Por Jalile Elias
São seis horas da manhã de segunda-feira, e o despertador de Ivana toca pela segunda vez em seu apartamento silencioso localizado no centro da cidade de Campos dos Goytacazes, no interior do estado do Rio de Janeiro. Aos 41 anos, a rotina de acordar cedo para procurar emprego já virou um misto de hábito e fardo para Ivana Rossi de Oliveira. Ela se levanta devagar, ainda sentindo o peso das tantas noites que passou em claro. Ivana, que já foi secretária executiva em uma grande empresa da cidade, está desempregada há onze meses. Desde que foi demitida devido a uma mudança no quadro societário, sua vida ficou “de pernas para o ar”.
Ela coloca os pés no chão frio do seu apartamento onde mora sozinha e segue diretamente para o banheiro, sem muito entusiasmo. Ao abrir a torneira para lavar o rosto, a água gelada não consegue espantar o cansaço emocional e físico de uma busca incessante por uma oportunidade no mercado de trabalho. O espelho reflete o seu semblante tenso, uma expressão que ela já não consegue disfarçar. Mesmo assim, Ivana, apelidada carinhosamente por seus familiares e amigos de Vaninha, tenta se animar com um sorriso forçado diante de tanta frustração. Na cozinha, o silêncio impera. Não há mais aquele burburinho de preparação para um dia cheio de trabalho. A rotina do café da manhã, antes rápida para aproveitar os minutos antes de sair para o escritório, agora é lenta e marcada pela sensação de vazio. Ivana prepara um pão francês torrado com manteiga e um café com leite. Ela não está com muita fome, mas sabe que precisará de muita energia para aguentar mais um dia de entrega de currículos e de e-mails enviados para empresas de todos os ramos possíveis. Ela olha pela janela enquanto mastiga distraidamente pensando em como sua vida parecia mais fácil há apenas um ano. Na época, o maior problema era o trânsito que ela pegava para ir ao trabalho.
Por volta das 8h00min, Ivana veste uma roupa simples, mas arrumada. A camisa branca, a calça social e o salto estão um pouco mais gastos do que antes, porém ela se esforça para manter uma aparência profissional. Era mais um dia extremamente quente em Campos, com os termômetros atingindo 36ºC, mas ela não tinha outra opção. E lá foi ela entregar mais alguns currículos pessoalmente, mesmo que já tenha se habituado ao silêncio dos e-mails que nunca são respondidos. A busca por trabalho parece uma missão solitária e desgastante, mas extremamente necessária.
Com sua bolsa tiracolo preta, onde carrega apenas cópias de seu currículo, uma carteira e uma garrafa de água, Ivana desliga todas as luzes e sai de casa. Do elevador até a garagem, onde está o seu carro com uma preocupação a mais: o combustível. O posto de gasolina é um dos locais que Ivana menos gosta de frequentar, já que não aguenta mais o que considera valores tão altos nas bombas - que geram ainda mais impacto no bolso de uma pessoa desempregada.
A sensação de desamparo cresce a cada dia de portas fechadas, mas a esperança é a última que morre. O primeiro destino de Ivana é uma agência de empregos no centro da cidade, localizada a cerca de 5 minutos de seu apartamento. Ela entra na fila, que já se encontra consideravelmente longa, lotada de pessoas em situações semelhantes. Ao observar ao redor, Ivana sente uma mistura de solidariedade e tristeza. Ela sabe que todos ali naquele local compartilham do mesmo medo: o de não encontrar uma oportunidade.
Quando chega sua vez, Ivana entrega seu currículo com um sorriso bem tímido e pergunta se há alguma vaga em aberto para o seu perfil. A atendente, com um semblante cansado, claramente acostumada a ver essa cena diariamente, faz uma rápida pesquisa no computador. O resultado da pesquisa de menos de dois minutos não surpreendeu Ivana: nada, nenhuma vaga disponível. Ela agradece e sai da agência. O sol vai ficando cada vez mais forte, mas o brilho dele parece não iluminar Ivana.
Apesar do ainda elevado número de desempregados no País, as expectativas para um futuro próximo não são das piores. A taxa de desemprego no Brasil caiu para 6,9% no trimestre de abril a junho deste ano, o nível mais baixo registrado desde o período encerrado em janeiro de 2015. Durante esse mesmo intervalo, o número de trabalhadores ocupados no país alcançou um recorde histórico, somando 101,8 milhões de pessoas. O contingente de trabalhadores cresceu 1,6% (mais 1,6 milhão de pessoas) em comparação ao trimestre anterior e 3,0% (acréscimo de 2,9 milhões de pessoas) em relação ao mesmo período do ano passado.
