A canetinha que gera transtornos

Existem milagres de Larissas por aí e outras milhares de maneiras de colocar as mãos no Ozempic.
por
Maria Clara Alcântara
|
11/06/2024

Por Maria Clara Alcântara

Larissa sempre ouviu que toda mulher faz dieta quando fica adulta e que é parte do papel de ser mulher. Sempre ouvia sua mãe dizendo que precisava perder aqueles dois quilinhos ganhos no "escape" do fim de semana. Toda vez que a família ia para a praia, começavam as piadas, os memes e os comentários entre as mulheres sobre qual seria a dieta feita por elas para ficarem com o corpo perfeito para o evento.  Larissa, no auge dos seus 8 anos, escutava quietinha e se sentia culpada porque também tinha a famosa barriguinha avantajada herança da família. 

Aos 12 anos, Larissa passou de ouvinte das conversas para participante; não era apenas telespectadora das piadas, se tornou protagonista das mesmas Aquilo a magoava, mas eram apenas piadas compartilhadas entre a família. Aos 14, as conversas não faziam parte apenas dos almoços de domingo, suas amigas passaram a debater o assunto, começaram a bolar mil e uma dietas para irem na viagem de formatura do ensino fundamental, e a menina obviamente embarcou nessa. Sem resultados, passou a viagem inteira se escondendo atrás de camisetas, shorts altos e desculpas esfarrapadas para não entrar na piscina. O ensino médio inteiro funcionou da mesma forma. No meio de folhas, simulados e gabaritos, Larissa comia em excesso, se sentia culpada, entrava na dieta da moda, dessa vez vai funcionar, dizia, e logo em seguida falhava. Tudo se repetiu por longos três anos.

Larissa passou no vestibular, saiu do interior e foi para São Paulo morar sozinha. Ali bolou um plano: como agora ninguém ficaria de olho nas suas refeições, ela iria passar fome até emagrecer tudo o que precisava, ou o que achava que precisava, passar fome mesmo, comeria uma salada por dia e só. Mais uma vez caiu no ciclo, após uma semana da salada, a menina se encontrou chorando em um fast food, esse foi mais um plano que foi por água abaixo.No desespero, se escondendo do mundo olhando no celular encontrou a solução. Uma blogueira que ela conhecia apareceu no Instagram totalmente diferente, tinha perdido 27 quilos em pouco tempo e, de acordo com ela, sem dietas, apenas usando um medicamento chamado Ozempic. 

Ela logo pesquisou para ver o que era e descobriu que era apenas uma canetinha que tirava a fome das pessoas e fazia emagrecer. Assim, se viu diante de uma promessa tentadora, uma solução rápida para um problema que a assombrava há anos. A ideia de uma canetinha mágica que tirava a fome e promovia a perda de peso sem grandes esforços soava como um sonho realizado. Entrou na aba de compras do Google, e o primeiro resultado já foi a caneta, que poderia ser entregue já no próximo dia. E se ela estivesse sem paciência, era só andar três quarteirões. O preço era o único empecilho: R$ 1.275,44.

A noite virou dia sem que ela encostasse a cabeça no travesseiro; a caneta viajava em sua mente e não parecia ter data para ir embora. Fez as contas e resolveu adquirir o objeto de luxo do momento. Não passou por médico nem nada, a blogueira já deu todas as informações, andou os três quarteirões e já tinha em suas mãos seu mais novo amor. Começou a usar o Ozempic, colocou a dose maior; queria emagrecer logo. Vieram as tonturas, mas ela sabia que isso poderia ocorrer. Não foi tão maluca em sua decisão; ela leu a bula. Larissa é estudante de direito, não entende muito de bulas de remédio… Mas o que é uma tontura aqui e ali, comparada a finalmente alcançar o corpo ideal? Isso a motivava cada vez mais.

Os quilos foram indo embora, elogios chegando, roupas perdidas por estarem largas, roupas compradas por finalmente servirem; a energia da garota foi indo embora, seu cabelo caindo cada vez mais, seu humor mais instável do que nunca, sua libido, sua juventude, tudo foi embora. Sobrou um corpo desejável.

