Discursos extremistas por motivação política têm sido cada vez mais parte do dia a dia do brasileiro, mesmo fora do período eleitoral. Segundo Monitoramento da Violência Política do do jornal O Estado de São Paulo, até julho deste ano, o Brasil já havia contabilizado 26 assassinatos de políticos, maior número registrado desde a redemocratização. As vítimas englobam lideranças e integrantes do polo adversário.
A polarização, isto é, quando dois ou mais lados opostos se dividem em grupos com ideias contrárias ou conflitantes, não é novidade, muito menos no âmbito político. Nos últimos anos, entretanto, os embates se intensificaram e duas frentes opostas surgiram com mais força desde o período eleitoral de 2018. Composta por turbulências acerca das opiniões políticas e pessoais do candidato Jair Bolsonaro (na época, PSL), a primeira eleição depois da explosão da operação Lava-Jato gerou movimentação entre os simpatizantes da nova extrema direita e aqueles que enxergavam perigo no discurso do candidato.

Para Victor Marques Varollo, Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas, o termo “polarização” não vem sendo bem aplicado nas últimas análises políticas.
“Na eleição de 2022 tivemos um lado defendendo o rompimento institucional e o outro, fazendo uma frente ampla pela democracia. O erro em utilizar o termo é que se pode pressupor que temos uma ‘extrema-direita’ e uma ‘extrema-esquerda’, em polos distintos. Isso não acontece”, afirma, sobre a comparação, em sua opinião, equivocada entre os lados. “Na eleição tivemos um lado defendendo o rompimento institucional e o outro fazendo uma frente ampla pela democracia”.
Apesar de muitos estudiosos não acreditarem na ideia de contrários nas últimas duas eleições brasileiras, a polarização é evidente – ainda que, muitas vezes, o termo seja mal aplicado, como comenta Varollo. O período foi marcado por violências e expôs uma outra face da divergência política, chamada de “ultrapolarização”
Eleições ultrapolarizadas
Marcada por turbulências, uso da força e até conflitos externos, o excesso da polarização (ou sua ultralização), compromete as bases da democracia e torna-se uma imposição de ideais. Afinal, sociedades ultrapolarizadas que discordam entre si tendem a usar a violência no lugar do debate.
É o que diz Victor Mendes, mestrando em relações internacionais pela USP e pesquisador na área de instituições internacionais e governança global. “A polarização deixa de ser saudável quando ultrapassa o debate político saudável e passa a se sustentar à base de ameaças, informações falsas e violência.”
Para Vera Lucia Michalany, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), a polarização em si já engloba sentimentos como ódio, medo, ressentimento, vingança e desqualificação do outro, e deixa de ser saudável quando interesses políticos interferem na vida pessoal – corroborando para conflitos familiares, por exemplo.
Segundo Michalany, as manifestações de 2013 e 2014 também foram agentes importantes no fortalecimento da extrema direita, também visto como protagonista de atos antidemocráticos após o resultado das eleições de 2022: “as eleições de 2018 e 2022 reproduzem as ações e as disputas presentes no seio da sociedade.”
Alguns dos últimos casos que ilustram este fenômeno podem ser exemplificados pela violência armada que teve palco em um bar no interior do Ceará, na cidade de Cascavel, quando um indivíduo perguntou quem era eleitor de determinado candidato, para então, desferir tiros e matar aquele que ele considerava como “oponente”. Ou mesmo com o assassinato do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) Marcelo Aloizio de Arruda em sua própria festa de aniversário, e uma briga com motivação política em bar de Santa Catarina, Dona Emma, no Alto Vale do Itajaí, onde um dos envolvidos não resistiu após ser esfaqueado.
Nasce, então, a linha tênue que separa a polarização saudável (polos direita e esquerda, por exemplo) e a ultrapolarização (as ‘extremidades’). Michalany, em sua avaliação, diz não encontrar diferença entre ambos, pois os extremos também fazem parte do conceito originário de polarização.
Onde está o perigo?
Além de se mostrar uma ameaça física aos envolvidos diretos, períodos políticos ultrapolarizados são marcados por notícias falsas, ameaças e abandono de consciência política e social, comuns de ganhar cunho criminoso, segundo Josue de Oliveira Rios, doutor em direito pela PUC-SP. “Quando isso [a polarização] se junta com a desinformação e a invenção de mentiras, impossibilita a população de elaborar uma consciência política e refinamento de informação. Fica apenas um clima de que guerra é guerra.” explica.
Esse aspecto foi visto no último período eleitoral, marcado pelo assédio no ambiente corporativo e até na boca das urnas, como exposto na reportagem feita pelo “Profissão Repórter”, da TV Globo, que foi ao ar no dia 1 de novembro e flagrou uma convocação dos beneficiados pelo Auxílio Brasil e ouviu moradores sobre suposto assédio eleitoral no local; ou como também abordagens menos discretas, como no caso em que uma empresária de Santa Catarina teve de assinar um Termo de Reajuste de Conduta (TAC) e se retratar em vídeo após pedir que clientes “não contratem nordestinos” que votem em determinado candidato.
“Isso tem a ver com o ‘vale tudo’, o clima de guerra. Se eu tenho poder, eu vou usar todos os caminhos para vencer. Esse nível de embate só é visto em eleições ultrapolarizadas, onde tem essa ideia de que não basta vencer, é preciso impor novos valores, uma nova verdade.” explica Rios, sobre a ausência de um cenário civilizatório.
Além dos conflitos internos, Mendes também pontua as consequências da radicalização política no cenário externo, bem como a relação do Brasil com outros países. “Por questões de diplomacia, os países evitaram realizar comentários incisivos sobre os assuntos domésticos no Brasil, que deixou a sua posição de protagonista global, especialmente entre países em desenvolvimento.” explica.
Para ele, a polarização em si serviu apenas para gerar apreensão sobre os resultados da eleição, além de olhares atentos sobre a sustentabilidade da democracia brasileira. “Um exemplo disso foi a aprovação, nos Estados Unidos, de uma recomendação do Senado para que Washington rompesse as relações com o Brasil em caso de golpe. Para a comunidade internacional já não é mais tempo de se permitir incursões que vão contra os valores democráticos.”
Imagem de capa: Marília Castelli | Unsplash