Da rua aos palcos o Hip Hop sobrevive fora do mainstream

Nas ruas da Pompéia o rap underground se equilibra para sobreviver ao cotidiano.
por
Amanda Tescari
|
10/04/2025

Por Amanda Tescari

 

Todos os dias, no cruzamento entre a avenida Francisco Mattarazzo e a Pompéia, Fabiano Martins vende balas no semáforo do Viaduto da Pompéia, zona oeste de São Paulo. Seu trajeto, contudo, começa algumas horas antes, do outro lado da cidade, no Jardim Vera Cruz, em São Mateus. Seja no sol ou no frio da manhã, ele perpassa pelos carros com um sorriso incansável no rosto e, de carro em carro, vai oferecendo e vendendo as balas que carregam a mensagem do seu sonho maior: o sustento proveniente do rap.

A rotina de um artista que vive fora do mainstream, tentando sobreviver exclusivamente de sua arte, às vezes parece requerer um dia com mais de 24 horas. Mesmo assim, o rapper Fabiano e milhares de outros artistas persistem no seus objetivos, conciliando e fazendo o possível para concretizá-los, afinal, esses são sonhos de uma vida.

Para Fabiano, tudo começou ainda pequeno, ouvindo Racionais MC’s enquanto dançava junto de seu irmão mais novo, um amigo e o primo. Com o passar do tempo, conheceu cada vez mais o hip hop. Anos depois, juntou-se ao ritmo dos antigos parceiros de dança e passou a integrar o grupo Lado a Lado. Foi apenas quatro anos depois que, com o término do grupo, ele confirmou sua independência e se consagrou como Rapper Fabiano aos 24 anos. Neste caminho, sustentou sua vida, seu filho e seu sonho com uma só atividade: a venda de balas. Após o final do grupo, decidiu cantar suas próprias palavras, o que saía do seu coração, e com isso começou passou também pelo difícil processo da composição.

 

Rapper Fabiano/Reprodução: Instagram
Rapper Fabiano/Reprodução Instagram
                                                                          

Para ele, o processo de criação começou quase que como um milagre. Após uma noite de bloqueio criativo foi dormir pedindo a Deus inspiração para o dom de compor. Sem conseguir dormir, acordou mais cedo no dia seguinte e logo foi trabalhar. No caminho, entretanto, sentia-se inquieto. A vontade de rimar parecia fluir em seu corpo como corrente elétrica, e o que antes era bloqueio criativo, agora talvez fosse medo por ainda não ter assimilado a composição como um dom em sua vida.

Tomou café da manhã no mesmo bar de sempre e, em silêncio, pediu para Deus novamente que lhe mandasse um sinal de que estava no caminho certo. Foi só sair do estabelecimento que seu sinal veio; avistou uma caneta no chão e, ao pegar, dentro do tubo plástico estava escrito seu nome. Explodindo de emoção, o momento simbólico ficou canonizado em sua memória e nas suas letras como um marco, e com essa caneta, então, o rapper Fabiano passou a exercer seu dom da escrita através do rap.

Desde o lançamento de seu primeiro clipe, em 2021, seu primeiro ofício como vendedor ambulante nunca parou; para ele, a autonomia de poder conciliar seus horários e garantir o seu sustento sem abrir mão do sonho é o maior benefício do trabalho, apesar do pouco tempo de descanso que resta.

A carreira no rap, contudo, vai além do sonho individual. O artista também é linha de frente quando o assunto é o papel político da cultura hip hop. Como organizador de eventos culturais, ele e outros seis rappers que compõem a Família Paulista Hip Hop organizam festas para arrecadar alimentos, produtos de higiene e roupas para doação, além de promover momentos de lazer com shows e brinquedos para as crianças, mantendo o legado da coletividade intrínseco ao movimento.

Entre o rap, as balas, os eventos culturais e a correria do cotidiano, sua arte funciona como compromisso de resgatar outros indivíduos através da cultura e inspirar as novas gerações. Nos versos de uma de suas músicas, ele conta sobre um dos encontros com uma criança que, ao cruzar seu caminho, disse que assim como o artista, gostaria de ser um MC quando crescesse. A emoção de ver a influência do seu trabalho pelos olhos de uma criança o inspirou a escrever a música “Trago na Memória”, com participação de Jhow do Promorar. 

 

Ele agradece o reconhecimento que sua arte vem ganhando e os lugares aos quais ela já o levou. O Rapper Fabiano já fez shows por toda a cidade de São Paulo, inclusive no Mês do Hip Hop, edital cultural promovido conjuntamente pelas Secretarias Municipais de Cultura, de Educação e de Direitos Humanos e Cidadania.

Por acreditar que a cultura é a ferramenta que conecta pessoas e salva vidas, deseja que todos tenham acesso aos espaços a ela destinados. A 400 metros do local onde trabalha, Fabiano descobriu, enquanto aguardava para a entrevista, que não precisava usar o dinheiro da venda das balas para entrar no Sesc Pompéia, onde contou sua história.

Tags:

Comportamento

path
comportamento

Cultura e Entretenimento

path
cultura-entretenimento