Por Catarina Pace
Sentada em uma cadeira na frente da quadra principal, Dulce Helena contava, com brilho nos olhos, que todas as suas memórias da infância e adolescência foram construídas dentro do Piritubão, inclusive participando de concursos de beleza e ganhando medalhas em diversas modalidades de esporte que o clube oferecia aos sócios, na Zona Noroeste de São Paulo. O clube foi fundado em 1920 por operários do bairro como uma alternativa para praticar esportes aos finais de semana. Todo mês, os sócios pagavam sua mensalidade e podiam usufruir de tudo que o clube oferecia, inclusive uma piscina, que quando inaugurada, se tornou o point dos moradores para os dias de calor. Nunca foi um clube de elite, quando comparado a outros da cidade, mas dentro do bairro, ser sócio significava muito. Hoje, quem passa na frente dele, que parece estar abandonado, não imagina quantas memórias e histórias ele guarda entre suas paredes.
Quando Dulce olhou para a quadra, se lembrou da sua adolescência ali, principalmente dos bailes que costumava frequentar aos domingos, que passaram a ser chamados de Domingueiras do Piritubão. Das 19h00min às 23h00min, todos os domingos, os jovens dançavam ao som de DJs e bandas, e que algumas alcançaram, inclusive, sucesso nacional.
Em um grupo do Facebook, Histórias de Pirituba, Boanerges Vander, outro frequentador, se lembra do que ouviu durante suas noitadas de domingo no clube. Ele conta que nos anos 70, os bailes eram animados por bandas como Incríveis, Pholhas, Dimensão 5, Placa Luminosa e outros. Um tempo depois, as Domingueiras começaram a ser comandadas pelo Porto e nelas muita gente ilustre tocou sob o teto do clube. Roupa Nova, Blitz, Trio Los Angeles, Ritchie, Biafra, Lulu Santos, Paulo Sérgio Valle, Sérgio Malandro, Polegar, Absinto, Ronnie Von e muitos outros nomes. Guilherme Arantes recebeu cerca de 2.500 pessoas em seu show por lá, o maior público que já esteve dentro do clube.
Dulce Helena ainda se emociona ao falar sobre as amizades que fez no clube e que são presentes até hoje em sua vida. Ela conta que por ser muito familiar, os moradores do bairro se conheciam através dele e que muitos ainda mantêm contato com muitas pessoas que conheceu na época. Além de tudo, o Piritubão foi palco para o nascimento do amor de muitos casais e foi também onde Dulce conheceu seu marido, Rodolfo.
Evanice Rita, de 62 anos, conhece Dulce da época em que frequentou o clube desde muito nova e relembra com emoção na voz, que o Piritubão fez parte da vida de todo morador do bairro e das redondezas, seja pelos esportes praticados ou pelas festas curtidas. Para ela, a importância do clube não era apenas o lazer, mas as amizades e laços que foram construídos através dele. Ela cita outro clube da época que ainda existe e está em boas condições, mas não era tão frequentado quanto o Piritubão. O Jaraguá Clube Campestre sempre foi um clube de elite, como os que existem hoje, muito caro e disputado, sem a humildade que o Piritubão exalava ao entrar pelos portões.
Uma das histórias que mais marcou Evanice foi a inauguração da tão esperada piscina. Ela era criança e viu o grande buraco azul ser construído. Seu apelido é Guaru, como o peixe, até hoje por causa da famosa piscina do clube. Ela não era aberta enquanto Costa, o salva-vidas, não chegava, que além de observar as crianças na água, Costa se tornou praticamente um professor de natação para Evanice e foi naquela piscina que ela aprendeu a nadar e a competir, ganhando muitas medalhas por campeonatos regionais e estaduais. Ela conta que compete até hoje em campeonatos no interior de São Paulo e Costa é o nome que ela nunca vai esquecer.
Um dia, Costa não apareceu e a fila de crianças para nadar em plenas férias de verão era quilométrica, Evanice estava de castigo em casa. Como sabia nadar muito bem e tinha confiança para ser uma ótima salva-vidas, teve o pai e a diretoria do clube convencidos pelos revolucionários da piscina a deixá-la abrir os portões. Então, se tornou salva-vidas por um, dois e todos os outros dias em que Costa não podia comparecer ao posto.
Dulce e Evanice são amigas até hoje, trocam mensagens, interagem com outros amigos no grupo do Facebook e até se encontram nas férias quando podem. Mas as duas lamentam o tempo divertido no clube, que não volta mais, e expressam a grande vontade de reencontrar todas aquelas pessoas que fizeram parte de sua infância e juventude no Piritubão.
Assustada ao olhar para as paredes do que um dia foi um clube tão bem sucedido e badalado, Dulce não acredita que está dessa forma, abandonado, largado. Não há mais sócios, festas ou Domingueiras, ele continua de pé por aulas de vôlei e futsal que ainda são pagas à parte pelos poucos usuários da quadra. A famosa e tão esperada piscina foi destruída e se tornou um estacionamento e Dulce não entende o que impede o clube de ser vendido. Com os olhos molhados, ela sabe que quem conheceu o clube da maneira como está hoje, não sentirá falta se ele se for um dia, mas que quem o conheceu no auge, só terá boas memórias para contar e relembrar.
Hoje, os poucos clubes sociais que ainda existem na cidade são como uma espécie de refúgios da elite, em que o acesso às suas instalações é um luxo reservado aos que compartilham de um status socioeconômico particular, em que apenas o dinheiro não é suficiente. Para ter um título nos maiores clubes de elite de São Paulo, além dos milhares de reais que serão gastos no título, a indicação de outros sócios também conta.
O Piritubão e outros clubes de bairros menores da cidade, que eram muito comuns até algumas décadas atrás, não dependiam de pré requisitos dos clubes de elite de hoje, pelo contrário, por mais que ser sócio mostrasse um bom status econômico nos bairros, a sociedade e amizade que se formavam nos clubes eram muito mais significativas. Para além do título, muitos eventos no Piritubão tinham portas abertas para o restante dos moradores do bairro ou até de bairros vizinhos, o que mostrava a necessidade de construção de laços, sem exclusividade ou elitismo. Hoje, ninguém sabe o futuro do clube que um dia foi uma das partes mais importantes da infância e juventude de muitos moradores de Pirituba.