Chuvas apagaram 36 mil reservas de hotéis em São Sebastião

Com o desastre ocorrido no Litoral Norte, a cidade está em crise e o setor turístico se depara com o receio e a necessidade de novos projetos.
por
Gabriel Alberto e Bruna Damin
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04/07/2023

Além da morte de 65 pessoas causadas por deslizamentos, as chuvas que atingiram São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, em fevereiro deste ano, trouxeram problemas ao turismo, como o cancelamento de 36 mil reservas em hotéis da região. E, portanto, aos empregos.

Esse impacto afeta a principal fonte econômica da cidade, o turismo. O setor é a principal geradora de empregos em São Sebastião. Os desastres causados pelas chuvas  foi um enorme balde de água fria e agora busca se reconstruir para o restante do ano. 

Em pleno Carnaval, com a cidade lotada, choveu mais do que o esperado. Uma chuva, que segundo os sistemas de meteorologia, era pra ser apenas de 200mm, foi uma tempestade de 600 mm. Coisa que nunca havia sido registrada no Brasil antes. Um final de semana de folia, tornou-se um final de semana de tragédia. As estradas foram fechadas e danificadas, deslizamentos de terra, hotéis e restaurantes danificados, casas destruídas, inundações e mortes. 

Sophia Recco, de 20 anos, estava com um grupo de amigos em Ilhabela, mas decidiu ir à Festa do Sirena, em São Sebastião. No fim, a diversão virou um pesadelo quando a chuva intensa começou. 

Com a falta de sinal de telefone e a impossibilidade de voltar de ônibus devido aos deslizamentos, decidiram ir embora a pé, para tentarem ao menos saírem da cidade.Um grupo da Polícia Militar auxiliou  o grupo no transporte para fora da região afetada. "Eles nos colocaram na caçamba da caminhonete, que nos levou até um trator, para que pudéssemos passar. Voltamos à Ilhabela pela balsa, que estava funcionando normalmente”. 

Luciene da Silva encontra-se residindo no local de maior devastação causada pelos deslizamentos do Carnaval, a Vila do Sahy,  e ainda se depara com inúmeros prejuízos, não apenas para ela, mas para todos os moradores da Vila que foram direta ou indiretamente afetados.

Além disso, Luciene afirma que não soube oficialmente, através do alerta dos órgãos públicos, do alto risco de deslizamento para aquela região. “Soube apenas pelo noticiário a previsão de chuva” afirma a moradora.

Os danos causados aos pontos turísticos

Entre as áreas mais afetadas, podemos destacar a Praia de Maresias, uma das mais famosas da região e que sofreu com deslizamentos de terra e alagamentos em algumas de suas ruas. A Praia de Juquehy e a Praia da Baleia que também foram impactadas pelas chuvas, com alagamentos e inundações em alguns estabelecimentos locais. 

As principais praias da cidade ficaram fechadas até o meio de abril. Grande parte da areia foi tomada por lama, troncos de árvores, sujeira e a destruição de trilhas. A Trilha das Sete Praias, por exemplo, ficou bastante danificada por conta dos deslizamentos de terra e quedas de árvores. 

Hotéis e pousadas da região ficaram responsáveis por receber as pessoas desabrigadas e desalojadas pelas chuvas. A ocupação hoteleira estava na média de 70% e 80%. Agora, segundo a Secretária de Turismo de São Sebastião, é de 45%. O comércio é outro setor que levou um balde de água fria com os desastres. Diversas lojas, restaurantes e bares da região foram atingidos pelas chuvas. Os que não tiveram que fechar, sofrem com a falta de turistas para fechar as contas no azul. 

O ponto de vista da pesquisadora do grupo Inovação e Mercado de Viagens e Turismo, Débora Cordeiro, é de que a iniciativa privada (pousadas, restaurantes, entretenimento) precisa priorizar o bem social e não apenas o lucro. 

Ela ainda afirma que o município está passando por uma fase de reconstrução e que não deve receber nenhum fluxo flutuante. “Vai sobrecarregar a infraestrutura abalada. É momento de resiliência, mais que empatia. Se não houver incentivo para o retorno de turismo estes não irão, pois há muitos outros destinos.”

