Bolsonaro e o aparelhamento do esporte para fins políticos

Presidente brasileiro não é o primeiro a usar o esporte para aumentar sua aprovação com o público, relembre casos icônicos de uso político do esporte

Por Francisco Segall, Filipe Martins, Giulia Pezarim, Julia Cachapuz e Kaio Chagas
por
Francisco Vóvio Segall
|
29/10/2020

 

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem como uma forte estratégia política associar sua imagem a de diversos clubes de futebol. Desde antes do início de sua campanha para presidência, o ex deputado apareceu publicamente com mais de 70 distintivos diferentes, entre camisetas e outros acessórios. Apenas três clubes da Série A não tiveram seus distintivos publicados por Bolsonaro, o São Paulo, o Atlético Goianiense e o Red Bull Bragantino. Apesar de ter números que deixariam qualquer vira-casaca com inveja, o time declarado do presidente e o que mais aparece em suas publicações é o Palmeiras. A identificação criada entre Bolsonaro e o Alviverde fez com que após a eleição a diretoria do clube convidasse o recém eleito para entregar o troféu de campeão brasileiro para o Palmeiras, além de relação próxima criada com ídolos do elenco, como Felipe Melo, que chegou a dedicar um gol ao então candidato à presidência.

Em segundo lugar de aparições públicas, o Flamengo é outro clube com qual Bolsonaro tenta associar sua imagem “Com a fase excepcional do Flamengo campeão da libertadores, campeão do brasileiro. Ele surfou na onda do Flamengo também” alerta Pires. Em um momento em que sofria com baixa popularidade o presidente apoiou fortemente um movimento liderado por Flamengo e Vasco para a volta do campeonato carioca em junho deste ano, durante a pausa da pandemia. Após visita de dirigentes à Brasília foi publicada uma Medida Provisória que era do interesse do Rubro-Negro em negociações de direto de transmissão dos jogos com a Rede Globo na mesma semana em que o futebol voltava no Rio de Janeiro. O clube da Gávea é o mais popular do Brasil com cerca de 30 milhões de torcedores. O jornalista Breiller Pires comenta que a utilização do futebol na intensidade do governo Bolsonaro é algo sem precedentes após a redemocratização “ O Lula, o próprio FHC acompanhavam futebol. Mas nenhum deles fez uma utilização tão constante e escancarada”

A manobra de utilizar o futebol como forma de fazer política não é algo nem exclusivo do Brasil, nem exclusivo do século XX. Na Argentina os Barras Bravas são utilizados como uma “polícia política alternativa”. Em entrevista ao site Trivela, o jornalista Gustavo Grabia, que se especializou em investigar e denunciar a ação dos torcedores, disse “na Copa de 2010, o governo (Kirchner) recrutou as torcidas organizadas para trabalharem pelo partido dele nas ruas, fazendo atos políticos. Uma situação muito louca. Em troca disso, pagou 232 passagens e hospedagens à África do Sul”. Devido ao poder de mobilização de uma torcida organizada, os Barras Bravas se tornaram organizações muito influentes na sociedade argentina. Dos poderes de decidir ações administrativas dos clubes de futebol até envolvimento com tráfico de drogas e ação direta na política do país, a influência dessas torcidas é muito enraizada na política argentina.

Para além dos regimes democráticos, o aparelhamento de clubes de futebol por ditadores também é uma prática recorrente devido ao fator normalizador do futebol, nas palavras de Breiller Pires “ o futebol assim como na época do Hitler, Mussolini e Franco ajuda a normalizar governos autoritários”. Pinochet, elogiado por Bolsonaro utilizou o Colo-Colo, time mais popular do Chile, para tentar relacionar sua imagem com a do clube e aumentar sua popularidade, intervindo na Asociación Central de Fútbol direta e indiretamente em favor dos Colocolinos. O ditador chegou a se tornou presidente honorário do clube em 1984 tamanha era sua relação com os Alvinegros, tendo financiando parte do estádio Monumental. Apenas em 2015 o título foi retirado de Pinochet oficialmente.

  Durante a Guerra Fria, uma das disputas entre União Soviética e Estados Unidos se dava pela supremacia esportiva, que era posta a prova nas olimpíadas. Essa busca por resultados esportivos levou a utilização massiva de doping entre os atletas. E até depois do fim da União Soviética, a Rússia manteve essa cultura de doping para atingir resultados esportivos mais expressivos, culminando na suspensão de 4 anos do país de todas as principais competições esportivas aplicada pela Agência Mundial Antidopagem (WADA). Ainda que os russos tenham apelado no Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), o recurso será julgado em novembro deste ano com portas fechadas. 

“Mussolini foi, provavelmente, o primeiro governante a usar o futebol como extensão da política. Acreditava ele que poderia fidelizar as massas, especialmente a Giovinezza (a juventude), por meio do esporte. Com um Mundial jogado em território italiano, queria mostrar ao mundo sua força e capacidade de organização. De quebra, ainda buscava legitimar seu governo junto à comunidade internacional, que questionava seus métodos – obrigar professores a usarem o uniforme fascista e exibir a execução de opositores ideológicos são alguns deles, segundo conta o livro Glória Roubada: O Outro lado das Copas, do jornalista Edgardo Martolio.” É o que conta uma matéria produzida pelo site Extracampo sobre a Copa do mundo de 1934 que aborda justamente a questão da influência do esporte na política, e como Benito Mussolini utilizou do futebol para introduzir o fascimo.

Dois anos após o então sucesso da Copa do Mundo na Itália, chegou a vez de Adolf Hitler surfar na onda do esporte. Mas é necessário pensar no líder alemão de antes da Guerra, no poder desde 1933 Hitler era admirado e popular, até mesmo fora da Alemanha. “As Olimpíadas tinham dado a Hitler, ao sediar um evento de maneira impecável, uma imagem boa, amistosa e confiável. Meses depois, em agosto, era hora do mais importante, os Jogos de Verão, quando 49 países participaram.” Afirma Marcos Uchôa em reportagem para a série “Espírito Olímpico.”. Ainda que Jesse Owens, atleta negro, tenha conseguido quatro medalhas de ouro, pode se dizer que o objetivo de Hitler com as Olímpiadas de 36 tenha sido atingido. 

Tags:

Cultura e Entretenimento

path
cultura-entretenimento

Esportes

path
esportes