Dádiva do Nilo: a educação que umedece o Deserto do Saara

No Egito, mais de 88% da população absoluta é alfabetizada
por
Liliane de Lima
|
27/04/2020

Berço da humanidade, potência econômica na Antiguidade Clássica, localizado às margens do Rio Nilo e Mar Mediterrâneo e abrangendo parte do Deserto do Saara e porção relevante da Península do Sinai (Oriente Médio), o Egito é um dos países que nortearam a História e influenciou significativamente a agricultura, a educação, a economia e o turismo tal como conhecemos hoje.

Diante de tanta glória do passado, é difícil lembrar que a nação egípcia está localizada na Região Norte do continente Africano e enfrenta tantos problemas sociais, políticos e econômicos como os demais países da África. Um dos obstáculos que permeiam a história do continente, mas se diferencia bastante da realidade do Egito é a educação.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cerca de 88% da população entre 15 e 24 anos são alfabetizados – dados de 2017. Apenas entre a população com idade igual ou superior a 65 anos de idade, a taxa de alfabetização é menor, cerca de 32,9% do total de egípcios nesta faixa etária.

Estes dados refletem a herança histórica no contexto educacional do Egito. Desde o nascimento da civilização egípcia, a educação era um dos pilares de manutenção da sociedade. Foram os seus primeiros habitantes que criaram o primeiro sistema de escrita da humanidade, os hieróglifos, que posteriormente, possibilitaram a criação do alfabeto fonético pelos fenícios, por volta de 900 a.C.

As escolas, na Antiguidade Clássica, eram tão importantes quanto os templos. O ensino não era restrito às instituições educacionais, mas continuado e complementado pela educação familiar. A aprendizagem dispunha de ferramentas como as transcrições de hinos e livros sagrados, mas também sistemas de cálculo, geometria, aritmética e conhecimentos de botânica, zoologia, mineralogia e geografia.

Ao longo da história, muitas políticas foram adotadas para a continuação e manutenção da relevância da educação para o desenvolvimento do país.

O ensino primário egípcio possui um dos maiores taxas de alunos no continente - Foto: Pixnio
O ensino primário egípcio possui um dos maiores taxas de alunos no continente - Foto: Pixnio

Atualmente, a estrutura do ensino egípcio é divido em três grandes ciclos, semelhante ao sistema brasileiro, Educação Básica (Pré-Primário, Primário - Preparatório) - compreende crianças de 4 a 11 anos de idade; Educação Secundária, equivalente ao Fundamental II e Ensino Médio no Brasil – adolescentes de 12 a 17 anos; e a Educação Pós-Secundária ou Terciária, equivalente ao nosso Ensino Superior  - jovens entre 18 e 22 anos.

A qualidade de ensino do Egito também se deve a Lei da Educação Obrigatória Gratuita, sancionada em 1981, que estabelece a obrigatoriedade de pelos menos 12 anos de estudo, em média. Os dois primeiros ciclos educacionais são inteiramente gratuitos, garantindo assim o acesso total de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos.

Já a Educação Terciária ou Superior, depende inteiramente do desempenho do aluno nos anos escolares anteriores. É parecido com a realidade brasileira, em que os jovens necessitam fazer exames de admissão para ingressar em universidades.

Marina Masr, criadora e escritora do Blog Egito e Brasil, relata a realidade e a dificuldade que as crianças e adolescentes enfrentam. Segundo ela, “o sistema de ensino egípcio é o que eu chamaria de extremamente ‘castrador’. Nos últimos dois anos da escola, você faz uma prova nacional – todos têm os exames no mesmo dia – de todas as matérias estudadas, e com esta nota você pode se aplicar para entrar em algum curso. O problema é que você não tem como refazer estes testes, somente refazendo o colegial.”

Talvez este seja um dos motivos pelo qual muitos desistem de continuar os estudos. De acordo com a Unesco, aproximadamente dois dos mais de 10 milhões de jovens que finalizam o Ensino Secundário, em 2017, não ingressaram em uma universidade. Em porcentagem, cerca de 26,93% dos com concluintes do ensino obrigatório do país.

Marina também destaca a pressão social para a obtenção de boas notas, já que são a notas conquistadas no exame que definem o curso a ser estudado na graduação. “Se por acaso sua nota for muito alta, mas desejar fazer um curso onde a nota exigida é baixa, dificilmente vai poder. Ou seja, seu sonho é fazer letras, mas sua nota foi tão alta que você poderia entrar em medicina ou engenharia (as duas faculdades mais bem vistas por lá). Vai ter que fazer (uma delas) à força, mesmo que você desmaie ao ver sangue ou chore de ver um cálculo na sua frente.” E acrescenta que “o próprio jovem se vê numa pressão enorme a escolher a profissão conforme sua nota, e não o que realmente quer.”

O Egito possui 68 universidades, sendo 29 públicas. As melhores estão na capital, Cairo, e regiões próximas: Universidade do Cairo, Universidade de Alexandria e Universidade de Mansoura.

Universidade do Cairo - Foto: Flickr
Universidade do Cairo - Foto: Flickr

Mesmo com a população absoluta de 98 milhões de habitantes, o Egito não absorve grande parte dos recém-graduados. No país, diferentemente do Brasil, não existe o período de estágio e a efetivação em um emprego na área de graduação também exige notas altas em todas as disciplinas do curso. Marina ainda declara que as agências de emprego são a principal, se não a única, porta de entrada para o mercado de trabalho, geralmente fora do Egito, destacando que a mão de obra qualificada egípcia é absorvida, majoritariamente, por países da Península do Golfo.  

O alto índice de alfabetização egípcia é um exemplo e diferencial na África, se comparado aos demais países do norte do continente. Mesmo assim, enfrenta problemas sociais, apesar de políticas públicas empenhadas em diminuir a desigualdade social. Segundo o Banco Mundial, a diferença entre os níveis educacionais dos ricos e pobres ainda são grandes. De acordo com o órgão, chamado de “hiato da riqueza”. Os ricos estudam, em média, 3 anos a mais que os pobres, mesmo com a existência da Lei de Educação Obrigatória Gratuita, citada na reportagem.

Em relação ao analfabetismo, existem mais mulheres iletradas do que homens. A Unesco contabilizou, em 2017, que dos 16.851 milhões de jovens entre 15 e 24 anos de idade, 1.975.700 são analfabetos e destes, 54,48% são o sexo feminino.

         O Egito, um exemplo de desenvolvimento econômico e social do passado,  ainda é um país de  influência no ensino e aprendizado para todo o restante do mundo. Não é mais a mesma potência mundial que foi na Antiguidade Clássica, mas sua importância no continente africano é evidente até os dias atuais.

          A educação egípcia, bem como o interesse de seus governantes nessa área, é um padrão mundial. Diretamente da África para todo o planeta, principalmente países em desenvolvimentos como o Brasil.

 

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