Por Marina Jonas
O professor está de frente para os alunos apresentando slides e explicando o conteúdo em cada uma das caixinhas de texto. Na primeira fileira da sala, duas a três pessoas estão prestando atenção. Nas fileiras de trás, alunos estão conversando, mexendo no celular ou dormindo. Esse é o cenário que Mirella Alves (16) descreve ao estudar no segundo ano do ensino médio de uma escola estadual de São Paulo. Desde o conteúdo passado pelo professor até a prova feita em aula, toda a educação foi digitalizada. No entanto, Mirella conta que sua escola não possui recursos tecnológicos o suficiente para fornecer a todos os seus alunos. Faltam tablets e notebooks para realizarem as atividades na plataforma CMSP (Centro de Mídias de São Paulo), pela qual é possível acessar todas as tarefas passadas para fazerem em sala de aula ou mesmo em casa, e os conteúdos passados pelos professores.
Para darem suas aulas, os professores recebem os conteúdos prontos em slides, diretamente enviados pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc). Os profissionais da educação, então, são instruídos a passarem matérias pré-estabelecidas aos alunos e são requisitados para o fazerem de forma específica, passando o material online repassado. Não há espaço para sair do planejado, há um projeto a ser seguido. A tecnologia é a protagonista desse projeto de educação e, por mais benéfica que ela possa ser por sua infinidade de informações disponíveis ao livre acesso, ela também cria uma barreira entre os alunos com eles mesmos, com os colegas e com a própria educação.
Mirella indaga: como prestar a atenção em uma aula sobre a qual ela e os outros estudantes não estão interessados quando se pode mexer no celular e usar o mundo on-line como distração. É de fato muito mais divertido e empolgante, em primeiro momento, olhar o Instagram ao invés de assistir uma aula chata de física, por exemplo, ou de qualquer outra matéria que não se tenha gosto por. Porém, é de fato apenas em um primeiro momento que essa decisão parece ser melhor. Ao trocar a explicação do professor pela telinha em mãos, Mirella conta que diversos de seus colegas começaram a tirar nota baixa e a render menos na escola, tanto em questão de aprendizagem quanto em questão de socialização; ambas as questões vêm sendo altamente prejudicadas de formas muito visíveis.
O que acontece em relação à tecnologia e à aprendizagem, segundo a adolescente, é que, justamente pela troca dos estudos pelo entretenimento tecnológico durante o tempo de aula, diversos jovens de sua turma, que ainda tem uma jornada de trabalho para realizar após o tempo que passam no colégio, as atividades da escola, que poderiam ter sido adiantadas em sala de aula, acabam ficando de escanteio e o pessoal vai, aos poucos, perdendo a oportunidade de ter uma formação, de fato.
A maior parte de sua sala não sabe escrever uma redação, um exemplo de como agora quase tudo é digitalizado, desde a prova de matemática até o exercício da disciplina de língua portuguesa. Ou seja, desenvolver um raciocínio de fato dentro desse cenário, imerso em recursos tecnológicos, somado à falta de incentivo para com a habilidade de escrever à mão, torna-se uma tarefa muito difícil para os estudantes. Além disso, a jovem também relata que a cobrança para entregar as tarefas online na sala de aula é enorme, pois tudo que é produzido pelos alunos será enviado ao sistema da Seduc para gerar pontos à instituição de ensino no ranking de escolas do governo. E, essa pressão para enviar o que aprendem ou o que testam - afinal, existe um tempo limitado para responder aos questionários e lições - têm um impacto muito ruim sobre a aprendizagem. Preferiria muito mais o jeito presencial de ensinar, aquele no papel e caneta, conta.
Na era digital, a dependência deixa de ser nas pessoas e passa a ser nos dispositivos eletrônicos, fazendo com que a socialização torna-se cada vez mais difícil. Mirella relata que, agora, fazer amigos ou apenas conversar com colegas no corredor tornou-se um hábito muito mais raro do que era antes, principalmente para as crianças tímidas. Seus colegas que já tinham dificuldades para socializar, agora aproveitam a oportunidade de ficarem enfurnados nas telas, levando-os a se excluírem ainda mais e perderem a oportunidade de trocarem e fazerem amigos.
Se alienar do que está à volta por meio do universo online virou uma válvula de escape para os problemas da realidade; a estudante conta que é muito comum que quando seus amigos estão em um dia ruim, ao invés de conversarem com alguém, escolhem passar o tempo olhando uma tela, com a esperança de esquecerem do que se passa ou até mesmo de melhorar o seu dia. As pessoas estão esquecendo de olhar para fora e a falta de contato com o mundo real faz com que vários de seus amigos venham apresentando casos de ansiedade e depressão, entre outras questões psicológicas ligadas à falta de convívio e relacionamento com o próximo.