Avenida Paulista é palco de sonhos e de música independente

Transformar aquilo que ama em trabalho é uma trajetória marcada por desafios da arte independente
por
Dhara Yuki
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21/10/2025

Por Dhara Yuki

 

 

 

Trânsito, pedestres atravessando um pouco depois da faixa para aproveitar o semáforo, universitários matando aula pela variedade de lanchonetes e adultos em bares curtindo o happy hour, a Avenida Paulista é um dos lugares mais movimentados de São Paulo. São pessoas de todos os estilos, gostos, camelôs vendendo bons livros, CDs, quadros de artistas e também a correria dos executivos de terno e maleta, se apressando para a reunião com o cliente do prédio ao lado. No meio dessa correria, ali acontece a gravação de um videoclipe independente, feito com uma câmera, um roteiro e um sonho. Mas esse sonho não começou ali, e sim no início da pandemia da COVID-19. Para algumas pessoas, amar música vai além de ouvir seus artistas preferidos. É sonhar em fazer seus próprios arranjos, compor a letra com a história que gostaria de contar, gravar um videoclipe bem roteirizado e ser reconhecido pela sua arte, mas, apesar de sonhar ser um ato extremamente prazeroso e motivador, na indústria musical esse sonho vem carregado de desafios. A música ainda é vista como uma paixão, um hobby, não é levada a sério e não é encarada como um trabalho.

Ícaro Codda lembra bem como seu envolvimento com a música começou. Foi pela influência do seu irmão mais velho, quando tinha apenas 11 anos. Mas o que mais o entusiasmou foi seu primeiro amor, que amava música e usava muitas camisetas de banda de rock, e, por querer ter interesses em comum com a pessoa amada, isso o fez parar de apenas ouvir música. Esse sentimento trouxe o interesse em saber o que as letras dos seus artistas preferidos significavam e a história por trás delas, e, mais do que isso, começou o interesse em contar a própria história e seus sentimentos em melodias e arranjos.

Colocar o sonho em prática foi muito difícil. Ele lembra que a falta de dinheiro para começar foi o seu maior obstáculo. Apesar de já ter ganhado seu primeiro violão, apenas gravar em casa com o celular não era o que iria transformar sua arte em trabalho. Depois de já ter formado seis bandas, percebeu que isso era um relacionamento difícil, e a busca pela carreira solo começou.

Era 2020, começo da pandemia da COVID-19. Já morava sozinho e se sustentava com o trabalho de audiovisual. Sua casa sempre cheirando a café e a cigarro, como alguns bons músicos dão a impressão de que vivem. Sua decoração alienígena, mística, um toque de rock e de Alice no País das Maravilhas, muito xadrez preto e rosa neon, um teclado, violão, câmera, microfone e, claro, seu companheiro de vida: um gato branco chamado Osíris.

Algumas letras já existiam, as melodias no violão e no teclado também, mas era necessário um estúdio para sair do acústico e virar música profissional. Depois de alguns contatos, finalmente um amigo o apresentou a um produtor que estava começando. Era um estúdio em um morro, com lama e histórias desconhecidas, mas alguma parte dela foi guardada na memória e em trabalhos de um álbum musical. Para pagar essa conta e mais outras que a música carrega, uma ideia surgiu: videochamadas no Zoom de leituras de tarô. Esse trabalho à parte veio abraçado de amigos e familiares, que divulgaram e compraram o incentivo. Além do mais, era pandemia, estavam todos trancados em suas casas na medida do possível. Era um momento estressante e tedioso, e a ideia de alguém ler tarô para diferenciar a rotina também foi interessante para o outro lado — um apoio mútuo em meio ao caos do século.

No meio de todo o trabalho de produção do álbum, veio uma música à parte: um videoclipe escrito e dirigido pelo próprio artista. O entretenimento dos artistas preencheu os dias pandêmicos — eram músicas, álbuns, videoclipes e lives no YouTube e Instagram. A televisão, o computador e o celular nunca foram tão usados para suprir a mente e trazer som ao ambiente familiar, e, no meio da monotonia, um som nascendo, uma demo da primeira versão sendo enviada pelo WhatsApp e um clipe sendo gravado. Para muitos, a dificuldade de se adaptar à nova rotina; para outros, a oportunidade de ter tempo e foco para criar arte.

A falta de incentivo cultural e de dinheiro foram o que mais dificultaram o começo da carreira musical. A produção é extensa, cabendo à pessoa assumir todas as etapas. E, quando se precisa trabalhar para custear essas fases, tudo se torna mais difícil e cansativo, como a falta de tempo e apoio. Mas, para aqueles que não desistem e alcançam todas as etapas, o sonho começa a virar realidade, e, meses depois, com mais trabalhos remunerados que não tinham nada a ver com música, Ícaro pagou a pós-masterização que consertava a frequência sonora da música, finalizou o álbum e escolheu uma distribuidora para colocá-las no mundo.

Depois de compor, gravar em estúdio e masterizar todas as músicas de forma independente e com o próprio dinheiro, contando apenas com o apoio e trabalho dos amigos, a distribuidora vem com um contrato em que 80% dos direitos de distribuição das músicas agora pertencem à empresa. Porém, ele entende a segurança que isso trouxe ao árduo trabalho, porque os streamings aceitam com mais facilidade músicas gerenciadas por distribuidoras. Além disso, caso sua música seja processada por qualquer motivo, a empresa tem o necessário para agir nesses casos.

Álbum finalizado, mas o processo não para: o sonho não é apenas o lançamento, mas o reconhecimento pela obra. Uma faixa do álbum foi escolhida para também ganhar videoclipe. Diferente do outro, gravado em Embu-Guaçu, no interior de São Paulo, agora o roteiro é no centro da cidade. Movimentação dos carros, das pessoas, o crepúsculo acontecendo, dividindo o céu em cinza e laranja, trazendo o escuro da noite. A ciclofaixa no meio da avenida, impossível de não ser reconhecida, foi o palco da gravação, e a luz dos semáforos e dos prédios comerciais trouxe a iluminação necessária para aquela noite marcada por sonhos virando realidade.

A música é capaz de trazer vários sentimentos, como alegria, tristeza e conforto. É interessante quando um artista fala sobre a história da letra, sobre o momento que se transformou em escrita com rimas, mas ainda existe a história do processo de produção. Raramente é contado como foi escrever, gravar, o que precisou mudar, tirar e acrescentar. Algumas músicas são lançadas com uma letra bem diferente do que inicialmente eram; as versões demo provam isso. Mais do que a história sobre um momento da vida de quem escreveu, a música também carrega a história do seu nascimento, sua busca por um estúdio, seu instrumento precisando ser afinado e o computador para a edição.

 

 

 

 

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