Para Luiz Trigo, professor do curso de Turismo e Lazer da USP, a recuperação do turismo será um processo gradual e que os lucros podem demorar meses para voltarem a ocorrer. “Além dos prejuízos diretos, como a destruição de infraestruturas e cancelamentos de reservas, também há o impacto da sazonalidade, já que estamos entrando no outono/inverno, que geralmente possui menos visitação turística na região.” 

O professor complementa: “É preciso um planejamento ambiental e geral de urbanização respeitando todo tipo de segmento, desde os turistas até os moradores/empresários/pessoas informais há que se pensar na ocupação do território do espaço urbano na segurança de todas essas pessoas, e dá para se fazer isso de uma forma racional e economicamente viável.

Um recomeço para São Sebastião

No processo de reconstrução, restabelecimento e aplicação de novos projetos para ajudar a população, surge a campanha “Turismo Solidário” feita pela Secretaria de Turismo em conjunto com o Fundo Social do município. Esse projeto consiste em reconhecer e mapear as hospedagens e restaurantes que se solidarizaram no momento da tragédia, fornecendo abrigos e cozinhas solidárias para as vítimas das chuvas. A expectativa é de 80 empresas serem reconhecidas com o selo.

As cidades do litoral norte já enfrentavam problemas em sustentar a economia em períodos de baixa sazonalidade, e de acordo com a Secretária de Turismo de São Sebastião, Adriana Balbo, os planejamentos para o restante do ano incluem eventos gastronômicos, automobilísticos e de moda. 

Adriana afirma que a mesma equipe que estava designada para cuidar das festividades foi designada para cuidar dos velórios: “Nós começamos a receber os mortos do helicóptero do exército, mais ou menos 19 a 20 mortos por voo. Mais de 2 corpos por saco até, muito criança e muitos bebês também”. Posteriormente, a equipe se encarregou de receber e distribuir mantimentos, além de organizar a ida do governador, presidente e secretários à cidade.

Para Paulo Henrique Assis, professor na ECA, faltaram medidas de mitigação e ações preventivas, juntamente, ele afirma que aliar planos de redução de riscos aos de adaptação, como ações de drenagem urbana sustentáveis e políticas públicas em contexto de mudanças climáticas, trocando dos modelos de produção de combustível e consumo de energia, para manejar e lidar com as alterações.

“Pensando que por conta das mudanças climáticas, esses eventos vão persistir, tanto no litoral norte como em outros lugares” afirma o professor. Para isso, promover serviços ecossistêmicos é necessário, como o plantio de árvores e um programa de escoamento verde para evitar os deslizamentos. 

Um problema social e urbano 

A região mais afetada em São Sebastião foi a Vila do Sahy, uma região ocupada por migrantes que vem da Bahia e demais estados do Nordeste do país. Em alta temporada, as pessoas buscam oportunidades de trabalho no Litoral Norte de São Paulo. O

 Praticamente 100% da mão de obra dos hotéis, pousadas, hospedarias, restaurantes, bares e condomínios de luxo de São Sebastião são moradores da Vila do Sahy. A população mais pobre foi a mais afetada por morar na região mais afastada e pobre dos pontos turísticos e ricos do litoral norte. Exatamente o oposto dos seus locais de trabalho. 

A ocupação das áreas próximas às praias por condomínios e casas de luxo é um fator prejudicial, pois replica em um modelo de turismo nada sustentável e que privilegia a construção de 2a residências. Isso prioriza regiões que usam de infraestrutura apenas em meses de alta temporada, tornando-se uma região fantasma na maior parte do ano, enquanto a população mais pobre é empurrada para a periferia. 

Essas residências possuem uma carência de segurança, infraestrutura, esgoto, transporte e de ruas adequadas. “É preciso ter planos de governo de longo prazo, para que essa situação não só seja normalizada, mas que as condições que provocaram esses desastres sejam evitadas. Ter a população mais pobre morando em lugares não tão distantes do seu trabalho, pois eles trabalham com hospitalidade, alimentos e bebidas, sem contar as pessoas que trabalham com auxílio à infraestrutura”, disse Luiz. 

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