"Não é fácil esquecer da primeira vez que desgostei da minha própria imagem", relata Thomaz Albuquerque, de 39 anos, pai de dois filhos; "foi quando fui a escola, ainda criança, e percebi que a maioria dos meus colegas, naquela época, eram bem mais magros do que eu", continua. De acordo com Thomaz, até aquele momento, seu peso não era uma questão importante - sua mãe cozinhava muito bem, e ele nunca havia entendido que este poderia ser um problema. Além disso, seus exames de saúde indicavam um ótimo funcionamento de seu organismo, tal qual uma criança saudável e feliz.
O filósofo Michel Foucault dedicou grande parte de sua obra à análise das dinâmicas do poder e do controle social nas sociedades modernas. Neste contexto, o ser humano, em decorrência da construção existente, frequentemente se vê compelido a comparar-se com seus pares e a conformar-se aos padrões impostos pela sociedade. Esse processo, como ilustrado no caso de Thomaz, no século passado, pode ter um impacto profundamente negativo na autoestima e no bem-estar das pessoas. Entretanto, hoje, em 2023, com o avanço da esfera digital, crianças e adolescentes são constantemente bombardeados com conteúdo que propagam ódio e disseminam problemáticas em torno da beleza.
De acordo com uma pesquisa realizada no ano passado, feita pela CCDH (Center for Countering Digital Hate), uma organização não governamental que tem como principal objetivo a missão de proteger direitos humanos e liberdade online, a cada 39 segundos é exibido no Tik Tok, para um perfil convencional, conteúdos de dismorfia corporal e/ou de problemáticas que envolvem a saúde mental.
As redes sociais, atualmente, são agentes responsáveis por fazer com que menores odeiem seus corpos. Em fase de crescimento, crianças e adolescentes são moldados por diretrizes irreais, que são facilmente compartilhadas em um parâmetro online, com a possibilidade infinitamente maior do que no campo real. Filtros, efeitos, e modelos de influenciadores induzem os jovens a acreditar que o belo é o que está sendo exposto, sem nenhum pingo de naturalidade e, portanto, humanidade. Segundo Antônio Zuin, professor no departamento de pedagogia da UFSCar de São Carlos, este fenômeno possui inclusive um componente narcísico: “a influência das redes para “o corpo perfeito” é real e prejudica diretamente a saúde mental dos jovens. Estes, muitas vezes, estão muito mais preocupados com sua aparência do que com o bem-estar - nas academias é comum observar que os adolescentes ficam o tempo todo se olhando no espelho”.
No meio deste ano, com 18 anos, a influenciadora Mariana Menezes, conhecida como "Mari do Prexecão", realizou algumas cirurgias corporais: Lipo LAD, Lipo de papada e enxerto de glúteos e de mamas. Todos os feitos foram compartilhados sem nenhuma restrição ao público em suas redes sociais e as dos médicos que a atenderam. Todo o processo foi filmado e postado, com uma música de fundo feliz, como se fosse uma ida ao shopping em uma terça-feira à tarde.
Mariana possui milhões de seguidores apenas em seu Instagram. Entre eles, múltiplas crianças e adolescentes, de diferentes faixas etárias. A exposição de suas operações de maneira insensível corrobora para a romantização de cirurgias plásticas que, no desenvolvimento pessoal de seu público, pode vir a ser devastador. Influenciadores, além de compartilharem complexos inalcançáveis, o que por si só já é horroroso, não agem com responsabilidade em relação a sua plateia.
Segundo Thomaz, ambos os filhos possuem acesso à internet e aparelhos tecnológicos. Diego, de 12 anos, possui um celular há um ano. "Eu e minha esposa pensamos em presenteá-lo com o equipamento quando ele tivesse 13 anos; entretanto, todos os seus amigos já portavam um telefone e, devido a este acontecimento, nos sentimos pressionados a oferecê-lo um modelo", conta o parente. O casal confia no filho, mas entende que existem limites para que este possa usar uma ferramenta como essa. Nas palavras do pai: "uma vez por semana, em média, converso com Diogo sobre os conteúdos que ele anda consumindo. A gente se reúne em seu quarto e, juntos, observamos seu algoritmo. É uma tarefa difícil, já que eu e minha esposa preservamos a privacidade do nosso filho, mas por enquanto, é necessária.".
Lara, a filha mais nova, de 8 anos, ganhou um tablet recentemente. Thomaz diz que, com a filha, a restrição é ainda maior, já que ela possui apenas algumas horas para utilizá-lo. De qualquer forma, desde o início do uso, a criança mudou completamente. "Lara tornou-se mais perspicaz, com o pensamento rápido, o que a fez questionar assuntos que antes eram apenas fatos, como a hora que ela teria que ir dormir ou comer. Nós (ele e a mulher) acreditamos que seja pela idade, mas com certeza há influência da sua liberdade na internet - essa nova realidade me assusta"."
O pai ainda coloca que possui uma superatenção quanto aos padrões de beleza e autoestima dos filhos. Desde muito mais novos esses tópicos existem em longas conversas. "Meus dois filhos cresceram com incentivo à beleza. Eles lidam bem com esse quesito, mas já chegaram a reclamar da aparência deles, especialmente o de doze anos, que começou a ficar mais vaidoso, quer entrar na moda e percebeu que existem tendências. Lara já reclamou de seu nariz algumas vezes, a partir dos 6 anos, julgando-o grande demais…".
O monitoramento online, tanto de crianças, quanto de adolescentes, é imprescindível. Thomaz acredita ser impossível de seus filhos não serem afetados pelo meio, mas considera importante, como um adulto responsável, exibir o problema e encontrar soluções - entre elas, os limites; ademais, é importante que os influenciadores se conscientizem sobre o fenômeno, para que o ajudem a combatê-lo, ao invés de colaborar com ele.