Diferente dos iguais

Faltando dois dias para as eleições de 2016 que definiriam o prefeito de São Paulo, o Ibope mostrava que João Dória tinha 35% das intenções de votos
por
Luiza Fernandes
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09/10/2023

O cenário parecia se encaminhar para uma clássica disputa entre esquerda e direita, atrás do tucano viam Celso Russomanno (PRB) com 23%, Marta Suplicy (PMDB) com 19% e o Fernando Haddad (PT), atual prefeito da cidade, que tinha 15% das intenções de voto. Mesmo com os nomes de Marta e Russomanno à frente, não é exagero dizer que a maioria previa que Haddad se beneficiária do “voto útil” e iria disputar aquele segundo turno. 

Eu fui uma dessas pessoas. Eu acreditava tanto na possibilidade de Haddad disputar o segundo turno que decidi acompanhar a apuração dos votos no Diretório Municipal do PT, onde o próprio atual prefeito estava. O clima era de ansiedade e medo mas também de exaltação: Dilma tinha sido afastada do cargo de Presidente da República a menos de dois meses atrás e pairava sobre todos um clima de “não podemos perder mais essa”. 

A cidade de São Paulo é historicamente uma cidade conservadora, sob a qual nomes de centro e de direita costumam triunfar. O mandato de Haddad foi um ponto fora da curva e representou um pequeno alento à esquerda, que já não ocupava o poder na cidade há mais de dez anos. É verdade também que seu mandato foi criticado pelos seus pares, para muitos o petista adotava posturas elitistas e teve um olhar para a cidade que ignorava as periferias. 

Mas, ainda assim, sua influência sobre a cidade é inegável: UniCEU, faixas exclusivas de ônibus, ciclovia, regulamentação do carnaval, braços abertos, transcidadania e Av Paulista aberta aos domingos. 

Era nessas políticas públicas reconhecidas e que tinham causado um impacto de curto prazo na cidade que a cúpula petista se apoiava, naquele momento acreditava-se que o efeito do Haddad na cidade pudesse ter sido maior do que toda a avalanche antipetista que recaia sobre o Brasil. Como se o resultado daquela eleição pudesse assegurar que o partido se manteria vivo. 

E o resultado não podia ser pior: João Doria saiu vitorioso no primeiro turno com 53% dos votos, contra míseros 16% de Haddad.  

Em 2016 eu tinha apenas 14 anos, hoje tenho 21 e os setes anos que me separam desse episódio não são capazes de me fazer esquecer a tristeza que tomou conta daquele prédio. Anos depois eu viria a ver o mesmo Haddad perdendo uma eleição muito mais sombria, mas eu ainda acredito que aquele momento foi de alguma forma mais dolorido. 

Uma eleição para prefeito carrega uma certa simbologia, é a eleição que está mais perto de todos nós, o prefeito e os vereadores podem de fato mudar a sua rotina, mudar sua percepção de cidade e até mesmo sua identificação com o lugar que você chama de casa. A vitória de Dória significava não só uma perda eleitoral, mas também, uma descontinuidade no processo de uma cidade que pareceria que estava dando seus primeiros sinais de se tornar mais justa e inclusiva. 

Sabíamos que naquele momento São Paulo iria dar passos gigantescos para trás e foi de fato o que aconteceu. O número de pessoas em situação de rua aumentou e os programas voltados a elas foram descontinuados, a violência cresceu, o número de bicicletas e ciclofaixas diminuiu ao passo que o número de acidentes no trânsito aumentou, até a merenda dada nas escolas piorou, e ainda há uma infinidade de outros retrocessos.

Mas o principal eu acredito que diz sobre a trágica experiência de morar aqui. Por exemplo, na maior cidade do país é preferível não andar com o celular à mostra: não pode usar no carro, não pode usar na rua e até em casa a gente duvida. A sensação de insegurança acompanha o abandono completo do Centro Histórico, que após anos de políticas malfeitas, está mais abandonado do que nunca. E a cracolândia, problema que parece que nasceu junto com São Paulo, está longe de uma solução e se tornou um problema cada dia mais presente. 

A sensação que eu tive em 2016 se confirmou, a cidade se afastou a passos largos da possibilidade de ser mais inclusiva e reproduziu vários erros do passado, já que o partido que toma conta ainda é o mesmo de 2016. São sete anos e três nomes de prefeitos, todos do mesmo partido: PSDB. 

Mas há algo diferente no cenário de 2023, um ano antes de mais uma eleição, uma certeza parece estar consolidada, PT E PSDB não terão candidatos próprios. 

Os dois partidos responsáveis por aquela difícil eleição de 2016 abrem mão do seu protagonismo, e dessa vez (de acordo com as últimas pesquisas), ele parece que ficará nas mãos de PL e PSOL. De um lado o filho do ex-presidente da república, Eduardo Bolsonaro (18%) e do outro, o deputado-federal e ex-militante do MST, Guilherme Boulos (25%)

Quando eu tinha 14 anos e estava no diretório do PT acompanhando o resultado de uma eleição que opunha um publicitário apresentador de talks-shows com empresários e um professor, eu podia jurar que aquela seria a maior diferença possível entre dois candidatos e duas visões de mundo. Mas agora é, sobre todas as perspectivas possíveis, muito maior. 

Se São Paulo teve em 2016 uma chance, agora cada um dos mais de doze milhões de moradores, tem um verdadeiro chamado. Afinal, como já vimos, esse é o tipo de eleição que costuma definir muito mais do que somente aquele que ganha.

 

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