Por Cecília Mayrink O'Kuinghttons (texto) e Vitória Nunes (audiovisual)
Já não é novidade para ninguém que o aquecimento global faz agora parte da realidade de uma forma tão perceptível. Antes, pesquisadores, estudiosos e ativistas alertavam sobre o assunto argumentando que o aquecimento global estava cada vez mais perto e que era necessário tomar medidas para freá-lo. Hoje, é possível ver nas notícias, ou até mesmo na própria pele, o quanto esse apelo era urgente e sentir o real impacto disso na vida cotidiana em diferentes partes do mundo.
As temperaturas chegaram a 44,8°C na região de Alentejo, em Portugal, em agosto deste ano. O calor tem atingido marcas tão exuberantes que essa onda quente foi batizada de “Carontes”, fazendo referência ao barqueiro de Hades - na mitologia grega - que carrega as almas dos mortos ao inferno.
Nos Estados Unidos o recorde foi de 47°C na cidade de Phoenix, em julho. E não é possível deixar de mencionar também o Vale da Morte, na Califórnia, cuja temperatura chegou a 56°C. Parques da região chegaram até a atrair mais turistas que queriam tirar fotos com os termômetros locais.
A Ásia também tem sofrido com as consequências do aquecimento global dos últimos meses. No sul do Paquistão as temperaturas estavam na casa dos 40°C em junho, colocando em sérios riscos de saúde de cerca de 1,8 milhão de pessoas. A Austrália chamou também a atenção diante dessa situação, uma vez que na época de inverno as temperaturas médias de julho e agosto foram de 16°C.
O professor do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP e pesquisador do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), Micael Amore Cecchini, explica que o aquecimento global não é um evento novo na história da humanidade. O seu agravamento era de esperar já na época na Revolução Industrial, que incentivou a produção de gás carbônico a partir da queima de combustíveis fósseis. Esse gás aquece a superfície ao entrar em contato com a Terra, que por sua vez, re-emite essa energia de volta para o espaço. O que faz a incidência deste gás ser tão alta no planeta, entretanto, é o fato de que parte da energia que a Terra deveria devolver para o espaço é, na verdade, absorvida por ela, criando assim, o efeito estufa.
O aquecimento global também tem sido pauta de debates nos últimos meses pela ocorrência do fenômeno “El Niño”, que se caracteriza pelo aumento anormal das temperaturas dos oceanos. Este ano o seu impacto foi sentido, no caso do Brasil, com o baixo índice pluviométrico na região norte e um excesso de chuvas no sul.
O cenário acima nos mostra que o aquecimento global está se manifestando de forma mais drástica em todo o mundo, e as consequências não se limitam a somente “sentir mais calor”. A saúde das pessoas está em risco. Crianças e idosos, por conta de suas condições físicas, têm menor resistência às temperaturas extremas, tornando-as mais vulneráveis a essa realidade.
Hospitais na Itália, por exemplo, alertaram para o aumento de internações causadas por desidratação, exaustão, insolação e confusão. A estudante de administração do Insper, Luísa Alves, de 20 anos, está morando em Paris para um intercâmbio de três meses, mas desde a metade de agosto, está viajando pela Espanha e comenta que observou nas ruas das cidades que visitou estão espalhados alertas para que a população evite sair nos horários de pico do sol e não se esqueça de tomar água. Um amigo dela que está morando na Itália contou também que o governo tem enviado mensagens SMS para o celular das pessoas com este tipo de aviso.
As cidades no continente viraram um caldeirão fervente. Luísa comenta que, dos lugares que visitou até o momento, Sevilha foi de longe onde mais sentiu calor e foi também onde percebeu o ar mais seco, o que influenciou na sensação térmica dos dias em que esteve lá. Ela conta que para passear, por exemplo, precisava ficar fazendo pausas para sentar, descansar e tomar água. Em certos momentos, inclusive, ela chegou a sentir dores de cabeça e um pouco de tontura.
Luísa acrescenta ainda que, ao conversar com a população local, ficou sabendo que eles mesmos estranham as temperaturas na cidade para o mês de setembro, já que em teoria, o verão já deveria estar acabando e o clima, consequentemente, mais ameno. Os moradores também comentaram que as estações do ano tem se mostrado mais “mistas”, já que as temperaturas (de frio ou calor) não estão correspondendo de forma clara à estação do ano.