Seus amigos a chamavam para beber uma cervejinha pós aula e ela aceitava, em uma tentativa de mostrar sua nova feição pela cidade, aliás, tinha passado a ser cada vez mais desejada, aprendeu que o corpo magro é amado, elogiado, desejado, a pessoa que o veste é mais feliz. No quesito cervejinha, ela não aguentava, era um copo para dentro e parecia que deixava seu estômago inteiro no banheiro do bar, não ficava em pé e parava de interagir com todos, o remédio a impedia de ser jovem.

Convites para festas e bares passaram a ser negados, academia ficou para trás, não tinha energia para isso, suas notas caíram. A aluna sempre foi mediana, mas com esforço conseguia passar por tudo, mas agora não tinha foco. Tentava estudar e vinha comida na sua mente, tentava comer ficava enjoada, passava o enjoo, vinha a fraqueza.

A partir desse momento veio a decisão de parar com o uso do medicamento, mas os elogios chegavam disparados e o medo de que tudo voltasse ao normal também. Diminuiu a dose e passou a ter um pouco mais de apetite, suprido por fast foods e comidas gordurosas, como se seu corpo necessitasse daquela energia depois de tanta privação, ele precisava.

Como resultado da má alimentação veio o reganho de peso e o ciclo de uso da caneta, desespero, diminuir, reganho, suor da caneta… Virou refém do medicamento e de transtornos alimentares, sua relação com a comida nunca mais vai ser saudável. A história de Larissa é comum, a cada canto dessa cidade existem pessoas loucas por essa solução milagrosa, basta entrar na hashtag do tik tok e ver as milhares de publicações sobre. 

 

 

Recentemente,  a cantora sertaneja Maraisa surpreendeu a Internet ao postar um vídeo com 20 kgs a menos, os fãs começaram a elogiar a artista e seu corpo foi parar nos trending topics do X. Pessoas com olhares mais atentos perceberam que a artista não conseguia nem fazer um simples agachamento sem auxílio devido à fraqueza do seu corpo. O debate maior sobre o Ozempic é, até que ponto as pessoas iriam pelo culto da magreza? A resposta vem vindo em forma de canetas vendidas no mercado ilegal, uso sem prescrição e a volta dos corpos raquíticos à moda.

Nos Estados Unidos, o Ozempic é chamado de 'droga de Hollywood' devido ao uso desenfreado dos artistas e A-lists, a economia da Dinamarca, país de origem da patente do remédio, cresceu em ritmo desenfreado. A incessante busca pelo corpo "ideal", frequentemente impulsionada por padrões inalcançáveis de beleza promovidos pela mídia e pelas redes sociais, pode levar as pessoas a extremos prejudiciais à saúde. O uso indiscriminado de medicamentos como o Ozempic, sem supervisão médica adequada, expõe os usuários a riscos significativos para a saúde, além de contribuir para a propagação de distúrbios alimentares e outros problemas de saúde mental.

A pressão da sociedade para atender aos padrões de beleza muitas vezes leva as pessoas a medidas extremas, como o uso indiscriminado de medicamentos para emagrecer. O caso de Larissa ilustra vividamente os perigos desse comportamento. A busca incessante pelo corpo "perfeito", alimentada pela mídia e pelas redes sociais, cria uma atmosfera na qual a saúde muitas vezes é sacrificada em nome da estética. O problema vai além do uso irresponsável de medicamentos; ele também é alimentado pela influência de celebridades e figuras públicas que promovem padrões de beleza inatingíveis. O exemplo da cantora Maraisa, que foi amplamente elogiada por sua perda de peso, reflete como a pressão para atender a esses padrões pode levar as pessoas a adotar medidas prejudiciais à saúde, sem considerar as consequências a longo prazo.

É essencial promover uma abordagem mais equilibrada e saudável em relação à imagem corporal e à saúde. Isso inclui educar o público sobre os riscos associados ao uso não autorizado de medicamentos para perda de peso e incentivar a busca por métodos de emagrecimento seguros e sustentáveis, como dieta equilibrada e exercícios físicos regulares.

 

Tags:

Saúde

path
saude