Bailes funks compõem a cena cultural paulistana

Como os bailes funks movimentam culturalmente e financeiramente jovens e adultos
por
Melissa Joanini
|
20/06/2025

Por Melissa Joanini

 

As luzes neon saíam das caixas que estavam instaladas em diversos carros, no meio da Rua 7, no Jardim São Luís, próximo ao Capão Redondo, enquanto a rua era tomada por cada vez mais jovens, chama atenção. A música alta e os copos coloridos de bebida são o que movem o Baile da Rua 7. As ruas estavam fechadas pelos próprios moradores que frequentam e trabalham no local, vendendo doses de gin, whisky ou vodka com energético, cerveja e alguns outros drinks.

Lá, há o famoso ‘gin de 10”. Geralmente, as baladas de São Paulo não cobram menos do que 40 reais em uma taça de gin – rótulo Tanqueray, Bombay ou Gordons e um soft entre Red Bull, Monster, ou Tônica, sempre acompanhado de gelo, rodelas de limão e laranja e algumas especiarias (drinks que vão além disso, costumam ser mais caros). O costume com essa padronização dos bares da Vila Madalena até as festas no Itaim Bibi faz com que se estranhe e se interesse por copo de gin custar 10 reais. Fidelis chama o Eternity (marca do destilado) de safadinho e divulga como BBB: bom, bonito e barato. O mesmo bar vendia roshs para fumar durante o baile. Você pedia e em torno de 15 minutos, vinha uma atendente trazer o narguilé que seria usado, posicionava na rua e voltava para dentro para buscar o carvão, pegador e abafador. 

O funk é um dos principais ritmos que movem as baladas de São Paulo, e suas ruas são constantemente imersas pelo gênero, especialmente com os bailes funks. O ‘rolê’ acontece nas principais periferias da capital, e até em outras cidades, sendo o momento de lazer de muitos. Bailes grandes, como da DZ7 e o Bega, por exemplo, são constantemente citados nas letras e ainda vivem na memória de quem os frequentou, pois apenas bailes menores ainda adentram a madrugada.

Não é incomum ver placas e cartazes anunciando preços atrativos de ‘copão’. E todos na rua religiosamente seguravam os seus copões e estavam vestidos à caráter. Homens com calça jeans, tênis grandes e de marca, como Oakley, Mizuno, Nike e Puma, e na parte de cima o padrão: camisetas também de marca e bonés da Lacoste, Adidas ou Nike. As mulheres também têm um estilo muito bem definido: os tênis no estilo 12 molas, calças jeans skinny e croppeds ou vestidos curtos e decotados. A maquiagem seguia um padrão de delineados grandes e perfeitos, “na régua”, cílios bem marcados – seja por extensão, rímel ou postiços – e gloss, muito gloss. E nos cabelos impecáveis penteados.

Os bailes, que fazem boa parte da economia da quebrada girar, são o sustento de trabalhadores e suas famílias, técnicos de som e comerciantes, DJs e MCs. Os comerciantes dos locais que os bailes ocorrem costumam fazer uma vaquinha para contratar o paredão ou carros com paredão (muitas vezes moradores locais) e convidam DJs que estão sempre ali, frequentando e dando uma força, uma moral para o comércio local. Cada um vende o seu e, unidos, transformam a rua.

E quem faz a melodia de um baile ecoar pelas ruas e os passinhos riscarem o asfalto são os DJs, fundamentais na composição de um bom baile de rua. São eles que envolvem e atraem os jovens pelas periferias e não seria diferente na Rua 7. Segundo a DJ Dayeh, “quem toca no baile – e que tem reconhecimento na cena – é quem frequenta. Todo dinheiro que entra ali é dos comerciantes. Produtora nenhuma paga para ter seu DJ tocando. O que vale é conceito, respeito na comunidade. Se (o dj) toca é porque ele tem respeito pela favela e, assim, a favela o respeita”.

Ela complementa ainda que é muito difícil ver o trabalho sendo reconhecido, mas que os bailes de favela são uma grande vitrine para a área. Boa parte dos DJs de funk são reconhecidos por conta dos bailes. Quem toca lá, toca depois nas festas universitárias, nos grandes eventos. DJ K, Blakes e Arana são exemplos de nomes que começaram produzindo para a periferia e hoje ocupam as line ups de espaços como Virada Cultural, Tusca e Bota Fora, sendo as principais atrações. Naquela noite, quem comandava o ritmo era o DJ Matheus, da própria comunidade, quem estava à frente da mesa de som, mas tem outros nomes que são presença no baile como Kennedy O Brabo e DJ Bruninho da DZ7.  O estilo musical de baile da Zona Sul hoje é o ritmado, subgênero experimental e que funde vários estilos de batidas, com uma pegada mais dançante, feliz, que faz juz aos semblantes de quem está ali.

Quanto à organização e disposição, muita coisa mudou após a Tragédia de Paraisópolis, em que nove jovens foram assassinados durante uma operação violenta da Polícia Militar. Hoje eles são menores, maioritariamente frequentados por moradores e todos em comum acordo com os militares, para evitar cenários parecidos.

Outro baile extremamente conhecido pela ZS da capital é o Baile da Rua da Escola que fica extremamente próximo do local em que ocorreu a fatalidade, em uma rua que é cruzamento do antigo Baile da DZ7 e do Bega. Acontece às quartas e quintas. Já era madrugada de quinta-feira, meia noite e meia. As ruas estreitas, com algumas motos passando e alguns becos. O cenário do baile ia se montando.

Tinham cerca de 4 carros na rua, quase que em frente ao bar, com os porta-malas lotados com coolers que vendiam bebidas e drinks . A rua, que até poucos minutos estava vazia, ia enchendo quase que magicamente e, lá para uma e meia da manhã, estava lotada. Lotada de jovens, de motos, de comerciantes. Fidelis comentou ainda que o pessoal que frequentava ia trabalhar depois dali. “Alguns dormem umas duas horinhas, outros vão virados… Eu mesmo vou daqui direto para o trabalho, peço um uber e é isso.” 

A dona de um dos barzinho falou sobre como esse tipo de entretenimento é importante para ela e para tantos outros comerciantes da rua. Lá, trabalham ela, os filhos e os sobrinhos. Toda sua renda vem do baile. Os combos de safadinho (o copão de 10) custam R$50. Uma garrafa de Eternity, uma de energético Baly e quatros gelos de coco. Eram combos e mais combos saíam de trás do balcão e indo até cada rodinha de amigos, que curtiriam bebendo madrugada adentro.

Os carros com as potentes caixas de som são ensurdecedores para aqueles que não estão acostumados. Descobri que era o local mais seguro de todo o baile. Apenas quem tem muitos contatos e conhecidos ou é muito importante na quebrada pode ficar ali, uma estrutura de hierarquia silenciosa, sem grades ou escadas. O seu grau de importância e relevância nos bailes é medido de acordo com a proximidade do som.

Os bailes são um tipo de berço cultural do funk paulista, com uma pegada experimental e revolução sonora. São eles que ditam quais DJs estouram e quais vão se manter relevantes. Talvez seja esse um dos motivos que explicam os estúdios de produção musical dentro das comunidades e tão próximos das ruas que analisam o que é funk ou não. De toda forma, é inegável o quão rica é a cultura do funk e dos bailes, sonoramente e financeiramente falando.

Tags:

Cidades

path
cidades

Cultura e Entretenimento

path
cultura-entretenimento