Cia. Lázara usa arte como espaço de guerrilha e resistência em Amparo

Grupo artístico independente em Amparo reafirma o teatro e cinema de guerrilha.
por
Ingrid Lacerda
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10/04/2025

Por Ingrid Lacerda

 

Heleonora Lucas sempre soube que a arte era seu destino. Começou sua jornada no Teatro amador da cidade de Amparo, interior de São Paulo, no Grupo Gata, ao lado de outros jovens igualmente apaixonados pela cena. Ela já entendia que a resistência cultural começava na base e a falta de espaços e recursos nunca fora um obstáculo. Os ensaios aconteciam em garagens, parques e qualquer espaço disponível. Não ter um local fixo não era impedimento para que o trabalho fosse potente e significativo, pelo contrário, reforçava sua identidade em espalhar a arte.

Ela também construiu uma carreira na Dança, fundando na mesma cidade a Academia Ponto da Dança aos 18 anos, equilibrando suas funções entre o Teatro e a Dança e sempre buscando formas de unir essas duas linguagens. Sua paixão, entertanto, não estava ligada a ganhos financeiros, mas ao desenvolvimento pessoal e ao impacto cultural. Espetáculos, shows e performances foram realizados durante anos, mas, em 2020, a Casa do Teatro, um dos poucos espaços estruturados para as artes cênicas em Amparo, encerrava suas atividades. Mesmo assim, Heleonora estava certa que o show tinha que continuar.

Sob o impacto da pandemia surgiu a necessidade de uma nova abordagem. A falta de um local físico fez com que o audiovisual se tornasse uma solução natural. A possibilidade de alcançar um público maior, além de novas estratégias para levantar pautas e mensagens, transformou a forma como se expressava. A arte servia como alento para os dias difíceis da Covid 19.

Já, Ju Pavesi, formada em arquitetura, encontrou na arte o espaço para manifestar sua criatividade. A descoberta da cenografia como vocação foi sendo construída em pequenas epifanias ao longo dos anos. Um dos momentos foi em uma conversa com um professor, que mencionou ter trabalhado na construção do icônico Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura. O comentário ficou gravado na memória e  depois de um tempo, ao entrar na Casa do Teatro e se aproximar da companhia, a lembrança ressurgiu. 

Ao expressar seu interesse pela cenografia ao diretor veio a oportunidade de se aventurar nesse universo. A experiência prática abriu portas para um aprofundamento maior e se consolidou com a formação em Direção de Arte pela IC, em São Paulo, ampliando sua atuação para além da cenografia, entrando no campo da produção artística e cultural.

Ela explica que foi por meio da cenografia que percebeu como arquitetura e audiovisual contam histórias através do espaço e dos detalhes que compõem cada cena. Seu trabalho na Cia. Lázara, também em Amparo, vai além da estética visual, pois também envolve a organização logística e a superação de desafios que apenas um cinema de guerrilha pode oferecer. Ela descreve a produção audiovisual independente como uma verdadeira guerrilha. Com orçamentos mínimos, a equipe precisa encontrar soluções criativas para cada cena, figurino e locação, tornando cada projeto um grande desafio e uma oportunidade de inovação. 

Essas são duas das várias histórias que construiu a Cia. Lázara de Teatro e Audiovisual. Cada um do seu jeito, mas unidos pela possibilidade de construir narrativas visuais que ampliam o impacto das realidades retratadas. Com isso, vieram os desafios da produção independente, através dos quais a companhia ganhou forma, consolidando-se como um espaço onde a criatividade supera a escassez de recursos e onde o cinema se torna ferramenta de questionamento e resistência.

História da arte em Amparo

Desde 1996, fundada pelo diretor Alexandre Cruz, tem sido uma das principais responsáveis por essa revolução cultural. Originalmente intitulada “Arteatrando”, a companhia tem como propósito utilizar o cinema como uma arma cultural, ampliando o acesso à arte e promovendo debates sociais relevantes para a cidade. Os filmes produzidos na cidade, inspirados em livros, eventos históricos ou roteiros originais, refletem um compromisso com a diversidade e a democratização do audiovisual. Alexandre Cruz define suas produções como “cinema de guerrilha”, ressaltando a importância de contar histórias que muitas vezes são ignoradas pela grande mídia. Em suas obras, temas como desigualdade social, gênero, raça e a coletividade emergem como fios condutores, fortalecendo o papel do cinema como uma personificação da transformação.

 

 

O grupo também busca instigar Amparo. A cidade é carregada de camadas de história que seus habitantes desconhecem, e o cinema se tornou um meio poderoso de registrar e compartilhar essas memórias, surgindo como uma ferramenta de resgate histórico e cultural. O diretor enfatiza que parte das tramas são inspiradas em histórias reais da cidade, que carrega estigmas de preconceitos enraizados que se refletem nas esferas da vida social. A ideia é promover o cinema para questionar e desconstruir estereótipos, trazendo à tona realidades e vivências, majoritariamente ignoradas, para enfrentar intolerâncias estruturais.

Assim, encontrou um público fiel, que vê neles um espelho de sua própria realidade. E esse é o maior propósito: fazer arte acessível, que dialogue com a vida das pessoas e as faça refletir, representando mais do que apenas a produção de filmes. Trata-se de levar esperança e mostrar que é possível continuar criando e expressando, mesmo diante das adversidades.

A companhia se tornou um espaço de acolhimento para novos talentos e artistas independentes que buscam oportunidades para desenvolver seu trabalho. Muitas das produções envolvem colaboradores voluntários que compartilham da mesma paixão pela arte e pela resistência cultural. A ideia de que é possível criar sem depender de grandes investimentos motiva a equipe a continuar experimentando e inovando.

A necessidade de transformar ideias e iniciativas culturais em legislação para garantir a permanência do audiovisual independente é crucial. Consolidar direitos e assegurar o cumprimento de medidas para o incentivo da arte são desafios constantes - é preciso que a comunidade se una para que tais ações se tornem reais.

As perspectivas criadas e que criaram a companhia fazem com que a arte floresça, e como no cinema de guerrilha, a coletividade é uma comunidade movida pelo desejo de contar histórias que importam, dar voz a narrativas silenciadas e concretizar qualquer modo da expressão artística sem as amarras do grande mercado.

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