A sociedade patriarcal e a naturalização da violência doméstica

Uma comunidade construída para satisfazer as necessidades dos homens
por
Giovanna Montagner
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26/03/2021

No ano de 2020, o Brasil somou 105.821 denúncias de violência contra a mulher, 72% sendo violência doméstica e intrafamiliar, de acordo com os dados divulgados pelo relatório, que teve como base, as plataformas Ligue 180 e Disque 100.

Combater a violência do companheiro que espanca a mulher em casa, é uma medida necessária de prevenção da dignidade da mesma. Mas ela não resolve o problema completo, que é a conquista de relações efetivas equilibradas.

  Brasília – Mulheres fazem ato na rodoviária do Plano Piloto para                       denunciar o feminicídio no Distrito Federal(Wilson Dias/Agência Brasil)
Brasília – Mulheres fazem ato na rodoviária do Plano Piloto para denunciar o feminicídio no Distrito Federal(Wilson Dias/Agência Brasil)

A diferença cultural do gênero foi construída de diversas maneiras ao longo da história. Nos tempos da barbárie, o homem primitivo é ilustrado muitas vezes, arrastando a mulher pelos cabelos e a levando até o fundo da caverna. Essa representação passa uma imagem de uma mulher submissa à força de seu caçador, no entanto, teorias mais recentes comprovam que as mulheres paleolíticas seriam parceiras dos homens na fabricação de raspadores, facas e pontas, e estavam aptas para a caça.

À medida que as riquezas aumentavam, o homem passou a ter mais poder que a mulher. Surge a partir desse momento, uma necessidade de repassar essas riquezas por meio da herança, para seus filhos, assim a família patriarcal assumiu suas características individuais.

De acordo com o filósofo Friedrich Engels, foi nesse contexto em que “a direção dos afazeres caseiros perdeu seu caráter público. A mulher deixa de ter função social e começa o serviço privado: ela transforma-se na primeira serva, encarregada de participar assim da produção social.”

Foi caracterizada como “rainha do lar”, aquela que apresenta como destino ser mãe, recatada e afastada dos negócios públicos. A mulher foi degradada, tornou-se escrava do prazer masculino e sua presença foi reduzida como um simples instrumento de reprodução.

Segundo Fernanda Morato da Silva Pereira, Mestre em Direitos Coletivos e Cidadania pela Universidade de Ribeirão PretoAté a promulgação do Código Civil Brasileiro de 2002, o pátrio poder previsto no Código Civil de 1916, foi utilizado para conceder ao homem o poder de dominação sobre as mulheres, isto é, o pai ou o marido exerciam poder sobre a filha ou esposa, assim como sobre os filhos. Sem poder de decisão ou de contribuição no lar, as mulheres não decidiam sobre suas vidas, sequer participavam da criação dos filhos. Viviam sem projeto de vida, sem identidade, sem cidadania”.

Mesmo com a emancipação do movimento feminista vista nos últimos tempos, ainda existe um longo caminho a percorrer. Em uma entrevista dada ao Correio Braziliense, em janeiro deste ano, a juíza Rejane Jungbluth Suxberger, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de São Sebastião afirmou que “Hoje, nosso maior desafio é enfrentar uma ideologia patriarcal, que permite a eterna dominação de um sexo sobre o outro e que acaba por anuir relações desiguais que legitimam a violência doméstica.

Essa agressão é muitas vezes encoberta, as pessoas ainda se recusam a entender e intervir. É como o famoso ditado “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.

Ser mulher é ter liberdade de escolha, ter direito a voz sem sofrer retaliação ou diminuição. Ser mulher é ser resistência, força e coragem. É por si só, um ato político. De acordo com a artista, Isabela Leite, mais conhecida como Milka, "A construção familiar feita em cima de uma cultura de ódio e supremacia masculina resulta em diversos lares, onde mulheres vivem sobre autoridade e medo. E no cenário atual, é praticamente uma chacina.”

Segundo a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, "Nós, infelizmente, tivemos de deixar dentro de casa agressor e vítima. Isso foi um fenômeno que aconteceu no mundo inteiro e nós lamentamos". Ela complementou que devido ao aumento de casos, o governo ampliou os canais de atendimento. Além das plataformas do Ligue 180 e do Disque 100, que já existiam, o ministério oferece contatos por WhatsApp e por um aplicativo próprio chamado "Direitos Humanos Brasil".

Propaganda contra a violência doméstica do Governo de Tocantins
Propaganda contra a violência doméstica do Governo de Tocantins

No contexto da pandemia do Covid-19, a mulher está sob vigilância de 24 horas de seu agressor. Denunciar o ofensor  em uma situação de normalidade já era difícil, em uma situação de reclusão social, as vítimas estão sendo silenciadas.

Milka ainda completa que “A cultura conservadora que normaliza a violência; a política que ignora o feminicídio; as escolas que faltam com educação sexual; e assim por diante, são situações que prejudicam os direitos das mulheres”.

A artista faz parte do projeto intitulado Auroracriado por profissionais do Caixa Preta Tattoo Estúdio. A ideia nasceu de uma conversa entre artistas, que perceberam uma similaridade entre suas clientes, cicatrizes que contavam histórias, sendo de cirurgias, acidentes e marcas de violência. Dessa forma, criaram artes que pudessem ressignificar essas marcas.

Sobre o projeto, Milka explica: "Foi uma forma de fazer essas pessoas serem escutadas sem julgamento alheio ou próprio. O foco é ajudar pessoas que passaram por estes caminhos durante a vida a enxergarem beleza nessas marcas”. Somos mulheres que merecem viver e amar, como todas do planeta.

         

       

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