Barreiras ainda seguram Angra dos Reis

Chuvas intensas isolam Angra dos Reis, interrompem eventos e deixam centenas de desalojados novamente
por
LIVIA CATANI SORIANO
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29/05/2025

Por Lívia Soriano

 

Cerca de 152 quilômetros separam a cidade do Rio de Janeiro do município de Angra dos Reis, arquipélago que conta com 365 ilhas e apresenta um clima ensolarado. Boa parte da classe média alta carioca aproveita o local para passar feriados e finais de semana em passeios ostensivos com luxuosas lanchas, esbanjando o mais alto estilo de vida. Mas, naquela quarta-feira de abril de 2025, por volta das 4 da tarde, o cenário, antes de sol escaldante, passou a se assemelhar a um filme distópico: vendavais e nuvens carregadas engoliam os personagens sob uma chuva desconcertante.

Quatro horas após o início do dilúvio, a situação não parecia melhorar — e não melhorou. Durante a madrugada de quinta-feira a população começou a ser bombardeada por alertas que chegavam aos celulares. Sirenes barulhentas indicavam os locais da ilha que precisavam ser evacuados devido ao risco de desabamento.

A quantidade de água, em suas diferentes formas — pluvial, fluvial, entre outras —, pode ser medida em milímetros (mm). No caso da chuva, essa unidade indica a altura que a água acumulada atinge em uma superfície plana de um metro quadrado. Ou seja, 1 mm de chuva corresponde a 1 litro de água por metro quadrado. Segundo a Defesa Civil, o volume acumulado de chuva em Angra dos Reis foi de 357 milímetros em 48 horas, e 325 mm em apenas 12 horas.

Em 2011, o IBGE classificou Angra dos Reis como a 10ª cidade do País em proporção de domicílios em aglomerados subnormais, também conhecidos como favelas. Segundo pesquisa feita pelo órgão, em 2010, a população estimada era de 169.270 habitantes; desses, cerca de 35,5% viviam em aglomerados, correspondendo a 37 favelas espalhadas pelo território fluminense.

No início de março, enquanto os eventos relacionados às fortes chuvas e seus impactos se desenrolavam em Angra dos Reis, outro acontecimento marcava a cidade no começo de abril: a Ilha de CARAS. O evento, que teve início no final de março e estava previsto para durar até a primeira semana de abril, precisou ser interrompido pelas condições climáticas adversas que tomaram conta da região. Antes mesmo do início da chuva, a equipe do evento havia consultado moradores locais sobre a possível situação climática, sendo informada sobre a aproximação de um alto risco, o que já havia levado a prefeitura a suspender as atividades escolares. Ainda no dia 5, a prefeitura declarou o bloqueio das estradas de acesso a Angra dos Reis devido à situação de perigo, o que resultou na impossibilidade de evacuação de muitos trabalhadores e moradores.

Isabelle Zanardi, jornalista e administradora de redes sociais da revista CARAS, estava presente no evento e relatou sua experiência diante das condições adversas enfrentadas na cidade. Segundo ela, os dias que antecederam os deslizamentos foram marcados por sol forte e temperaturas elevadas. No entanto, no dia 4 de abril, por volta das 15h30, a chuva teve início e permaneceu intensa e contínua durante toda a noite. Às 20h30, o primeiro alarme da Defesa Civil foi acionado, alertando para o risco de chuvas fortes. Já por volta das 2h30 da madrugada, um novo alerta foi emitido, desta vez indicando perigo de deslizamentos. Isabelle contou que, por volta das 7h30 da manhã, foi acordada por carros da prefeitura que circulavam com sirenes de evacuação. A situação, segundo seu relato, era bastante assustadora, com a cidade em estado crítico e difícil de ser reconhecida.

Além dos dados pluviométricos, a Defesa Civil publicou um boletim que indicava que o número de cidadãos desalojados havia chegado a 193 (posteriormente, 350), e que seis pontos de apoio haviam sido criados. Mais tarde, outro boletim foi emitido, desta vez decretando estado de emergência em todo o território.

Ainda em situação de alerta, Isabelle Zanardi descreveu as condições difíceis enfrentadas na cidade. Ela relatou que havia barro por toda parte, a chuva não parou em nenhum momento e a temperatura estava baixa. As atualizações sobre a situação eram feitas principalmente pelas redes sociais da prefeitura, onde era possível acompanhar o fechamento de diversas estradas, a interdição de ruas e o impacto sobre os moradores, muitos dos quais perderam suas casas. Isabelle considerou o momento muito complicado e destacou o medo vivido por estar presente durante essa fase crítica para Angra dos Reis.

Mas essa não foi a primeira vez. No réveillon de 2010, a história se repetiu. Devido à grande quantidade de chuvas que atingiu o território em um curto período de tempo, um dos maiores desastres registrados em Angra dos Reis aconteceu. O que era para ser um momento de celebração virou um fim de festa repentino: 50 pessoas morreram e mais 10 ficaram feridas.

Segundo o sociólogo André Vieira, a desigualdade em Angra dos Reis se manifesta de forma clara na coexistência de um estilo de vida luxuoso para alguns e uma acentuada vulnerabilidade para outros, especialmente diante de eventos climáticos severos. Ele explica que essa disparidade é um sintoma da desigualdade socioespacial comum em muitas cidades brasileiras, onde a população de menor renda frequentemente reside em áreas de risco, como os aglomerados subnormais, ficando mais exposta aos impactos de fenômenos naturais como as fortes chuvas.

Ainda de acordo com o sociólogo, a alta proporção de moradias em aglomerados subnormais em Angra dos Reis é um fator determinante na recorrência de situações de risco. Ele aponta que a ocupação dessas áreas precárias é resultado da falta de planejamento urbano e de políticas habitacionais inclusivas, levando a população a viver em locais inadequados e sem a infraestrutura necessária para mitigar os efeitos de eventos climáticos extremos. Essa condição de moradia, portanto, aumenta significativamente a fragilidade dessas comunidades frente a situações como essas. 

As fortes chuvas que atingiram Angra dos Reis em abril de 2025 revelaram a gritante desigualdade social que marca o município. Enquanto a beleza natural da região serve de cenário para o lazer da elite, grande parte da população enfrenta a constante ameaça de desastres, vivendo em áreas de risco e sofrendo desproporcionalmente com os impactos de eventos climáticos extremos. A recorrência dessas crises expõe a urgência de políticas públicas que abordem a desigualdade socioespacial, garantindo a segurança e o bem-estar de todos os habitantes de Angra dos Reis.

 

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