Por Flavia Cury (texto) e Sara Gouvêa (audiovisual)
O universitário Patrick Fuentes usa o celular e o computador principalmente para seu estágio, mas, durante seu tempo livre, opta pela diversão digital, pois acha mais fácil de processar do que outras formas de mídia, como livros ou filmes. No entanto, muitas vezes, ele se sente ansioso ao utilizar as redes sociais, pois se compara com os outros. Quase sempre se questiona sobre o que poderia estar fazendo argumentando que amigos estão vivendo outra realidade enquanto fica deitado em sua cama. Ele também se sente um pouco obrigado a usar, já que está todo mundo usando. Em casa, no trabalho, na rua, no ônibus, no metrô, no carro, no bar, na praça, em shows, palestras, no cinema, nas aulas, salas de espera, reuniões de família, jantares, passeios com o cachorro, reencontro com amigos, até mesmo no banheiro! Em todos esses momentos, é possível avistar um pequeno ponto de luz que se tornou um fiel companheiro nos anos modernos: a tela de um celular ou computador.
Um levantamento realizado pela Electronics Hub revelou que o Brasil ocupa a segunda posição no ranking dos países com maior tempo de tela, ficando atrás apenas da África do Sul. Os brasileiros passam mais da metade do tempo em que estão acordados (56,6%) diante desses dispositivos eletrônicos. Nesse tempo, a atividade predileta é navegar nas redes sociais e assistir a séries e filmes, embora uma parcela significativa também os utilize para fins profissionais. Mas isso tem um custo.
De acordo com a psicóloga clínica Fabíola Luciano, essa preferência pelo entretenimento digital ocorre, neste caso, devido ao difícil acesso à cultura no Brasil. As telas preenchem esse espaço de maneira passiva e democrática, exigindo menos esforço e investimento financeiro do que ler um livro ou ir ao cinema, por exemplo. Entretanto elas podem ter um sentido contrário. Os efeitos negativos para a saúde mental causados por essa exposição excessiva são preocupantes, como aponta Luciano. As pessoas estão se tornando superestimuladas, com dificuldades de concentração e atenção, impossibilitando de manterem uma conversa. Com tantos estímulos em pouco tempo, o vício na Internet é cada vez mais evidente. As constantes mudanças de assunto a cada 15 segundos, alimentadas pelos algoritmos que direcionam conteúdos de interesse, fazem com que o prazer nas telas seja imediato. Portanto, outras partes da vida acabam se tornando monótonas e sem graça.
A advogada Maria Clara do Nascimento compartilha dessa prática constante. Embora use predominantemente esses dispositivos para o trabalho, ela acaba gastando seu tempo livre nas redes sociais e aplicativos de mensagens para se comunicar com amigos e familiares. No entanto, ela reconhece que essas atividades a deixam melancólica, pois percebe que está perdendo a oportunidade de interagir mais com as pessoas na vida real devido à sua carga de trabalho excessiva. Extremamente dependente do tempo em frente das telas, ela admite que o uso ostensivo a atrapalha e lamenta afirmando que é, no mínimo, triste.
Outro sentimento que vem à tona é a sensação de estar desperdiçando tempo ou de que poderia estar fazendo algo mais produtivo. Nascimento menciona que se distrai frequentemente com aplicativos de vídeos curtos, como TikTok e Reels do Instagram, chegando a perder a noção do tempo enquanto utiliza. Ela não está sozinha nessa experiência. O universitário Guilherme Caldas já chegou a se atrasar até para o estágio devido ao tempo gasto em aplicativos similares. A facilidade de passar rapidamente de um vídeo para outro contribui para essa distração.
Caldas também reparou que até mesmo a leitura de um livro se tornou difícil para ele devido à dependência das telas. O excesso de estímulos das redes sociais torna a leitura mais desafiadora e demanda muita concentração. Ele associa essa falta de atenção exclusivamente ao uso de dispositivos eletrônicos.
Teletrabalho
Nem todo uso de tela está relacionado ao tempo de lazer, especialmente após a pandemia de Covid-19, que trouxe consigo uma nova modalidade de trabalho: o home office. Em escritórios convencionais é possível reservar um tempo para si mesmo. Fazer pausas para tomar um café, e geralmente ainda se aproveita um pouco de sol na caminhada até a empresa. Além disso, e o mais importante, interagir com os colegas de trabalho.
