Tarcísio de Freitas (Republicanos) não fez qualquer menção à palavra “indígena” em seu plano de governo, tampouco se pronunciou sobre o tema durante a campanha. Em seu histórico como ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro até 2021 e consultor legislativo na Câmara dos Deputados até 2018, Tarcísio criticou a atuação da FUNAI na construção de rodovias.
Diferentemente do próximo governador do estado de São Paulo, seus adversários na eleição se pronunciaram sobre propostas para a pauta. Rodrigo Garcia (PSDB) em seu plano de governo cita políticas educacionais voltadas à população indígena sem estabelecer metas quantitativas. Já Fernando Haddad (PT) menciona indígenas nas propostas quando fala em garantir empregabilidade, acesso à saúde, permanência em escolas, inclusão em universidades e apoio à cultura.
Durante seu período como consultor legislativo na Câmara dos Deputados (2015-2016), Tarcísio disse em audiência na CPI da FUNAI e do Incra em 2016 que a FUNAI dificulta obras em estradas através de burocracias com licenciamentos ambientais, além de afirmar que a forma com que realiza a demarcação de terras indígenas é “parcial”, criticando o processo.
Como Ministro da Infraestrutura de janeiro de 2019 a março de 2022, ele foi encarregado da função de asfaltar e realizar manutenção da rodovia BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM).
Iniciada durante a ditadura militar já com danos às populações indígenas com territórios à sua volta, por decisão judicial que transitou em julgado em 2019, a reconstrução deveria se dar com licenciamento ambiental pela obra incluir “uma nova estrada, com nova calha para o asfalto, pistas maiores, mudanças de traçado, construção de pontes, passagens para fauna, drenagem”, etc. Mesmo assim, foram realizadas obras sem licença no que foi referido como “trecho do meio” da rodovia.
O Ministério Público Federal acusa o processo de licenciamento das obras de ser ilegal, e aponta que o processo de construção fere direitos ambientais e dos indígenas na região. Recomendou ao Ibama a suspensão das obras até que povos indígenas e tradicionais sejam consultados em 2021, que ainda não foi realizada.
Em julho de 2022, o IBAMA liberou uma licença prévia para a reconstrução de uma parte da BR-139, evento que foi denunciado pelo Observatório-139, grupo que congrega diversas ONGs que atuam na região, pela falta de consultoria ambiental e de povos originários e pela proximidade do período eleitoral.
Tarcísio também é o candidato apoiado pelo atual presidente Jair Bolsonaro, denunciado na ONU por ferir direitos dos povos originários e julgado por cometer crimes contra a humanidade no Tribunal Permanente dos Povos em 1 de setembro, tribunal simbólico usado como forma de exercer pressão internacional. Graças a associação entre os dois, muitos temem a abordagem de Tarcísio em relação a saúde, educação e proteção da cultura da população indígena do Estado de SP.
“É possível ter reflexos da próxima presidência de Lula, que tem um débito histórico com os povos originários que precisa ser pago”, diz Álvaro de Azevedo Gonzaga, professor do curso de direito da PUC-SP, sobre o governo de Tarcísio no estado paulista. Ainda acrescenta acreditar que em seu terceiro mandato trará cuidado com a saúde indígena, demarcação de terras e atenção para todos os indígenas periféricos em contexto urbano.
O cientista político indígena, Maurício Terena afirma: “Se Fernando Haddad tivesse sido eleito, devido ao seu partido e ideologia, o diálogo com os povos indígenas seria mais fácil, do que com Tarcísio”. Terena também acredita que o debate a respeito do tema no estado é esvaziado, pois não há reconhecimento de São Paulo como terra indígena.
População Indígena em SP
O Estado de São Paulo possui em sua maioria integrantes das populações guarani, mby’a e tupi, em espaços urbanos ou aldeias como a do Pico do Jaraguá e a de Parelheiros. Até o presente momento, a assessoria do candidato eleito não deu retorno sobre os planos para a pauta.
Para os povos indígenas do estado de São Paulo, atualmente os maiores objetivos, afora a demarcação de suas terras, são voltadas para a saúde indígena, a educação com vestibular indígena dentro das Universidades públicas e privadas - revisão das bolsas voltadas para esses estudantes -, cadeiras nas gestões políticas estaduais e municipais.
Richard Wera Mirim, comunicador da Terra Indígena do Jaraguá, dialoga sobre demandas para o governo de sua região: “A questão da especulação imobiliária também é uma grande ameaça a território do Jaraguá, são sinônimos de extermínio da nossa vida, cultura e da Mata Atlântica que buscamos proteger a todo momento”.
Existe a busca por políticas públicas que funcionem, respeitando os territórios, cultura, biomas, e, principalmente, leis que protejam as crianças, meninas e mulheres indígenas de assédios e violências.
