Por Annanda Deusdará
Patricia de Liz sempre se sentiu mal comendo carne, mesmo tendo uma memória afetiva com os alimentos consumidos por sua família. Desde pequena, ela nunca foi muito chegada à alimentação onívora e sua mãe reclamava com frequência pois ela preferia comer as cenouras e batatas do ensopado, deixando a carne de lado. Conta que seu estômago nunca digeriu corretamente esse tipo de alimento, fazendo com que ela fosse parar no hospital por diversas vezes, apesar de manter apenas os peixes e laticínios, o problema persistia. E encontrara outro motivo forte evitar comer carnes de qualquer tipo.
Ao começar a consumir conteúdos sobre o assunto, ela se conectou com a questão espiritual – acreditava que o fato de se sentir mal deveria ser a energia negativa que estava ingerindo quando se alimentava de animais mortos -passando assim a sentir nojo. Quando descobriu a “segunda sem carne”, começou a implementar na sua rotina e passou a se sentir fraca, porém se manteve firme e começou a reproduzir receitas veganas. Decidiu então, adotar esse estilo de vez, usou como estratégia a mudança de nome no seu Instagram para que não voltasse atrás, a atitude deu certo, já faz sete anos que ela não consome nada de origem animal.
Patricia conta já ter recebido diversas críticas no Instagram por estar acima do peso e que isso não condizia com seu estilo de vida, porém afirma não se importar pois isso não determina seu caráter, também falou sobre sua relação com o lipedema, uma inflamação de células gordurosas que não tem cura. O veganismo também trouxe para ela, o amor próprio e mais consciência com a saúde, hoje ela deixou de lado as frituras, o fast food e o álcool, além de fazer acompanhamento nutricional e exercícios físicos. Todos esses hábitos garantem com que ela tenha uma boa qualidade de vida mesmo com lipedema, “Meu objetivo de vida não é ser malhada, é continuar subindo as escadas do avião sem problemas”, conta a professora que sofreu trombose em 2015 ao embarcar em um Avião.
Para ela o veganismo é um ato político e de libertação, “um ato anticapitalista", porque pensa no que se pode fazer para tornar um mundo melhor e mais justo. Há 7 anos nessa escolha, ela conta que é muito difícil fazer com que a pessoa enxergue o alimento vegano como gostoso e saudável, e ressalta que o veganismo é sobre o que é possível, pois não há como saber o processo de cada produto que você utiliza. Apesar de ter recebido muito apoio da família, em especial do marido, a professora afirma que seguiria esse caminho de qualquer maneira e que a mãe também teve preocupações ao ser comunicada da decisão.
Quando se tornou vegana há 7 anos, Patricia precisava cozinhar tudo que quisesse comer, até as coisas mais simples, como um queijo, pois não havia tantas opções no mercado como existem hoje. O fato de influencers divulgarem muito receita vegana, também ajudou a ter mais opções acessíveis hoje. A minha alimentação do dia a dia, que consiste em arroz, feijão, legumes e massas é muito mais barata do que quem come muita carne.

Além de uma escolha alimentar- é um compromisso com a ética, a sustentabilidade e a saúde. Segundo pesquisa feita pelo Datafolha em 2024 com exclusividade para a Sociedade Vegetariana Brasileira, 7% dos brasileiros se consideram veganos, o que representa cerca de 15 milhões de pessoas. Ainda de acordo com o estudo 74% dos entrevistados declaram que parariam o consumo de carne em prol da saúde.

Entre os indivíduos que compõem essa estatística, está Juliana Constantino, que se tornou vegetariana por conta do amor aos animais em 2017, mas a adesão ao veganismo só aconteceu dois anos depois por conta da saúde, ela sofreu de um linfoma por 14 anos e acredita que a melhora na alimentação foi fundamental para que hoje, ela se encontrasse curada. Após assistir o documentário “What the health?”, descobriu como esse estilo de alimentação impactava na saúde e ajudava na melhora e prevenção de diversas doenças, inclusive no câncer, pois a carne é considerada pela OMS, um dos principais alimentos cancerígenos. A renúncia das carnes foi fácil, o desafio foi parar com os lacticínios, ela sentia muita falta na época, porque não existiam tantas opções veganas como têm hoje.
A família da Juliana sempre foi muito tranquila em relação a sua decisão, apesar das preocupações iniciais pela falta de conhecimento -o apoio nunca faltou – hoje sua mãe fica feliz ao ver que a filha se alimenta de forma mais saudável. Mesmo fazendo várias substituições como carne de soja e tofu, a quantidade de nutrientes nunca foi uma questão para ela, que conta que não tinha costume de consumir legumes e apelava aos fast foods. Ao escolher esse estilo de vida, ela estudou bastante sobre questões ambientais e de saúde e como isso está ligado a política.