É justamente esse último aspecto que é negligenciado no teletrabalho, uma vez que todas as interações sociais ocorrem por meio de chats ou ligações. Esse fator tem um impacto significativo no bem-estar emocional. Quando se tem a noção de que esses vínculos sociais estão se perdendo, um caminho para a depressão é aberto.
A servidora pública Mariana de Luna optou por abandonar o trabalho remoto justamente pela saudade de interações sociais. Em sua área foi adotado um modelo híbrido, com a obrigatoriedade de ir ao escritório pelo menos duas vezes por semana. Ela escolhe trabalhar presencialmente todos os dias. Os motivos dessa preferência são muitos, incluindo a proximidade de sua residência ao local de trabalho, mas o principal deles é a falta que sentia do contato social quando precisava trabalhar home-office. Até mesmo em questões corporativas, ela achava muito mais eficaz a comunicação presencial do que por meio de mensagens. Ela afirma que uma coisa é elaborar um texto, escrever e enviar. Outra completamente diferente é poder se encontrar pessoalmente, conversar e ter uma troca olho no olho.
A psicóloga também ressalta que, se deixarmos de socializar regularmente, corremos o risco de perder nossas habilidades sociais. Sem elas, mesmo que precisemos desses ambientes sociais para nossa vida, nos sentimos ansiosos quando estamos neles. Ela compara a situação a tentar dirigir um veículo que ficou parado na garagem; ele precisa de uma nova bateria. No entanto, aprender a socializar novamente é muito mais desafiador, pois requer prática e paciência.
Outro fator que afeta a saúde mental, segundo ela, é a confusão entre os espaços de trabalho e do lar, que acabam se entrelaçando e perdendo seus limites demarcados. De Luna compartilha que também enfrentou dificuldades para encerrar o expediente e separar seu tempo entre trabalho e afazeres domésticos, o que afetou significativamente sua qualidade de vida.
Como exemplo, ela conta que nunca lavava louça enquanto estava trabalhando. Mas, como sua demanda de trabalho era extremamente alta no teletrabalho - exatamente pela dificuldade de seus colegas distinguirem quando era seu tempo livre -, ela trabalhava até tarde da noite e não conseguia lavá-las. O ciclo se repetia todos os dias, ou seja, a louça estava sempre acumulada.
Além da mente
A saúde mental não é a única que pode ser afetada pelo tempo de tela. Aspectos mais físicos do nosso corpo podem pagar o preço também.
O uso prolongado dos celulares e computadores no dia a dia faz com que se fique muito tempo na mesma posição, repetindo os mesmos movimentos várias e várias vezes. Esse comportamento, sobretudo nos pulsos e nas mãos, causam uma sobrecarga nos tendões dessas partes do corpo, que leva a uma das doenças mais características do século 21: a tendinite. O ortopedista Fábio Urquiza explica que ela é a culpada por causar desde dores até a limitação do movimento ou ruptura dos tendões. Além das compressas de gelos e anti-inflamatórios, o ideal é a redução do período em telas. Por vezes, se nada melhorar as dores, é necessário tratamento fisioterápico ou cirurgias.
O médico oftalmologista Paulo Schor esclarece que as telas em si não são diretamente responsáveis por causar problemas de visão. O que realmente acontece é que, quando se passa mais tempo olhando para a tela do que para uma página de papel, por exemplo, a tendência é piscar menos. Esse comportamento, combinado com o fato de que as telas geralmente estão posicionadas mais acima e mais próximas do nosso rosto em comparação com outros objetos, como um livro, pode levar à secura dos olhos.
Isso ocorre porque, quando nossos olhos estão abertos por mais tempo, as lágrimas naturais deles têm mais tempo para evaporar. E como não se pisca com frequência necessária para as repor, acaba acarretando em outros problemas, como olhos vermelhos, ardendo, ou até lacrimejando mais. Portanto, além de prestar atenção no posicionamento das telas, é fundamental fazer pausas regulares para lembrar-se de piscar.
Além disso, o uso de um umidificador de ambiente pode ser de grande ajuda para manter a umidade adequada ao redor dos olhos, o que pode aliviar a sensação de olhos secos, contribuindo para uma experiência mais confortável durante a exposição prolongada às telas.
No final das contas, a recomendação principal dos profissionais da saúde é que o celular e o computador, os fiéis companheiros do homem moderno, sejam deixados um pouco de lado em razão dos principais riscos que as telas podem oferecer. Mesmo que a dependência homem e máquina já tenha sido estabelecida, vale lembrar de viver a vida real para favorecer o bem estar do corpo e da mente.