Os dados mostram que a atual taxa de desemprego é praticamente a metade da registrada em março de 2021, durante o auge da pandemia de covid-19, quando o índice chegou a 14,9%. Comparando com o ano passado, houve uma queda de 1,1 ponto percentual, já que o desemprego estava em 8% no mesmo trimestre. Em relação ao trimestre anterior (janeiro a março), quando o índice era de 7,9%, a queda foi de 1 ponto percentual.
Esses números foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 31 de julho, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
Já é quase meio-dia e o estômago começa a dar sinais de fome, mas Ivana decide economizar e segue para outro ponto da cidade, uma farmácia localizada em um bairro nobre da cidade onde ouviu dizer que estavam contratando para auxiliar de estoque. Ao chegar, mais uma vez a resposta é negativa, e ela já começa a se acostumar com a sensação de rejeição.
Mas ela não desiste. Por volta das 13h00min, Ivana se senta em um banco do chamado Centro de Compras da Pelinca, onde come um sanduíche que trouxe de casa. Enquanto mastiga, observa o movimento frenético de pessoas indo e vindo de seus trabalhos, provavelmente que estão na hora do almoço. Para ela, essa cena parece tão distante quanto um sonho. A busca por emprego, que já dura meses, a faz questionar sua própria competência.
Durante a tarde, Ivana continua sua jornada, desta vez por algumas lojas de rua e em shoppings, onde espera conseguir uma vaga de vendedora. Ela é bem recebida em algumas, mas a maioria já tem equipes completas ou pede para que ela deixe o currículo e aguarde uma possível oportunidade. Mesmo assim, ela insiste, sabendo que a espera pode durar semanas - ou até mesmo nunca acontecer.
Às 17h45min, Ivana já está extremamente cansada e seus pés doem com aquele salto. O peso emocional do dia parece ter se acumulado em seus ombros e suas costas. Ela chegou à conclusão de que é hora de voltar para casa e continuar sua peregrinação no LinkedIn e mandar e-mails. O trajeto de volta se transformou em um desabafo, em que ela expôs toda sua frustração. O cansaço físico é acompanhado pela sensação de inutilidade, que se agrava ao lembrar das contas que estão acumulando. Aluguel, luz, água, internet… cada boleto é um lembrete de que o tempo está correndo contra ela.
Ao chegar em casa, Ivana coloca a bolsa na mesa e se senta no sofá. O ambiente, que antes era um lugar de descanso após um longo dia de trabalho, agora é um refúgio de incertezas. Ela pega o notebook, que é antigo e demora alguns longos minutos para ligar, e abre seus e-mails na esperança de ver uma resposta positiva de alguma das dezenas de empresas para as quais já se candidatou. Nada. Um silêncio ensurdecedor começa a ecoar na mente de Ivana, cada dia mais desanimada com a falta de oportunidades.
O jantar é simples: um prato de arroz e feijão que ela tinha preparado no dia anterior com um bife acebolado esquentado no micro-ondas. Com a televisão ligada no Jornal Nacional, Ivana mal presta atenção nas notícias. Sua mente está focada em seus próprios problemas. Ela tenta manter a esperança, mas é difícil. O desemprego trouxe não apenas dificuldades financeiras, mas também abalou completamente a sua autoconfiança.
Mesmo com o cenário de melhora nos números gerais, Ivana ainda se vê distante dessa realidade otimista. As estatísticas apontam para um Brasil com menos desemprego, mas, para quem vive na pele a angústia de portas fechadas, os dados não refletem o drama diário de quem luta para ser visto. A esperança de um futuro melhor persiste, mas é diluída pela incerteza do presente. Ivana, como milhões de brasileiros, segue sua batalha silenciosa, resistindo entre as margens das estatísticas, esperando que, em breve, sua realidade também possa fazer parte da recuperação anunciada.
Por volta das 22h30min, Ivana se prepara para dormir. O sono, que antes vinha fácil após um dia de trabalho, agora é interrompido por preocupações e ansiedade. Na cabeceira fica o seu novo aliado: um medicamento fitoterápico recomendado por uma amiga que ajuda na ansiedade e na insônia. Na cama, ela já pensa em como será o dia seguinte. Outro dia de currículos entregues, de filas, de negativas. Outro dia de incerteza. Outro dia de sonhos frustrados. Antes de adormecer, ela se vira, puxa o cobertor e tenta descansar, ciente de que precisará reunir toda a força emocional para os desafios que o amanhã trará.