Walter Firmo exalta negritude em exposição no IMS Paulista

A mostra, prorrogada até 9 de outubro, reúne fotografias que datam desde a década de cinquenta até a atualidade
por
Esther Ursulino e Gabrielly Mendes
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01/10/2022

 

Por Esther Ursulino e Gabrielly Mendes 

Com potencial de sintetizar a sociedade brasileira, fotografias que exaltam a cultura negra estão em exibição no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo. Composta por 260 exemplares do trabalho do fotojornalista carioca Walter Firmo, a exposição Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito tem entrada gratuita e fica em cartaz até 09 de outubro deste ano. 

Ocupando 2 andares do edifício localizado na Avenida Paulista, a mostra tem a curadoria de Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do IMS. Janaina Damaceno Gomes, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora do Grupo de Pesquisas Afrovisualidades: Estéticas e Políticas da Imagem Negra, é a curadora adjunta. O IMS abriga, em regime de comodato, aproximadamente 155 mil fotos feitas por Firmo ao longo de várias décadas. A exposição apresenta trabalhos feitos na década de 50, início da carreira do fotojornalista, até as tiradas no ano passado. 

Walter Firmo ingressou no fotojornalismo em 1955, como aprendiz no jornal Última Hora. Com publicações em veículos como Realidade, Manchete, Veja e IstoÉ, o profissional foi premiado sete vezes no Concurso Internacional de Fotografia Nikon, conquistando ainda o Golfinho de Ouro, concedido pelo governo do Estado do Rio de Janeiro em 1985. Considerada um marco em sua carreira, a reportagem Cem dias na Amazônia de Ninguém  ganhou o Esso de Reportagem, em 1963. Fotografias e relatos da matéria também podem ser vistos na mostra. 

Conhecido como ''mestre da cor'', Firmo se utiliza de tons fortes e marcantes para fotografar diversos ícones do país. O artista já eternizou músicos como Gilberto Gil, Cartola e Clementina de Jesus. Fotografou também figuras emblemáticas como Madame Satã e Bispo do Rosário. Foco na maioria de seus trabalhos, a população negra é retratada na natureza, em ambientes do cotidiano, e também em festas populares e religiosas. O olhar do fotojornalista carioca se caracteriza por exaltar os indivíduos negros e sua cultura, se contrapondo à visão colonialista que insiste em marginalizar seus corpos, vivências e contribuições. 

Vendedor de sonhos na Praia da Piatã, Salvador, BA, déc. 1980. (Walter Firmo/Acervo IMS)
Vendedor de sonhos na Praia da Piatã, Salvador, BA, déc. 1980. (Walter Firmo/Acervo IMS)

A fotografia acima, intitulada Vendedor de sonhos na Praia de Piatã (déc.1980), é exemplo disso. Nela, Firmo transforma realidade em fantasia ao retratar um jovem vendedor de algodão doce. Diversos elementos da imagem contribuem para a criação de uma atmosfera onírica. Dentre eles, o céu azul repleto de nuvens, que se confundem com a própria mercadoria vendida pelo garoto – tal qual sonhos ensacados. É interessante observar como o fotojornalista posiciona sua câmera um pouco abaixo do sujeito retratado, de modo a engrandecê-lo. 

 

Praia da Macumba, Rio de Janeiro, RJ, 1994. Acervo IMS/Coleção Walter Firmo
Praia da Macumba, Rio de Janeiro, RJ, 1994. Acervo IMS/Coleção Walter Firmo

Esse posicionamento, corporal e político, pode ser notado mais uma vez em Praia da Macumba (1994). Na imagem, Walter enaltece a figura de duas mulheres negras utilizando trajes brancos, típicos de religiões afro-brasileiras. De costas para a câmera elas fitam o horizonte, proporcionando um aspecto surrealista à fotografia. Ao captar a beleza e a dimensão transcendental da cena, Firmo afasta de suas lentes os estigmas impostos às religiões de matriz africana, valorizando as raízes da negritude.

Gilberto Gil no Canecão, Rio de Janeiro, RJ, 1976. Acervo IMS/Coleção Walter Firmo
Gilberto Gil no Canecão, Rio de Janeiro, RJ, 1976. Acervo IMS/Coleção Walter Firmo

Gilberto Gil, artista que também resgata o legado da cultura negra em suas obras, foi retratado por Walter Firmo durante uma apresentação no Canecão, em 1976. Através desta imagem, o “mestre da cor” faz jus ao título que recebeu. Atento aos detalhes, parece ter notado que na roupa do tropicalista havia estampas que se relacionavam com o vermelho pungente da parede ao fundo. A luz é outro elemento bem aproveitado pelo fotógrafo carioca, que faz seu clique no momento em que um spotlight contorna a silhueta de Gil, que está em primeiro plano. 

Enfim, os atos de escolher quem será fotografado, de posicionar a câmera acima ou abaixo do retratado e até mesmo de colocar um sujeito à frente ou ao fundo da foto, por si só, demonstram que a imagem não é neutra. Quem fotografa assume um lado. Nesse sentido, ao colocar em primeiro plano os negros e sua cultura, Walter Firmo se contrapõe ao colonialismo que insiste em marginalizá-los.

As imagens compiladas na exposição Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito vão na contramão de representações racistas, estampadas, por exemplo, em jornais policialescos. Elas apresentam outra narrativa a respeito da negritude. A narrativa do talento, da beleza e da humanidade. A mostra, prorrogada até o dia 9 de outubro, pode interessar a artistas, fotógrafos, jornalistas e qualquer outra pessoa que preze por uma sociedade igualitária, afastada do racismo estrutural.

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