As estações “bagunçadas” é mais um dos muitos impactos que se podem perceber do aquecimento global no dia a dia. Cecchini acrescenta que, por mais contraditório que pareça, a tendência para as próximas décadas é sentir também um frio mais extremo durante o inverno ou fora de época. A razão disso é que, quanto mais energia um sistema natural recebe, mais caótico ele fica. Será cada vez mais comum observar extremos, com mais ondas de calor, de frio e períodos mais prolongados de seca.
O professor diz ainda que São Paulo é um interessante exemplo para sentir esse cenário, pois o inverno registrou mínimas de temperaturas mais altas do que o normal. Além disso, é fundamental se atentar às queimadas nesta época do ano, que é a mais seca. O inverno fora do normal e a baixa umidade estão secando a vegetação e tornando-a mais vulnerável aos incêndios florestais. O impacto das queimadas é sentido também pelos animais silvestres, uma vez que estão mais expostos ao fogo. Sobre este assunto, vale a pena parar uns minutos para ouvir o podcast “Dando Voz à Vida Animal” da estudante de jornalismo, Vitória Nunes.
As queimadas são fenômenos importantes que demandam a atenção das autoridades e da própria população para evitar a sua incidência. O baixo índice pluviométrico no estado de São Paulo está mais prolongado do que o normal, uma consequência direta do aquecimento global e do fenômeno “El Niño”, como aponta Cecchini. Mas a causa deles não é somente o contexto climático. O próprio governo aponta que outro fator que faz aumentar o número de focos de fogo no estado são provenientes de causas humanas. Soltar balões, usar o fogo para fins agropecuários sem responsabilidade, queimar lixo, jogar bitucas mal apagadas e vandalismo são alguns exemplos que, dependendo da situação, podem se enquadrar até mesmo como crime ambiental e render uma multa à pessoa que o praticou.
Os incêndios florestais aumentam em diversas partes do mundo. O Monte Parnitha, na Grécia, foi alvo desse evento, que deixou 20 mortos. Outra tragédia ocorrida no último mês que obteve alta repercussão devido à sua dimensão foi o incêndio em Maui, no Havaí (EUA), tirando a vida de 115 pessoas.
As autoridades brasileiras alertaram para a possibilidade de que isso ocorra em algumas regiões do País devido ao calor e estiagem. O risco não se restringe apenas aos danos causados pela chama física do fogo, é necessário se atentar também à poluição que se acumula no ar, que é tóxica quando inalada em excesso. As toxinas penetram nos pulmões e são capazes de chegar até a corrente sanguínea, podendo levar à morte.
Para ajudar a monitorar de forma mais efetiva os focos de incêndio, o Governo de São Paulo tem feito um apelo à população para que se avise imediatamente às autoridades onde e se está acontecendo um incêndio. Para isso, é possível ver espalhados nas cidades, como em pontos de ônibus, relógios de rua e em campanhas na Internet, a divulgação desses alertas. Para denunciar, é possível ligar diretamente para a Polícia Militar Ambiental ou para o Corpo de Bombeiros pelos números 190 e 193.
A emergência para que se dê a devida atenção ao tempo seco no Estado deve ser uma tarefa conjunta das autoridades e da população. A Defesa Civil chegou a declarar o status de nível máximo de alerta de fogo para o oeste e noroeste paulista decorrente da onda de calor que atingiu a região no fim de agosto.
Apesar da tentativa de conscientizar a população sobre os cuidados que são necessários ter para cuidar do meio ambiente e evitar as queimadas, a raíz do problema é ainda maior do que parece. O aquecimento global é uma realidade hoje extremamente palpável, o que nos mostra que o trabalho para diminuir o seu impacto não pode ser individual. O professor diz que é fundamental que os governos procurem formas de produzir menos gás carbônico e que assim, encontrem matrizes de energia alternativas que poluem menos o ar.
É importante destacar, sem embargo, que os recursos disponíveis para combater o aquecimento global dependem diretamente das condições econômicas de cada país. Aqueles que são desenvolvidos, têm mais dinheiro, indústrias e tecnologia e, consequentemente, um leque maior de alternativas sustentáveis que podem explorar. Cecchini acrescenta que a distribuição geográfica dos territórios também influencia nesse cenário.
O Brasil encontra-se em uma posição favorável para produzir energia renovável através de usinas hidrelétricas, por exemplo. Além disso, outros fatores que ajudariam a combater o aquecimento global seria diminuir a circulação de automóveis, evitar a poluição dos oceanos (de modo a preservar as algas, que possuem um papel fundamental na produção de oxigênio) e aquilo que o professor chama de “sumidouro de gás carbônico”, que consiste em recursos naturais que ajudam a absorver e capturar esse gás retardando assim sentir na pele os impactos de um aquecimento global fora do controle.