Terreiro ou paróquia? A questão LGBTQ+ no espaço religioso

 O acolhimento de pessoas LGBT+ em religiões de matriz africana em contrapartida com o preconceito instaurado dentro de religiões mais “tradicionais”, como o catolicismo
por
Sofia Paiva
|
06/11/2021
Imagem: Anderson Donato (@donato.fotografo)
Imagem: Anderson Donato (@donato.fotografo)

Ultimamente, talvez pela severa queda de fiéis que a Igreja Católica enfrenta já faz alguns anos, várias instituições religiosas tradicionais estão adotando uma postura mais tolerante a respeito de de pessoas que fazem parte da comunidade LGBT+. O próprio líder mundial da Igreja Católica Apostólica Romana, o Papa Francisco, já fez vários discursos que demonstram uma abordagem mais mansa a respeito dessa questão, principalmente em comparação aos papas que o antecederam

Mas muita dessa "aceitação" é na verdade uma tentativa mal feita de parecer que a Igreja está se "modernizando" e se adaptando às demandas do público por mais acolhimento à diversidade, superando crenças e práticas preconceituosas que não fazem mais sentido em uma sociedade que preza por direitos humanos e igualdade. É um eterno "ficar em cima do muro", oferecendo o mínimo para não parecer intolerante, mas não demais para não desagradar a parte mais conservadora. "Hoje, o que ele faz, ao mesmo tempo que ele apoia e se distancia, è para também não perder o apoio político", diz Fernanda, que é mãe de santo e mulher trans. "A história da Igreja Católica, se você for analisar, ela foi meramente política. Tanto é que os primeiros papas da Igreja eram pessoas da sociedade que tinham uma vida financeira elevada e conduziam os filhos a serem papas para manter o poder, o poder de persuasão, o poder de perseguição, o poder pelas terras", completa ela.

"A bíblia hoje é um livro não de orientação, mas de persuasão. A lei deles, não a que cristo pregou".

O penúltimo Papa já entrava nessa questão da não discriminação contra homossexuais, que foi acentuada pelo Papa Francisco ao dizer que essas pessoas também são "filhos de Deus" e que merecem respeito como qualquer outra pessoa. Isso, além de ser o mínimo, deixa a entender que as pessoas LGBT+ não são "como qualquer outra pessoa", ademais ao fato que a Igreja firmemente acredita que a união entre casais homoafetivos jamais deve ser equiparada ao casamento. "Casamento só existe entre homem e mulher", afirmou o atual papa em uma entrevista em 2017. Sobre essas "idas e vindas" do Papa, Fernanda disse que "Ele é um fofo, uma gracinha de pessoa, mas ainda não entrou um papa que pudesse dizer 'é assim que eu quero e é assim que vai acontecer', porque a política nunca vai deixar, nem a política interna, nem a política externa".

Além disso, no início deste ano, em resposta as dúvidas de algumas paróquias sobre a questão de abençoar uniões entre pessoas homossexuais, com o aval do Papa o Vaticano anunciou que homossexuais devem ser tratados com dignidade e respeito, novamente o mínimo, mas que relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo é "intrinsecamente desordenado" e que "Deus não abençoa o pecado: ele abençoa o homem pecador, para que ele reconheça que faz parte de seu plano de amor e se permita ser mudado por ele". Essa declaração tem várias problemáticas óbvias, o preconceito e a homofobia são claros, mas a ideia de que o homossexual é um pecador que pode ser "convertido" é extremamente preocupante, principalmente tendo em vista os ainda inúmeros casos de pessoas LGBT+ que foram forçadas a passarem por "conversões", ou "cura gay" como é popularmente conhecida, e possuem diversos traumas e problemas psicológicos devido a isso.

Em contrapartida, a Umbanda é uma das poucas religiões que não discriminam o casamento homoafetivo. Em janeiro deste ano, dois homens se casaram em uma cerimônia umbandista em Cuiabá. A união ganhou destaque por ser um dos primeiros registros públicos no religioso da cidade, mas as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, já realizavam uniões entre pessoas do mesmo sexo muito antes.

"Para os orixás não existe sexo, somos todos iguais".

Ialorixá Laudelina em entrevista para Sofia Paiva
Ialorixá Laudelina em entrevista para Sofia Paiva

 

Ambas doutrinas permitem que pessoas LGBTQ+ ocupem cargos na hierarquia sem que sua identidade ou orientação seja algo prejudicial em sua posição. Em entrevista, a Ialorixá Laudelina do Centro Espírita de Filantropia Espiritual e Material de Uberlândia, Minas Gerais, afirma que as religiões de origem africana são as que mais acolhem as minorias. "Paras os Orixás não existe sexo, somos todos iguais" disse ela.

Não é possível afirmar que não há nenhum tipo de preconceito dentro dessas religiões, pois preconceito existe em todo lugar. Apesar da doutrina e do terreiro ser um lugar de acolhimento, isso não impede as pessoas de reproduzir nesses espaços a intolerâncias que a sociedade carrega. Por isso que, mesmo incluídos em sua religião e hierarquia, as pessoas LGBTQ+ precisam lutar um pouco mais que pessoas cisgêneros e heteronormativas para assegurar suas posições e serem reconhecidas.

Porém, é logicamente muito mais fácil existir como LGBTQ+ dentro de uma religião de matriz africana do que na Igreja Católica, por exemplo. "A Umbanda, o nosso Omolocô, as nações africanas, o Queto, a Angola, e outras, recebem com muito carinho a maioria dentro do culto", disse Laudelina. Fernanda, amiga da Ialorixá Laudelina e mãe de santo no mesmo Centro, afirmou algo semelhante: "É uma religião de portas abertas, tanto a Umbanda quanto as nações, todas elas nos recebem com carinho".

Fernanda também concorda que é mais fácil existir como pessoa LGBTQ+ dentro de religiões de matriz africana: "As religiões dita como tradicionais pregam mais o ódio, o preconceito e a intolerância do que o amor ao próximo, e nós pregamos o amor ao próximo, e o mais importante. Amar o próximo, estender a mão, fazer o bem sem olhar a quem, sem nada em troca, e as religiões tradicionais acabaram com isso. A bíblia hoje é um livro não de orientação, mas de persuasão, eles usam a bíblia para persuadir os outros. A lei deles, não a que cristo pregou, porque cristo foi um ser humano de amor, de caridade, e não vejo isso em outras religiões", diz ela.

Ela foi introduzida ainda nova à religião, para tratar uma frieira no pé, e nunca mais saiu. Agora já esta a quase 30 anos dentro da Umbanda. "Graças aos meus orixás, minha mãe Oxum, eu sou bem acolhida. Todos me respeitam, todos, acredito, me amam, porque é a demonstração que eu tenho no dia a dia. Para mim isso é importante, não que me faça falta, não faz, mas assim, preenche um vazio, uma lacuna que a vida aos poucos vai deixando, pelas coisas que você passa ao longo da vida, as perdas. Os amigos que nos construímos dentro da religião ajudam a te fazer seguir. Ás vezes eu nem lembro também da sexualidade dentro da religião, porque é tudo tão natural", diz Fernanda.

 

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