paulo
por
João Kerr e Pedro Duarte
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05/12/2022

Apesar de o esporte olímpico no Brasil ser motivo de orgulho para muitos, as políticas públicas atuais voltadas a esse tema ainda são muito abaixo do esperado. Isso porque, além de o maior programa de incentivo ao esporte, o Bolsa Atleta, oferecer valores baixos, em diversas situações atletas ficam sem receber, impossibilitando que sigam na carreira esportiva. Isso faz com que vários talentos com potencial acabem abandonando o esporte e, assim, percamos muitas potenciais estrelas.

 

O atleta de wrestling sub-17 Ismael Ferreira conta que para muitos jovens é difícil se dedicar ao esporte sem contar com um programa de incentivo eficaz: “Eu e meus colegas viemos de famílias que não tinham tanto dinheiro. Competir em alto nível tem um custo relativamente alto para nós”. Ele afirma, ainda, que tem mais de um conhecido que não consegue se dedicar ao esporte tanto quanto ele por não ter tempo e dinheiro para ir treinar. Países mais desenvolvidos são a prova clara de que o investimento é o melhor caminho para que os resultados apareçam nas competições. O Brasil tem tradição em esportes específicos, mas no âmbito geral, acaba perdendo para as potências mundiais, como Estados Unidos, China, Japão e Inglaterra.

 

O jornalista Mauro Beting acredita que o esporte deveria ser explorado de forma mais efetiva: “Lamentavelmente, o Brasil, com todo o seu potencial olímpico e esportivo, não consegue entender isso como negócio. Essa indústria absurda do próprio esporte e o marketing que ele tem, são questões deixadas de lado. É realmente uma pena.”

 

Em 2003, foi criado o Ministério do Esporte, responsável por gerir as políticas públicas relacionadas ao tema, visando o desenvolvimento do esporte no Brasil. Desde então, muitos vencedores de olimpíadas e competições semelhantes atribuem seu sucesso a programas de incentivo como o Bolsa Atleta. 

 

No entanto, ao assumir a presidência, Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério,

rebaixando-o a secretaria subordinada ao Ministério da Cidadania, atualmente

comandado por Ronaldo Vieira Bento. Assim, o Ministério do Esporte foi incorporado junto ao Ministério da Cultura e ao Ministério do Desenvolvimento Social. Enquanto isso, o programa Bolsa Atleta derrete, ao passo que o valor da bolsa não é reajustado desde 2010, quando pulou de R$ 750,00 para R$ 925,00, segundo o UOL. O valor se mantém desde então, apesar da inflação acima dos 10% a.a. em alguns anos. 

 

Sobre a atual gestão da área, Mauro Beting pontua: “Há muitos erros do atual governo. Ao destituir o Ministério do Esporte, ele já mostra que não dá valor ao esporte como um todo. Não se vê o esporte como um meio de melhora de vida, algo que traz saúde, educação e outros benefícios, além das medalhas olímpicas. Nessa questão, o Brasil está nas últimas posições, na zona do rebaixamento”.

 

Um levantamento do Globo Esporte mostrou que dos 301 atletas brasileiros que foram à Tóquio nas Olimpíadas, 242 receberam a Bolsa, sendo que 83 se enquadram nas duas categorias de menor pagamento, que correspondem a um valor inferior a 2.000 reais por mês. Desses 301, 33 só se sustentam financeiramente graças a outra profissão, sendo a maioria deles no trabalho informal. A profissão mais comum entre esses atletas é a de motorista de aplicativo (5).

 

Segundo uma matéria do El Pais, o edital do programa não foi nem lançado no período estabelecido pelo Governo nos anos de 2017, 2018. Com isso, aqueles que recebem o benefício ficaram três meses sem receber nas duas ocasiões, fazendo com que muitos tivessem que dedicar mais tempo a outros trabalhos e menos ao esporte.