Aos onze anos, Giuliana se tornou vegetariana após a irmã mostrar um vídeo sobre abatedouros e processos de produção de carne. A partir daquele momento sua mãe e irmã decidiram que fazia sentido interromper esse tipo de consumo, ela ainda ficou algum tempo comendo peixe mas com 15 anos voltou a se questionar sobre o processo produtivo da carne e entendeu que não fazia sentido continuar consumindo os derivados de origem animal porque são duas indústrias interligadas.
Para amparar sua escolha fez uma ampla pesquisa sobre alimentação/nutrição e os motivadores socioambientais, para convencer sua mãe que era uma decisão racional, foi parando aos poucos, para que ela pudesse ver que isso era possível. Ela também foi ao médico para mostrar ao pai, que era algo saudável já que na época não era um assunto tão debatido. Para fazer essas alterações na sua alimentação, foi necessário muita pesquisa independente porque apesar de ter passado duas vezes em um nutricionista - ao se tornar vegetariana e aos 15 anos - não foi bem acolhida pelos profissionais o que a afastou dos consultórios até o início da faculdade.
Na sua terceira tentativa de ter acompanhamento médico, finalmente teve uma abordagem acolhedora, na qual recebeu explicações sobre a quantidade de nutrientes necessários e ajuda para balancear a quantidade de proteínas que eram baixas em suas pequenas refeições, compostas por frutas e pães. Ela conta que antes da sua mudança, tinha uma relação transtornada com os alimentos, devido a padrões de beleza, que faziam com que ela comesse uma quantidade insuficiente para se manter saudável. A prática de atividade física sempre foi algo rotineiro para ela, entretanto com menor intensidade do que a praticada hoje. Como parou de comer carne muito cedo, nunca sabe responder se houve alguma mudança significativa em sua saúde. No momento sua imunidade é muito boa e o consumo de fibras e micronutrientes está em uma quantidade adequada, o que a ajuda a manter a rotina puxada de exercícios físicos, como musculação e corrida.

O apoio da sua mãe e irmã foi imprescindível, Giuliana conta que várias pessoas falam que têm dificuldades de se manterem no veganismo, porque não têm esse amparo em casa. Ela entende que tem um grande privilégio por ter uma grande variedade de comida no seu lar e viver com pessoas com o mesmo objetivo que o seu. Isso fica mais perceptível quando ela visita seu pai, que não é vegano e além disso ingere poucos legumes, fazendo com que ela tenha poucas possibilidades quando está lá, a única comida que pode comer igual a deles é arroz, feijão e salada.
No Rio de Janeiro, localidade de Giuliana, é bem fácil de encontrar comidas veganas, se ela procurar intencionalmente, entretanto quando precisa ir em algum evento que a escolha do restaurante não cabia a ela, ainda encontra dificuldades. Ela confessa que às vezes prefere fazer o alimento em casa, porque a opção oferecida pelo estabelecimento é feita de qualquer jeito, só para dizer que existe. Segundo afirma, se acaba pagando mais caro por algo que tem ingredientes mais baratos, em menor quantidade e que não é tão gostoso.
O aprendizado na cozinha, só veio devido ao veganismo e se deu inteiramente através da Internet por meio da replicação de receitas, até que tivesse autonomia para criar as suas próprias. A nutricionista conta que na sua família as mulheres só sabem fazer o básico por obrigação, isso ocorre porque elas trabalhavam muito e isso acabou não sendo desenvolvido.
Antes o movimento vegano estava crescendo e hoje em dia nós temos um retrocesso, para ela isso ocorre porque lá em 2015/2016 quando o movimento estava em seu auge, ele não conseguiu se estabelecer como uma pauta social relevante e foi para um lado que não era uma pauta política e sim um estilo de alimentação, ignorando outros motivos importantes. O problema desse posicionamento é que um estilo de vida é mais fácil de abandonar, por não haver algo que faça parte da sua construção social.
O veganismo hoje está muito ligado à alimentação saudável, e nesse ponto houve uma evolução, porque as pessoas entenderam que quem escolhe esse caminho não vai morrer desnutrido, desde que estude sobre e tenha acompanhamento médico. Porém existe uma falta de conexão com a militância do movimento, “As pessoas entenderam que é uma alimentação saudável, mas o problema foi que elas só entenderam isso“ declara Giuliana.
Após a adesão a esse estilo de vida, houve maior preocupação com a alimentação, devido ao fato da necessidade de se cozinhar boa parte daquilo que se come, o fast food e a fritura foi ficando de lado. Essa é a realidade enfrentada por Juliana, Patrícia e Giuliana, que vivem em grandes cidades da região sudeste brasileira. Apesar da maior facilidade de encontrar esses produtos, a especialização das marcas nesse nicho de mercado, causou uma elitização do veganismo, porque a aplicação de preços exacerbados, acaba distanciando a população geral, que não consegue fazer parte do debate, sendo impedida tanto de acessar o discurso acadêmico, como a alimentação.