Cresce o número de denúncias de violência política contra mulheres

Lei de combate à violência política de gênero permite entender quais são as circunstâncias em que agressões podem se enquadrar como crime político
por
Thayná Alves, Marina Daquanno e Matheus Rodrigues
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19/12/2022

A violência política de gênero passou a ser crime em agosto do ano passado, quando foi sancionada a Lei n. 14.192. A norma trouxe novidades para o pleito, como a proibição de propagandas eleitorais que depreciassem a condição de mulher, ou estimulassem sua discriminação, além da proporção obrigatória nos debates de, no mínimo, 30% e no máximo 70% de participantes de cada gênero.

Até novembro de 2022, o Ministério Público federal contabilizou 112 processos abertos relacionados à Lei, que consistem em casos de humilhação, constrangimento, ameaças ou tentativa de prejudicar uma candidata em razão de sua condição feminina. Em outubro, foram 88 casos registrados no MPF, 30 a mais do que no mês anterior. Mais da metade dos ataques ocorreram via internet.

Esta nova norma estabelece que violência política contra a mulher é “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos das mulheres”, além de criminalizar atos que levem à “distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo, ou exercício de seus direitos e suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”.

Em entrevista à CNN Brasil, a coordenadora do Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero da Procuradoria-Geral Eleitoral, Raquel Branquinho, disse que um dos motivos para o aumento do número de denúncias é a própria promulgação da lei, pois as próprias vítimas passaram a melhor identificar situações que podem configurar violação política de gênero.

Em agosto deste ano, um levantamento realizado pelo O Globo apontou que 87,5% das postulantes a cargos majoritários nas eleições de 2022 dizem já ter sofrido ataques pautados em seu gênero. 72% das entrevistadas acreditam que a violência eleitoral contra as mulheres aumentou muito nos últimos anos, e quase metade diz não se sentir segura para concorrer ao posto pretendido. 

Das 88 denúncias abertas em outubro de 2022, 27 são casos de violência moral (como calúnia, difamação, atentados à reputação, críticas mentirosas e xingamentos); 25 de violência psicológica (como ameaças, manipulações e violação da intimidade); e 21 de violência econômica e estrutural (como negar acesso a recursos de campanha e danos à propriedade).

Outros 15 casos registrados são de violências simbólicas (intimidação, silenciamento, restrição do uso da palavra, questionamentos sobre peso, sexualidade etc.); e 5 de violência física (como lesão corporal). Vale ressaltar que algumas denúncias dizem respeito a mais de um tipo de violência.

Um dos casos que chamou a atenção foi o da deputada Mônica Seixas (PSOL), que realizou uma denúncia ao Ministério Público Eleitoral contra o deputado estadual e vice-presidente da Alesp, Wellington de Souza Moura(Republicanos). Na ocasião, Wellington afirmou que colocaria um "cabresto na boca" da deputada, durante sessão na Alesp, em 18 de maio. O TSE aceitou a denúncia no dia 23 de novembro.

Em entrevista, Mônica afirma que o acolhimento da denúncia por parte da Justiça Eleitoral é um feito inédito em nosso estado. “Acredito que o avanço desse processo pode, de forma exemplar, representar uma barreira legal a violência cotidiana que sofremos”, disse a deputada.

Ainda que a lei seja precisa no que pode ser considerado crime, a violência pode ser velada e muitas vezes passar impune. A Deputada Federal Tabata Amaral (PSB) diz que as agressões acontecem de muitas maneiras, e vão “desde quando me interrompem enquanto estou falando até o assédio moral e sexual nos espaços políticos”.

Tabata ainda afirma que os ataques a acompanharam durante seu mandato e continuaram a acontecer nas eleições de 2022. “Tivemos que alugar um carro blindado para usarmos durante a minha campanha, por exemplo” revela a Deputada.

Um problema estrutural

Para a codeputada estadual (nova função política assumida voluntária e publicamente por cidadãos que se corresponsabilizam por um mandato de deputado) de São Paulo, Poliana Nascimento (Movimento das Pretas - PSOL), em termos de políticas, equiparar o número de mulheres no eleitorado não é o suficiente.

Poliana analisa que dentro dos próprios partidos existe uma repressão à participação da mulher. Ela revela se sentir constantemente tentando provar seu valor, “esse processo de hostilização das mulheres acontece primeiro dentro da própria estrutura partidária”. 

Durante sua campanha, Poliana Nascimento - que também testemunhou a agressão sofrida pela Mônica Seixas na Alesp - sofreu ataques nas redes sociais, recebeu xingamentos e ofensas sexistas, o que a exigia estar alerta para apagar e denunciar. 

Mas a violência ao vivo era diferente da virtual: “por ser do PSOL, existe uma agressão para te diminuir, nos chamam de ‘as que andam de peito de fora’, que ‘fumam maconha’ (...). Primeiro você fica meio em choque, mas depois tenta educar, falar que o feminismo não é isso que as pessoas acham que é… mas isso é cansativo e depreciativo”

A pena prevista para crimes de violência política contra a mulher é de 1 a 4 anos de reclusão e multa, podendo chegar a 5 anos e 4 meses se for praticado contra mulher de mais de 60 anos, gestante ou pessoa com deficiência; com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia; por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real.

A Doutora Clicie Carvalho, representante do Projeto Justiceiras e Projeto Política de Saia, atuou na aprovação da Lei Contra Violência Política de Gênero e enxerga com muita esperança os impactos a longo prazo dessa lei: “A anuência do congresso para a adoção de uma legislação nesse viés de gênero inspira a sociedade a refletir sobre a violência política de gênero, não apenas nos espaços de poder, como também, a violência contra as mulheres no geral.”

Representatividade feminina na política

A violência de gênero é um dos principais fatores que afastam as mulheres do campo da política. Atualmente, apenas 18% das vagas do Congresso são preenchidas por lideranças femininas, mesmo as mulheres ocupando 51,7% da população brasileira (segundo dados do Teste do Censo 2022) e 53% do eleitorado, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Um dos motivos para a baixa representatividade são os possíveis ataques que as mulheres podem sofrer no campo político.

Em 2021, O Instituto Política de Saia, em parceria com o Projeto Justiceiras, elaborou a pesquisa quantitativa “A Mulher no Cenário Político Brasileiro”, onde mais de 2.500 mulheres (eleitoras, candidatas em exercício do mandato e candidatas) responderam. Destas 2.500 mulheres, 15,1% não se candidatam com medo de terem sua vida exposta, 12,6% por falta de apoio, 10,7% medo de perseguição.

Em entrevista, a Advogada e Gestora do Projeto Justiceiras Clicie Carvalho, reflete sobre um dos motivos pelo qual potenciais candidatas não foram eleitas em 2022 “observamos quantas mulheres potentes eram candidatas, mas não tinham o apoio financeiro, nem moral dos partidos ou do seu próprio núcleo político.”

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