O coordenador regional da Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste), Fabiano Awa Mitã, da etnia Tupi Guarani, também afirma que os indígenas do contexto urbano lutam pelos mesmos direitos dos aldeados, pelo reconhecimento de serem indígenas e merecedores dos mesmos benefícios.
A pedagoga Marcela Torres da etnia Pankararu segue a mesma linha de raciocínio. Ela espera que o governo de São Paulo faça uma gestão mais próxima dos povos originários da Mata Atlântica, tanto os que moram em cidades como em aldeias. “Precisam parar de nos separar entre indígenas urbanos e aldeados, somos todos indígenas e ponto final”.
Desde o início de sua campanha, o governador eleito de São Paulo não mostrou nenhuma proposta voltada às comunidades tradicionais. Fabiano Awa Mitã relembra que o candidato vem de um partido que não reconhece os povos tradicionais, além da valorização do Agro, a relação com grandes empresários e desmatamento. Portanto, o coordenador regional da Arpin Sudeste espera que aconteça um alinhamento político entre os governos de Tarcísio e Lula.
A militante do movimento indígena, Sonia Ara Mirim, também mostrou preocupação em relação à luta dos povos, após a vitória de Tarcísio. “A cultura, educação, saúde, tudo que envolve a população indígena, sempre ficam em segundo lugar, nunca tem diálogo com a gente”. A falta de propostas no plano de governo já retrata a futura dificuldade de alinhamento entre a comunidade e o governador eleito.
Marcela Pankararu volta a frisar a importância de olhar para os povos indígenas como um todo no Estado e não apenas os indígenas que estão mais próximos da capital. “Espero que Tarcísio veja que os povos originários são os protetores das terras e de todos os biomas, que é preciso cuidar e proteger esses protetores para que o planeta Terra não entre em colapso”, afirma.
Contudo, a vitória de Tarcísio de Freitas como governador ainda é polêmica para a causa indígena, uma vez que a falta de propostas no plano de governo representa o descaso com os povos. Vale ressaltar que atualmente a saúde indígena não contempla a todos do Estado de SP, os povos indígenas clamam pelo respeito para com os seus territórios, saúde e educação de qualidade.
“Mais uma vez digo que queremos um governo mais próximo dos povos originários, uma gestão verdadeira de acordo com nossas tradições e cultura, lembrando que nós povos indígenas temos uma grande diversidade e isso precisa ser respeitado, não é só educação, saúde, queremos uma alimentação sem veneno também. O estado de SP não faz seu papel que é cuidar e proteger todos os indígenas dessa Mata Atlântica”, relata a pedagoga Marcela.
Candidatos Eleitos
Com a crescente relevância das questões indígenas nos debates, a falta de pronunciamento por parte do governo estadual é um contraste à liderança indígena emergente durante as eleições. Com a promessa de uma “bancada do cocar”, 2022 foi o ano com a maior quantidade de candidaturas indígenas da história, incluindo aos cargos de deputados federais e estaduais em SP. Foram 186 candidatos autodeclarados indígenas, 30 deles apoiados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). No Estado de SP, se destaca a vitória de Sonia Guajajara (PSOL) como deputada federal.
No primeiro turno foram eleitos sete candidatos que se autodeclaram indígenas, sendo três deles de São Paulo como Sônia Guajajara (PSOL), Juliana Cardoso (PT) e Paulo Guedes (PT). A expectativa para 2023 é gerar visibilidade nas discussões sobre os povos originários e do meio ambiente.
Marcela Pankararu retoma uma frase de Célia Xakriabá (PSOL), eleita Deputada Federal, “antes do Brasil de Coroa existe o Brasil de cocar”, para expressar a importância das candidaturas eleitas. Marcela complementa: “Espero que esse governo lembre-se disso e melhore as políticas públicas, que coloque algum indígena nas FUNAI de São Paulo, e que tenha concurso público para indígenas também entrar nas escolas e Universidades do Estado”.
A presença de Guajajara também mostra uma vitória, uma vez que a voz dos povos indígenas está sendo levada ao Congresso Nacional. O cientista político Maurício Terena afirma que essa é uma era que inaugura um novo momento na política institucional, no sentido de que o movimento indígena não aceitará mais uma legislatura sem essa representação nos poderes executivo e legislativo. Isso porque, consequentemente, dificulta a visibilidade das pautas de demarcação, a proteção das águas, dos rios, dos territórios, do meio ambiente, o enfrentamento do garimpo legal, por exemplo.
De toda forma, há um enfrentamento ao racismo indígena, Terena afirma que existe um preconceito contra os indígenas, que interfere no acesso à saúde e educação diferenciais por parte dos órgãos estaduais que não existe uma política estrutural e acesso a isso. A partir do momento que um governador no estado não apresenta propostas aos povos em seu plano de governo, há, novamente, uma tentativa de invisibilizar a população e os territórios, além de não abrir espaço ao diálogo.