 

Em 2020, a situação piorou quando, por conta da falta de competições, o Governo simplesmente não lançou o edital para a bolsa. Com isso, atletas que contavam com o programa passaram os primeiros meses de 2021, um momento crítico da economia mundial em meio à pandemia de covid-19, sem receber nenhum valor.

 

O Brasil, mesmo com seu vasto território e com mais de 200 milhões de pessoas, não consegue acompanhar nem de perto as potências. Isso não é surpresa, uma vez que nem o estado com a maior concentração de riquezas recebe um investimento minimamente adequado ao tamanho do potencial que tem.

 

O Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa Marechal Mário Ary Pires (COTP) é um equipamento da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação da Prefeitura de São Paulo. O seu atual diretor, Mário Maeda, conta um pouco sobre o que tem feito para mudar a realidade do esporte olímpico.

 

Assim que iniciou sua gestão, Maeda unificou as peneiras de todas as modalidades em um único dia, divididas em dois horários. “Assim, ficou mais fácil de comunicar sobre elas e isso as tornou mais acessíveis também, tendo inclusive a oportunidade do atleta participar de duas peneiras diferentes no mesmo dia. Além disso, contratamos técnicos e auxiliares, ao mesmo tempo em que melhoramos a infraestrutura do local.”, afirmou o diretor.

 

Mário também pontuou que, apesar de existir desde 2009, o Bolsa Atleta nunca havia chegado aos atletas do centro olímpico. No entanto, neste ano, eles conseguiram pleitear 181 atletas com a bolsa. O valor pago aos que têm entre 14 e 17 anos é de R$604,00, e de R$ 1428,00 para os que têm entre 18 e 21 anos.

 

Sobre as políticas públicas voltadas ao Esporte, ele entende que o destaque dado não é o merecido. “Ao meu ver, o tema nunca foi uma bandeira política consagrada. O que temos hoje são ex-esportistas de grande relevância que se candidatam e acabam sendo eleitos, mas acabam não fazendo do esporte a sua política prioritária. Precisamos muito de pessoas focadas nesse tema.”

 

Isso se provou como verdade, uma vez que nenhum dos candidatos ao governo de São Paulo apresentou propostas para a melhoria do esporte em seus respectivos planos. Em uma pesquisa realizada para a produção da matéria, também não encontramos propostas exclusivamente voltadas ao tema nas demais candidaturas do estado.

 

Segundo o diretor, o COTP visa aumentar a participação e a visibilidade dos atletas de todas as modalidades olímpicas. Ele citou que no início do ano teve uma reunião com Joel Oliveira, presidente da Federação Paulista de Atletismo (FPA). Falaram sobre usar o espaço para campeonatos em 2022. Inclusive, o local sediou a 26ª edição do Campeonato Sul-Americano Sub-18 de Atletismo.

 

Na competição, o jovem Pedro Henrique dos Santos,conquistou a medalha de prata na modalidade Salto com Vara, após conseguir a marca de 4,55 metros. Dias antes, Pedro Henrique reconheceu a importância das políticas públicas para fortalecer o esporte olímpico para garantir a dedicação do atleta a seu esporte.

 

Ele acredita que o descaso com o Bolsa Atleta é algo muito triste, pois faz com que algumas pessoas acabem largando o esporte. “Conheço muita gente que tinha potencial para se tornar atleta olímpico, mas não conseguiu se dedicar o suficiente por não ter dinheiro para financiar uma vida de atleta. Quem perde é o próprio país, porque, se continuar assim, vai ser cada vez mais difícil conseguir disputar com os outros.”

 

Sem a devida atenção e investimento, os esportes olímpicos brasileiros no geral dificilmente irão despontar igual a outras potências. É consenso entre os especialistas que o esporte poderia impactar muito mais a vida das pessoas se a gestão pública do tema fosse mais valorizada.

 

Tentamos estabelecer contato com a secretaria do Esporte do Governo de São Paulo pelo telefone disponibilizado pelo site, mas não tivemos retorno até o fechamento desta reportagem.

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