Por Fernanda Querne
Suas palavras se dispersaram pelo interior da Argentina, onde nasceu e cresceu. Paulx Simón Gialdroni já fazia suas pequenas revoluções poéticas pelo norte, uma das regiões mais pobres do país. Com mais de doze anos no mundo do slam - uma competição de poesia falada -, Gialdroni descobriu que ser poeta é um ato político. A arte do "boca a boca” resgata a ancestralidade do conhecimento oral. Algo que pertence ao povo e transforma vidas.
O corpo do artista também é político. Bem acima das suas cicatrizes pelo peitoral, há um marco. Em seu pescoço, com uma fonte em negrito e em letras garrafais, a palavra "LUZ". Há seis anos, Paul tinha um amigx, uma conexão que parecia de vidas passadas, seu nome era Luz. Durante dois anos, um grupo que deveria acolher através de sua ética e moralidade, por “justiça”, tornou Luz uma pessoa non grata nos ciclos sociais que ambos frequentavam. O poeta diz como essas pessoas, com o seu feminismo branco, reproduziram o mesmo mecanismo de um patriarcalismo violento, capitalista e colonialista. Algo que Paulx explicitamente condena.
Legenda: Retrato de Paulx/ Fonte: Instagram
Também ressaltou como a acusaram; atormentaram e estavam como “psicopatas” ao seu redor. Diante do assédio, Luz se suicidou. Publicamente em suas redes, o poeta expõe o acontecimento com detalhes e homenageia a sua amigx. Desde os dias atuais, o artista enfatiza como essa sua tatuagem grita em nome da memória e que sempre o acompanhará.
Um poeta, um escritor. Paulx emanou suas curas e dores através da poesia oral do seu livro que é um trabalho cênico, “Efluvios” - publicado no Brasil pela editora Ganesha. Com apresentações no Instituto Nacional del Teatro (INT), em Buenos Aires, a cada ato, as palavras ecoam intrinsecamente com a sua identidade de gênero. A obra nasceu em um dia ao sul da Argentina, onde o clima invernal ali estava. Como o artista diz que criou esta plataforma ou até mesmo espaço para poder transicionar.
Os anos se passaram e mais ligas de competições do slam surgiram. Gialdroni participava e liderava a Argentina. Porém, com a sua persistência e talento, divulgou a sua palavra ao redor da América Latina com os seus projetos. Um desses lugares foi o Brasil.
Durante a Festa Literária das Periferias (FLUP) no Rio de Janeiro, o argentino, junto com os outros colaboradores, apresentou os feitos do Trans Slam. Um coletivo transnacional de poetas, slammers e artistas independentes. Além do argentino ser um dos curadores, há um cubano e dois brasileiros. Entretanto, um fatídico dia mudaria a sua relação com o País tropical. Foi 19 de novembro de 2023 - o dia que Javier Milei ganhou o segundo turno para a Presidência da Argentina. O país elegeu um economista ultraliberal, do partido “A Liberdade Avança", com quase 56% das intenções dos votos para enfrentar um cenário intenso de pobreza e uma grande desvalorização da moeda nacional. O seu radicalismo desafia os conceitos de diversidade dentro país.
Até mesmo antes da ultra direita assumir o Poder Executivo, a discussão sobre identidade de gênero ainda ganha o seu espaço. Em 2022, o “Censo Nacional de Población, Hogares y Viviendas”, pela primeira vez, incluiram dados sobre a comunidade transexual. Quase 200 mil pessoas não se identificam com o gênero que nasceram, contabilizando 0,4% da população da Argentina.
Em 2024, houve a pesquisa “Primer Relevamiento Nacional de Condiciones de Vida de la diversidad sexual y genérica en la Argentina”, cerca de 4 a 10 homens transsexuais referiram ter sido vítimas de violência em instituições de ensino. Mesmo com esses dados, o preconceito ainda se alastra pela nação como foi visto no recente discurso do presidente no Fórum de Davos. Milei associou que as pautas de “ideologia de gênero” corromperam as crianças e que a homossexualidade à pedofilia. Há uma cruzada do presidente em andamento que é um projeto o qual prevê modificar o caso de feminicídio como um “agravante penal”; retirar a identidade não-binario e excluir a cota de pessoas trans nas dependências do Estado.
No início de fevereiro deste ano houve um protesto contra essas suas falas que começou na Praça do Comércio até a Praça de Maio, onde fica a Casa Rosada. Com o lema “Orgulho Antifascista e Antirracista", manifestantes foram contra o governo de extrema direita e indo a favor aos direitos humanos.
Quando Milei foi eleito, Paulx mudou-se para o Brasil. Pois, já sabia as revogações que estavam por vir para a sua comunidade. Para o artista, migrar é um direito. Também ressaltou que, a maioria das pessoas LGBTQIAP+ e principalmente as pessoas trans, saem dos seus países por sobrevivência. Já que as legislações e os governos são contra os seus corpos.
Legenda: Paulx Gialdroni na última Marcha Transmasculina em São Paulo/ Fonte: Instagram
Agora, as suas palavras ecoam por aqui. Na maior metrópole da América Latina, Paulx faz arte como resistência para a comunidade trans masculina migrante, como foi visto na última Marcha Trans Masculina na Avenida Paulista. No dia 31 de março, por vinte minutos embaixo do Museu de Arte Moderna De São Paulo (MASP), o poeta usufruiu do seu dom e leu o seu manifesto em espanhol.
Paulx enfatizou que mesmo sem direitos para exercer a cidadania e as escolhas governamentais, a legislação impacta os transmigrantes igualmente. Pois sofrem com a falta de acesso de processos com hormônios e ausência de acompanhamento da saúde mental. Além de lutar por condições trabalhistas melhores para sua comunidade. A Marcha só demonstra o começo da sua jornada como transmasculino migrante no Brasil, seus poemas transformarão vidas. Com um ar de esperança e resiliência, como se fossem uma luz no fim do túnel.