Apesar das expressivas melhoras estatísticas dos dados de violência policial no estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas segue flertando com a ideia de retirar câmeras corporais e mantém um discurso favorável a uma “linha dura” da polícia. No primeiro semestre de 2022, houve uma redução de 60% na letalidade policial do estado de São Paulo em relação ao primeiro semestre de 2020. As mortes desses agentes do Estado também diminuíram substancialmente nos últimos anos.
Durante toda a sua campanha, Tarcísio de Freitas foi contra a implementação de ferramentas que freassem o poder de fogo policial, principalmente as câmeras corporais, dizendo que as extinguiria caso fosse eleito. Tais câmeras tem o propósito não somente de diminuir a corrupção e a violência policial, mas também de defender os agentes da lei contra falsas alegações de abuso de poder, por exemplo.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) é uma das maiores do país, tanto no quesito de contingentes quanto na verba. De acordo com relatório do Monitor de Violência do G1, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, até 2020, a polícia de São Paulo também era uma das que mais matava, com uma taxa de mortes de 814 pessoas a cada 100.000 habitantes, número que caiu 30% em 2022.
O estado também apresentou uma redução de 49% nos policiais mortos em serviço entre os anos de 2020 e 2021, opondo-se à alta de 44,1% entre 2019 e 2020.
Com a eleição do governador bolsonarista, no entanto, esses números podem voltar a crescer. Tarcísio é abertamente favorável à uma polícia mais dura e alega, por exemplo, que batalhões estão “perdendo produtividade” por conta das câmeras corporais. Ao seu lado, o governador conta com a bancada do PL, a maior eleita, e com o apoio de uma ampla ala bolsonarista na Câmara.
Para o sociólogo e coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, Rafael Rocha, a queda da letalidade policial se deve a uma mudança do governo Dória na área da segurança pública, principalmente a partir da segunda metade de 2020, após o Massacre de Paraisópolis, quando Dória passou a se distanciar do discurso de Bolsonaro, quem o ajudou a se eleger em 2018.
Em 2019, uma intervenção desastrosa em um baile no bairro Paraisópolis culminou na morte de nove jovens. Os policiais encurralaram a multidão, causando uma série de pisoteamentos.
Entre 2019 e a primeira metade de 2020, cerca de 30% das mortes violentas no estado foram cometidas pela Polícia Militar, números estes que são computados juntamente com casos de homicídio e latrocínio. “Em certos bairros, como Heliópolis, se fosse retirado da conta essas mortes, o número de pessoas mortas cairia mais da metade”, comenta Rocha.
“Houve então uma tentativa de mudar o modelo de segurança pública, principalmente o controle do uso da força”, explica o sociólogo. Entre as mudanças estão: o investimento em armas não-letais, como os tasers e o uso de câmeras corporais.
Conforme apontou Rafael Rocha, essas e outras questões mostram um projeto de segurança pública falho, e muito contraditório: “Ele disse, por exemplo, que não era necessário colocar mais câmeras nos policiais, mas sim tornozeleira eletrônica nos bandidos. Mas uma coisa não exclui a outra, é muito simples”
Tarcísio de Freitas já voltou atrás em alguns de seus posicionamentos, no entanto, mesmo que não descontinue as câmeras, pode sucatear o sistema que as sustenta. As câmera corporais exigem uma estrutura para transmitir, armazenar e analisar as imagens.
“O Tarcísio pode acabar com as câmeras sem acabar com as câmeras. Se o custo político for muito alto, ele pode sucatear a estrutura por trás”, comenta o sociólogo.
Alan Fernandes, Coronel da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo, e Doutor em Administração Pública e Governo, afirma que as mudanças na PM de São Paulo também reduziram as mortes de policiais militares.
Para Fernandes, isso se deve a duas razões: a primeira delas é que, em razão das câmeras, policiais militares em campo buscam estratégias para evitar o confronto armado, o que reduz tanto a letalidade de suas ações, como os coloca em menores níveis de risco. A outra razão é que as câmeras corporais teriam a capacidade de mitigar ações violentas por parte dos agressores não-policiais.
O coronel explica também que existe um discurso político que coloca a polícia como última salvação perante a criminalidade e estimula policiais a arriscarem suas vidas para o cumprimento do dever. Para Fernandes, isso funciona como agravante da mortalidade policial: "Mensagens messiânicas que invocam o papel dos policiais na luta contra o “mal”, lançam-os em ações arriscadas, em que o saldo de vidas perdidas, de quaisquer lados do cano de um fuzil, é resultado aceitável. Não deve ser!"
Dados da GV Executivo apontam que entre o terceiro e o quarto trimestre de 2021, os batalhões que faziam parte do programa Olho Vivo, apresentaram redução de 63,6% e 77,4% na letalidade provocada pelos PMs em serviço, demonstrando a eficácia das câmeras corporais.
Para Rafael Rocha, a imagem dos policiais perante a sociedade também melhorou e grande parte dos agentes sendo contrários ao projeto de extinção das câmeras: “É engraçado achar que a câmera desabona o policial, pelo contrário, esses policiais tem preocupação com a imagem da instituição, eles sentem que isso os qualificou”
O estado de São Paulo pode influenciar o debate sobre as propostas de segurança pública em outros estados, explica David Marques, doutor em sociologia pela UFSCar e Coordenador de Projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"São Paulo reduziu em 30% o total de vítimas de letalidade policial, fato em grande medida atribuído às mudanças institucionais pelas quais vem passando a Polícia Militar desde meados de 2020", comenta Marques.