Por Leonardo Gomes da Silva
Em uma tarde no campus da USP, Joseph Silva digitava mais uma matéria sobre saúde mental no computador do laboratório do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. O jovem jornalista fazia algo que muitos sequer imaginam: transformava pesquisas acadêmicas complexas em textos acessíveis ao público geral. Joseph já conhecia o peso da palavra “oportunidade”. Filho da periferia paulistana, ingressou no ensino superior pela primeira vez em 2010, graças a uma bolsa integral do Prouni. À época, cursou Administração em uma faculdade de elite, com mensalidades que ultrapassavam os R$ 2 mil — valor que hoje estaria próximo dos R$ 5 mil. Ele foi um dos poucos de origem humilde entre os alunos abastados da instituição.
Mesmo com a mensalidade coberta, os desafios não desapareceram: transporte, alimentação, livros e materiais de estudo pesavam no orçamento. Foi com estágios que conseguiu se manter e concluir o curso. Anos mais tarde, ao decidir mudar de área e iniciar Jornalismo na USP, já sem direito a bolsas de permanência por possuir uma graduação, Joseph encontrou apoio na bolsa de iniciação científica da Fapesp. A bolsa, embora modesta, foi crucial enquanto ele se dedicava integralmente à pesquisa e ao aprendizado prático. Hoje, atua como editor em um jornal da capital e carrega a certeza de que sem as bolsas que recebeu, sua trajetória teria sido, no mínimo, muito mais difícil — se não inviável.
Também moradora da periferia paulistana, a estudante Maria Priscila percorre outro caminho, mas se encontra no mesmo ponto: a bolsa como a diferença entre o sonho e a desistência. Aos 45 anos, ex-detenta, Priscila vive com o filho autista e paga aluguel. Descobriu o curso de Serviço Social da PUC-SP ainda durante o cárcere, em 2008, por meio de um projeto de pesquisa. Mais de uma década depois, voltou a sonhar com a universidade enquanto trabalhava como orientadora socioeducativa. Enfrentando o receio de retomar os estudos após tanto tempo afastada da escola — o ensino médio foi concluído em 1993 — ela prestou o vestibular e foi aprovada. Mas a alegria logo se misturou à angústia e à dúvida sobre como pagar a universidade.
Com ajuda da família, conseguiu arcar com o início. No entanto, sabia que aquilo não se sustentaria. Bateu à porta da assistência da universidade, concorreu a uma bolsa e foi, após um processo burocrático e repleto de revezes, finalmente contemplada com uma bolsa integral da FUNDASP. A ajuda financeira não só viabilizou sua permanência na universidade, como permitiu que continuasse oferecendo os cuidados que o filho exige — incluindo medicamentos e atenção especial. Hoje, ela segue firme no curso e já projeta um futuro como assistente social, profissão que, coincidentemente , trabalha pela inclusão de pessoas como ela mesma.
Vitor Henrique de Souza Cruz conhece bem esse papel transformador da assistência social. Ele trilhou sua formação acadêmica com os pés fincados nas realidades que tenta compreender e transformar. Aos 31 anos, formou-se em Serviço Social e concluiu o mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP, sempre como bolsista da Fundação São Paulo. A chance de estudar em uma instituição privada de renome só foi possível com a bolsa. Vitor sabe que capacidade e vontade de aprender não bastam quando se esbarra em barreiras financeiras. A bolsa, para ele, não é só uma ajuda: é um rompimento com a estrutura excludente que define quem pode e quem não pode ocupar certos espaços. Ele defende que as bolsas sejam ampliadas e, principalmente, que contemplem não apenas o ingresso, mas a permanência. Ao olhar para trás, reconhece que o sistema de bolsas é um dos poucos instrumentos efetivos que permitem a democratização do acesso ao ensino superior em um país tão marcado pela desigualdade como o Brasil.
As histórias de Joseph, Maria Priscila e Vitor revelam trajetórias distintas, mas entrelaçadas por um mesmo fio condutor: o papel fundamental das bolsas (no caso, de estudo, mas poderiam ser outras como o Bolsa Família, Vale Gás, tarifa social de água e luz, etc.) como políticas públicas de reparação e inclusão social. Em todos os relatos, as bolsas não foram apenas facilitadoras do acesso à universidade — elas foram, de fato, a única forma possível de permanência e formação. Mais do que garantir vagas, esses programas oferecem aquilo que deveria ser um direito, mas ainda é privilégio: a chance de estudar com dignidade.
Em um País onde a mobilidade social é quase sempre estancada pela desigualdade, as bolsas — sejam do Prouni, da FUNDASP, da Fapesp, Bolsa Família, entre outras — atuam como válvulas de transformação. Não apenas individual, mas coletiva. Permitem que mais pessoas como Joseph ocupem redações, que mais pessoas como Maria se tornem agentes públicos comprometidos e que mais pessoas como Vitor pensem e proponham políticas sociais justas. Essas histórias de vida mostram à importância de preservar e ampliar os programas sociais de acesso à educação e, também, a outros tipos de assistência social a população de baixa renda. Afinal, como mostram suas trajetórias, a bolsa não é apenas um benefício. É, muitas vezes, o que separa o sonho da desistência e o que torna capaz a mudança de vida de grande parcela da sociedade.