Por Livia Vilela
Em um mundo cada vez mais conectado, contar histórias que atravessam oceanos e fronteiras exige mais do que técnica: é preciso ter coragem, escuta atenta e, sobretudo, paixão por entender outras culturas. Essa é a realidade dos correspondentes internacionais, profissionais que enfrentam desafios diários para traduzir ao público local os grandes acontecimentos do mundo. Os desafios enfrentados por esses profissionais vão desde os riscos em áreas de conflito até as pressões econômicas que afetam os veículos de comunicação.Um correspondente internacional precisa ter não só habilidades jornalísticas, mas também sensibilidade cultural e capacidade de análise crítica, permitindo que o jornalista vá além da simples transmissão de informações, oferecendo uma compreensão mais ampla e significativa dos eventos internacionais.
A jornalista Denise Odorissi, com passagens profissionais por Paris, Tel Aviv, Londres e agora baseada em Buenos Aires, acredita que não há rotina no ofício. Costuma dizer que de tédio, um correspondente internacional não morre. Vinícius Assis, que atua de forma independente no continente africano, reforça a importância de saber escutar e considera um grande desafio falar menos e escutar mais.

O correspondente de hoje já não é mais aquele expatriado com estrutura completa oferecida pelas grandes redações. Como explica Denise, o modelo clássico está dando lugar ao do stringer, profissional local que atua por demanda, com infraestrutura reduzida e muitas vezes sem vínculo fixo com as emissoras. Se antes ser correspondente internacional era um prêmio dado àquele repórter com anos de carreira e de empresa, hoje em dia vemos jornalistas cada vez mais jovens e inexperientes se jogarem no mundo com um telefone celular e um microfone e vender seus serviços por pouco dinheiro.
A própria trajetória de Denise evidencia o preparo necessário para alcançar esse posto. Desde cedo, alimentava uma curiosidade pelo mundo ainda sem Internet nos anos 80 e 90, quando qualquer informação internacional chegava apenas pela imprensa. Aos 17 anos, decidiu ser jornalista. Antes de assumir postos no exterior, passou por diversas funções como produtora, editora, apresentadora e repórter. A oportunidade como correspondente surgiu em 2019, convidada pela CNN Brasil para atuar em Londres.
Sua primeira grande cobertura foi, também, um dos maiores desafios do jornalismo contemporâneo: a pandemia de COVID-19. Denise foi responsável pela reportagem exibida no dia de estreia da CNN, em 15 de março de 2020, retratando a situação dramática no norte da Itália, epicentro europeu do surto. Ela lembra que os maiores desafios são aqueles que vêm da cobertura em si. Durante a pandemia chegou a testar positivo para COVID duas vezes e precisou entrar ao vivo isolada em seu quarto, sem poder sair sob risco de multa.
Já Vinícius Assis teve um início de trajetória pouco convencional. Após ser demitido em 2018 decidiu embarcar para a África por conta própria e apresentou a proposta à GloboNews, onde já havia trabalhado. A emissora, que buscava um correspondente para o continente, aceitou. Desde então, Vinícius tem dedicado sua carreira a relatar histórias pouco exploradas por jornalistas brasileiros. Ele afirma que muitos especialistas falam do continente africano sem nunca terem pisado nele. Por isso, adotou o compromisso de ouvir mais e falar menos, respeitando a complexidade local.

Para ele, o correspondente ainda tem um papel essencial, mesmo diante do avanço das agências de notícias e da automação dos processos jornalísticos. Considera que as reportagens internacionais neste formato ficam sempre as mesmas, sem aprofundamento algum. No fim, só existe uma narrativa sendo veiculada. A presença no local, para Vinícius, permite uma cobertura mais humana e precisa. Mas isso tem um custo alto, literalmente. Ele explica que manter um correspondente no exterior é caro, principalmente quando se leva em conta as taxas locais e os custos operacionais. A maioria dos correspondentes internacionais que conhece trabalha como freelancer. É mais conveniente para os veículos pagarem por serviços pontuais.
A falta de investimento também é criticada por Denise, que relaciona o desinteresse dos veículos à falta de visão estratégica. Cobrir o que dá audiência é uma praga que afeta o noticiário internacional também. Não ter investimento apropriado, para quem está em campo, significa não ter um carro para trabalhar mesmo carregando equipamento pesado; não conseguir aprovar o orçamento para ir gravar uma entrevista num país vizinho; ter que usar equipamento velho e quebrado, não ter treinamento e equipamento de segurança para coberturas de risco. Diz que são muitas consequências ruins. Para ela, quando não há investimento é porque não há interesse.
Essa lógica de mercado interfere diretamente na pluralidade das coberturas. Vinícius destaca como o jornalismo brasileiro concentra suas atenções nos eixos Rio-São Paulo-Brasília e reproduz essa lógica no exterior, priorizando Estados Unidos e Europa. Ele afirma que ainda existe uma visão muito eurocentrada na produção de notícias. Diante desse cenário, os dois jornalistas concordam que o correspondente moderno precisa ser multifunção. Vinícius, que aprendeu a filmar, editar, captar áudio e produzir reportagens com o próprio celular, hoje trabalha sozinho. O correspondente precisa oferecer um serviço exclusivo. Denise concorda afirmando ser preciso reunir as habilidades de uma redação inteira.
Apesar das dificuldades, ambos mantêm o compromisso com um jornalismo ético e profundo. Para os que desejam trilhar esse caminho, a dica de Vinícius é clara: “É preciso ter medo". O medo faz com que se aja com cuidado. Diz não haver notícia que valha uma vida. O jornalista tem que saber bem a diferença entre querer, poder e dever veicular uma informação ou uma imagem. Já Denise acredita que para ser correspondente internacional é fundamental ser curioso, persistente, observador, disponível para trabalhar a qualquer hora e pronto para tomar decisões sozinho. Conhecer outros idiomas é essencial. Mas, acima de tudo, é preciso ter paixão por uma vida sem rotina.
Assumir o papel de correspondente internacional é encarar um ofício marcado por incertezas, deslocamentos constantes e o desafio de transitar entre diferentes realidades culturais e profissionais. Mais do que reportar, é preciso interpretar o mundo com responsabilidade e sensibilidade. Em uma era dominada pela velocidade e pela superficialidade das informações, a presença no local e o olhar apurado de quem testemunha os fatos continuam sendo ferramentas insubstituíveis para uma cobertura profunda e humana.