Conheça as promessas de Tarcísio e Haddad para urbanizar São Paulo

Na busca pelo governo do Estado, candidatos que concorreram ao segundo turno anunciam novas políticas de moradia para atender paulistanos desabrigados
por
Dayres Vitoria
|
08/12/2022

Para suprir a carência habitacional do Estado mais rico do país, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT) incluíram nos seus planos de governo para administrar São Paulo propostas voltadas ao direito à moradia, como melhorias e maiores facilidades para a aquisição. Entre as divergências, contudo, Tarcísio prioriza expandir o projeto Casa Verde e Amarela, já Haddad  busca renegociar dívidas adquiridas pela população de baixa renda em financiamentos para moradia. 

Segundo dados disponibilizados pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), somente no Estado paulista há um déficit habitacional de 1,15 milhão de moradias. Embora a habitação seja reconhecida como um direito fundamental garantido pela Constituição, milhares de brasileiros seguem sem acesso a domicílios dignos.

Tarcísio propõe, entre suas metas, tirar os sem-teto que hoje vivem na cidade de São Paulo da atual condição. Somente durante a pandemia, entre 2019 e 2021, mais de 7,5 mil pessoas foram morar nas ruas do estado.  

O ex-ministro da Infraestrutura, além de  prometer que irá aumentar substancialmente a oferta de habitações com fomento no Estado em São Paulo, pretende em particular fortalecer o programa Casa Verde e Amarela, em vigor desde 2021, criado para substituir o antigo projeto Minha Casa Minha Vida, de 2009. O programa habitacional subsidiava a aquisição da casa própria por famílias com renda de até 1,8 mil reais. 

Já Fernando Haddad (PT) quer adotar política de zero despejos nas unidades habitacionais financiadas pela CDHU através de renegociação de dívidas. O professor e ex-ministro da educação visa oferecer subsídio para famílias de baixa renda que se encontram atualmente endividadas com a companhia.

Segundo dados divulgados pelo portal G1, cada unidade habitacional da CDHU custa entre R$120 mil e R$150 mil. Quase 60% dos moradores dos mais de 500 mil imóveis da associação ainda pagam o financiamento e seguem endividados. 

Além disso, o ex-prefeito de São Paulo deseja também, em parceria com municípios, criar e financiar o Programa Cesta de Materiais, voltado à construção ou melhoria de moradias, em terreno próprio e regularizável, de famílias em situação de vulnerabilidade social.

Ambos os candidatos, em seus planos de governo, pretendem aprimorar e modernizar o funcionamento do GRAPROHAB (Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo)  para agilizar procedimentos  de licenciamentos de empreendimentos compatíveis com a política urbana do Estado.

Em comum, os  dois planejam promover a urbanização das favelas e mudar a situação dos moradores de rua, priorizando essa parcela carente de São  Paulo. 

Quem são os mais afetados?

Para João Sette Whitaker, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Paulo e também ex-secretário municipal de Habitação, o tamanho déficit de moradia no Brasil se deve à recorrente lógica estrutural da sociedade brasileira, vinda de um histórico fortemente escravista.

Segundo as análises de Whitaker, trata-se de um passado vergonhoso que segregou pessoas periféricas e as inviabilizou financeiramente, para que acendessem e conquistassem, por exemplo, a casa própria. Esta fração, que corresponde aos mais pobres, acaba por ser quase sempre os mais desassistidos. 

De acordo com o último estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, há cerca de 530 mil moradias irregulares somente no município de São Paulo. Tais moradias são aquelas em que o morador não tem qualquer garantia ou segurança jurídica sobre sua condição de habitação. Favelas, cortiços, aluguéis e loteamentos irregulares são as mais comuns.  

Conforme apontado pela Defesa Civil, o número de casas em áreas de risco, regiões onde é recomendada a não construção de casas ou instalações, pois são muito expostas a desastres naturais, como desabamentos e inundações, cresceu 20% na cidade de São Paulo nos últimos 11 anos. O aumento ocorre principalmente nas margens de córregos, locais de proteção ambiental ou em regiões com tendência a deslizamentos.

Débora Jun Portugheis, urbanista e mestranda em ciência política pela USP, afirma que a moradia se trata de um bem de custo muito elevado. Em sua visão, um financiamento de longo prazo, por exemplo, compromete seriamente a renda mensal de uma família, necessitando assim, de um planejamento financeiro.  

Portugheis explica ainda como a desigualdade de renda está fortemente ligada às dificuldades em se obter a casa própria: “O nível de renda de uma família está diretamente relacionado ao fato de se poder adquirir uma habitação. (...) Quando temos uma sociedade com muita desigualdade de renda, em que famílias possuem rendimentos muito abaixo da média e que não conseguem ter acesso a financiamentos, a obtenção da moradia acaba por ser impossibilitada. Esse déficit habitacional se trata de uma reprodução das desigualdades sociais”.

