Camelôs ganham a vida à margem do campo

A realidade de quem vende na porta do Allianz Parque
por
Fabiana Caminha
|
12/06/2024

Por Fabiana Caminha

A camiseta cor de rosa de Ana Maria dos Santos destoava da multidão trajada de verde. Ela diz que não liga para futebol, que veio a trabalho. Era por volta das 11 da manhã do domingo quando ela chegou na rua Palestra Itália acompanhada de Paulo, seu marido. Outros vendedores já haviam começado a expor seus produtos. Ana trazia em dois carrinhos de feira diversos bonecos de pelúcia, camisetas, bonés e faixas. Todos os produtos com o símbolo do Palmeiras estampado. Ela estende uma lona de plástico transparente e começa a distribuir as mercadorias, alheia ao tumulto da torcida organizada que começava a se reunir a poucos metros dali.

Nos últimos 2 anos, Ana Maria esteve presente em todos os jogos do Palmeiras no Allianz, do lado de fora. Ela nunca entrou no estádio, e diz que não faz questão. Antes disso, Ana era costureira em um ateliê e hoje se dedica à confecção e comercialização dos produtos no bairro da Pompeia. Essa transição de carreira não foi planejada. Em meados da pandemia, o ateliê no qual trabalhava no Jardim Santa Cruz fechou as portas. Ana teve que se reinventar para ajudar no sustento da casa e dos dois filhos, João Pedro e José Luís, hoje com 19 e 16 anos. Enquanto o Paulo fazia bicos ela passou a fazer bonecos de pelúcia pra vender. Até que seu cunhado que já havia trabalhado como vendedor ambulante a incentivou a começar no ramo, exatamente na época em que voltaram a permitir a volta dos vendedores às ruas. 

O governo do estado de São Paulo permitiu o retorno parcial dos torcedores aos estádios em outubro de 2021. No primeiro momento a ocupação de apenas 30% da capacidade total foi liberada. Ana Maria passou a frequentar os entornos do Allianz Parque apenas em fevereiro do ano seguinte, quando o estádio já recebia o público em sua capacidade máxima. Ela mora na Zona Norte de São Paulo e leva mais de duas horas para chegar até o estádio, trajeto que enfrenta de ônibus porque vendeu seu carro durante a pandemia, mas ela diz que vale a pena. Ana Maria gosta da rotina que leva hoje em dia. A preparação dos produtos para os jogos é feita em sua casa, assim ela tem mais tempo com os filhos e consegue realizar alguns trabalhos como costureira autônoma. 

 

Produtos de Ana Maria dos Santos
Os bonecos produzidos por Ana Maria dos Santos

Enquanto começa a contar detalhes do desempenho escolar de José Luís, seu filho mais novo, o canto da Mancha Verde fica cada vez mais forte. Centenas de pessoas passam em frente aos produtos de Ana. Vez ou outra, ela atende um cliente e beberica Coca-Cola em um copo de plástico. Seu artigo de maior sucesso são os “cavalinhos do fantástico” com a camisa do palmeiras, que também são vendidos no Mercado Livre por R$79,90. Ana faz a confecção de todos os bichinhos sozinha. As camisetas e faixas são revendidas, mas ocupam pouco espaço em sua lojinha ambulante.

Por volta das 15:00, faltando apenas 3 horas para o início da partida, um carro da polícia militar se aproxima do lugar onde os vendedores estão alocados. Nesse momento Ana e os resto dos comerciantes se apressam para mudar de local. Todos se afastam do estádio, mas permanecem na Rua Palestra Itália, agora na frente do Shopping Bourbon. De dentro do centro comercial, surgem cada vez mais pessoas que caminham em direção ao estádio. A maioria passa pelos produtos dispostos no chão sem olhar para baixo. Ana garante que o movimento é melhor após o término da partida, principalmente se o Palmeiras ganha.

A fiscalização por parte dos fiscais é algo rotineiro. Eles abordam os trabalhadores em busca de irregularidades e vendedores não licenciados. Para atuar como vendedor ambulante é necessário estar registrado na plataforma da prefeitura de São Paulo "Tô Legal". O tempo médio para concluir a solicitação e poder trabalhar na capital é de 4 dias, contudo, é necessário esperar até que um novo edital de inscrição seja aberto. Esse programa é responsável por compilar os dados sobre o comércio de rua da cidade e garantir que os vendedores sigam as normas necessárias para promover a segurança da população, mas essa licença não é gratuita.

A taxa da licença varia de acordo com o preço do metro quadrado escolhido pelo solicitante, e os arredores do Allianz, em Perdizes, são altamente valorizados. Ana conta que tem a sua licença em dia, mas que não é raro encontrar colegas que atuem ilegalmente, segundo ela por causa da burocracia. Em casos em que a irregularidade é comprovada e a documentação não é apresentada, os fiscais realizam a apreensão imediata dos produtos. Os bens perecíveis são descartados, enquanto os bens duráveis são encaminhados ao depósito da subprefeitura.

Nesse dia o jogo era decisivo. O Santos disputava com a equipe da casa a final do campeonato paulista. No jogo de ida, o time da baixada havia ganhado de 1 a zero, mas o otimismo dos palmeirenses era quase palpável naquele domingo na Pompéia. A partida terminou depois das 20h00min com a vitória alviverde. Na saída do estádio, os torcedores se dividem entre as barracas de comida e os vendedores ambulantes. Ana Maria atende uma família, as crianças já carregam os bonecos de pelúcia produzidos por ela nos braços. Ela diz para os clientes que no próximo jogo levaria o Mickey palmeirense.

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