Por João Paulo Soma
Nas redes sociais é comum se deparar com influenciadores fitness exibindo seus corpos definidos em fotos e vídeos, ou com modelos vestindo roupas justas que evidenciam silhuetas magras e proporcionais. Essas imagens, muitas vezes idealizadas, acabam se tornando sinônimo do chamado "corpo perfeito", um padrão estético que, embora inatingível para muitos, é amplamente difundido como meta a ser alcançada.
Essa exaltação do corpo, associada à busca por aceitação e reconhecimento, reflete uma sociedade onde a aparência física passou a ter um peso desproporcional na construção da identidade. O corpo é, antes de tudo, uma vitrine: é o primeiro contato visual e simbólico que temos com o outro. É natural que as pessoas queiram ser admiradas, mas nem todos pautam sua autoestima na aparência. Há também aqueles que buscam ser valorizados por suas ideias, inteligência e caráter.
No entanto, o crescimento da valorização extrema do corpo como principal meio de aceitação social. A pressão para se encaixar nesse ideal estético tem levado muitas pessoas a recorrerem a procedimentos estéticos, muitas vezes invasivos, em uma tentativa de elevar a autoestima e se aproximar de um padrão cada vez mais rígido e distante da realidade
O culto ao corpo, portanto, vai além da vaidade: ele revela uma inquietação profunda com o pertencimento, a aceitação e o modo como somos vistos pelos outros. Em meio a tantas exigências visuais, o corpo deixa de ser apenas expressão e passa a ser cobrança, um reflexo da sociedade que valoriza mais a imagem do que a essência. É o caso de Luiza Domingues, estudante de Psicologia, que encontrou nos procedimentos não invasivos uma maneira de se sentir mais confortável com a própria imagem.
Luiza nasceu e cresceu no bairro de Higienópolis, em São Paulo, uma região de classe alta da cidade. Estudou a vida inteira no Colégio Rio Branco, uma escola de elite da região. Desde muito nova, convivia com amigas que frequentemente comentavam sobre a aparência umas das outras e as comparações nem sempre eram favoráveis para ela. Luiza cresceu ouvindo que suas amigas se encaixavam melhor nos padrões estéticos valorizados, o que a fazia se sentir deslocada.
Com o tempo, esse convívio reforçou um sentimento constante de inadequação. A autocrítica se intensificou principalmente durante a adolescência, quando ela passou a se comparar ainda mais com as amigas. O desconforto com o formato do nariz, em especial, se tornou um ponto sensível. Quando chegou ao terceiro ano do ensino médio e completou 18 anos, seus pais autorizaram que ela realizasse os procedimentos estéticos que tanto desejava.
Ela optou pela rinomodelação, um procedimento rápido e não invasivo que trouxe resultados imediatos. A alteração foi fundamental para melhorar sua autoconfiança e a maneira como se via. Além disso, ela passou por uma harmonização facial, com aplicação de botox para suavizar linhas de expressão, como pés de galinha e marcas na testa. O principal benefício percebido foi a melhora na simetria facial. Como possuía um lado naturalmente mais caído, o procedimento ajudou a equilibrar os traços do rosto, gerando um efeito mais harmônico e satisfatório.
A experiência de Luiza não é incomum. A imagem corporal tem se tornado uma preocupação cada vez mais presente na vida de muitas pessoas, especialmente em um contexto social altamente visual e conectado como o atual. Um estudo realizado por pesquisadores da Unesp e da Unifal revelou um panorama alarmante: mulheres, jovens, adeptos de dietas restritivas, consumidores de suplementos fitness, pessoas com sobrepeso, obesidade ou sedentarismo e indivíduos com percepção negativa da própria alimentação estão entre os mais afetados por transtornos relacionados à autoimagem.
Essa realidade ganha contornos ainda mais preocupantes quando colocada sob a lente da influência das redes sociais. Plataformas como Instagram e TikTok funcionam como vitrines de corpos idealizados, muitas vezes editados, que criam e reforçam padrões estéticos quase inatingíveis. Nessa lógica de comparação constante, a autoestima vai sendo corroída, e a satisfação com o próprio corpo cede lugar à frustração. A consequência, para muitos, é a busca por soluções imediatas, dietas milagrosas, treinos extremos e procedimentos estéticos que prometem uma transformação rápida.
Essa cultura do "corpo ideal" tem raízes simbólicas profundas. A sociedade atribui significados ao corpo que vão muito além da aparência. A simbiologia presente na estética contemporânea associa determinadas formas corporais à felicidade, ao sucesso e até mesmo à saúde. Estar dentro do padrão, portanto, não é apenas uma questão de beleza, mas de pertencimento e validação social.
A busca por aceitação se manifesta de maneiras variadas: se por um lado há o culto à magreza, por outro cresce a valorização de corpos mais curvilíneos, o que revela uma diversidade de padrões coexistindo, mas todos, em maior ou menor grau, reforçando exigências estéticas. O resultado disso é visível nos números: o Brasil tem testemunhado um boom nas cirurgias plásticas. Só em 2018, foram realizadas cerca de 1,7 milhão de procedimentos, e as cirurgias não invasivas também explodiram em popularidade, com um aumento de 390% segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Mas o que mais preocupa é o crescimento desse fenômeno entre os jovens. Em 2016, quase 100 mil procedimentos estéticos foram realizados em pessoas com até 18 anos, sinalizando que a pressão estética está atingindo faixas etárias cada vez mais precoces. A juventude, que deveria ser um momento de descoberta e aceitação do próprio corpo, está sendo marcada por insatisfações profundas e intervenções cirúrgicas motivadas por padrões muitas vezes irreais.
O culto ao corpo, portanto, ultrapassa o campo da estética e se inscreve no psicológico, no social e no simbólico. Em uma sociedade que exalta a imagem e transforma o corpo em cartão de visitas, a liberdade de ser quem se é acaba sufocada pela necessidade de parecer.