Conforme constatado no programa criado em 2016 e batizado como Plano Municipal de Habitação (PMH), seria preciso mais de 610 mil imóveis para atender famílias carentes de moradia somente no Estado de São Paulo.

A luta por moradia 

Creuza da Silva, de 43 anos, é integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), organização de  caráter social e popular, fundada em 1997, que advoga pelo direito à moradia e pela reforma urbana. 

Ela chegou a fazer parte de uma ocupação popular visando obter, futuramente, uma moradia, mas acabou por desistir da luta no meio do caminho. Seu arrependimento hoje é ter abandonado a ocupação. Se tivesse continuado, provavelmente teria adquirido a casa própria já que boa parte dos ocupantes que permaneceram conquistaram a sua. 

O interesse pelo movimento ressurgiu em 2016, quando o MTST ocupou um terreno próximo à residência em que morava, no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. No local ocupado, junto com seu tio, ela construiu um barraco de madeira para si e, desta vez, persistiu por uma moradia digna. 

Em 2017, Creuza passou a ser coordenadora de ocupações e hoje faz parte do movimento em âmbito estadual. Contudo, ela ainda não conquistou a casa própria. Mesmo assim, a militante permanece acreditando fortemente na luta do movimento.

“O MTST ocupa terrenos que não estão cumprindo com suas funções sociais. (...) Se o governo governasse para todos, de maneira igual e não somente para os ricos, todos teriam moradia. A razão do MTST existir é que defendemos e lutamos para que todos tenham casa, que é um direito, mas infelizmente não acontece”.

A quem priorizar? 

Whitaker, que também é consultor em habitação social, destaca que o déficit habitacional é menor nas cidades do interior. A carência se concentra nas regiões metropolitanas do Estado, em grandes cidades como Campinas, Santos, Ribeirão Preto e Sorocaba. Logo, são nos grandes centros em que mais há brasileiros em situação irregular de  habitação no Estado.

Para garantir moradia aos que necessitam, o ex-secretário analisa que é preciso uma profunda transformação estrutural na sociedade brasileira para que a população de menor poder aquisitivo seja, de fato, inserida nas dinâmicas econômicas e sociais.

“Políticas de renda, associadas a pesados investimentos públicos em educação, saúde, saneamento, transporte, equipamentos públicos, em uma inversão radical das prioridades que hoje determinam os gastos públicos. O que significa enfrentar privilégios, o que é politicamente difícil. Nesse esforço, se inserem evidentemente as políticas de moradia”, afirma Whitaker.

Para a professora de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Luciana Royer, o Programa Casa Verde e Amarela, um dos principais focos do plano de Tarcísio, por mais que seja importante, não atende as famílias de faixas de renda de um a três salários mínimos, que é na qual se concentra a maior parte do déficit habitacional:

“Programa de crédito, em nível nacional, e que tem essas ressalvas sobre para quem ele é destinado, (...) famílias que conseguem acessar são famílias que ganham acima de 5, 6 salários mínimos. A gente tem um déficit habitacional para essa faixa de renda, mas a grande concentração do déficit habitacional dos brasileiros está na faixa de rendas de 0 a 3 salários mínimos”. Logo, para a professora, o programa deveria mirar, principalmente, na população de baixa renda. 

Sobre despejos e dívidas relacionadas à moradia, um dos principais enfoques do plano de governo elaborado por Haddad, Royer observa que em tempos de alta de desemprego e de queda na renda, a proposta é uma questão essencial que deveria ser  prioridade por ampliar o alcance da política habitacional.

“Para as pessoas que estão endividadas, é necessário sim um olhar do poder público para minimizar de fato a perda de propriedade, a perda de casa dessas famílias fazendo com que elas não retornem para a fila do déficit habitacional. É essencial uma política nesse sentido, que olhe para as dívidas habitacionais da população.”

Já para Celso Aparecido, urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a proposta de  urbanização das favelas, presente nos dois planos de governo dos candidatos, é uma política mais abrangente. 

Segundo o professor, o próximo governo tem condições de realizar projetos e implementar programas que visem o atendimento e acolhimento da população que mais necessita de apoio institucional para resolver seu problema de obtenção de uma moradia digna.

“Com uma política voltada para atender essa população, melhorando sua condição de vida e seu ambiente urbano imediato, tende a melhorar a cidade e os espaços coletivos de fruição urbana para todos. O importante é investir esforços,  recursos humanos e financeiros para todos.”
 

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