Por Daniel Dias de Santana Martins
Alguns dizem que a viagem no tempo é impossível, que ir para o futuro ou revisitar histórias e momentos do passado é só uma loucura da nossa cabeça, um conto de fadas. Outros acreditam que um dia ela será possível, só precisamos da tecnologia certa. E existem aqueles que creem que tanto ela quanto os visitantes do futuro já estão entre nós. Honestamente? A viagem no tempo é possível de uma maneira mais simples, através de algo que consideramos ultrapassado: os livros, ou melhor, os sebos de livros.
Dependendo da sua idade é muito provável que você nem saiba o que é um sebo, pois hoje em dia para ter acesso a livros somente é necessário ter acesso a Internet ou ao Kindle e ler de forma digital. Porém, imagine o seguinte cenário:
Um espaço escondido em meio a toda a loucura da cidade grande, um lugar calmo com música ambiente ao fundo, cheio de livros ao seu redor, que vão desde lançamentos a versões exclusivas de obras de grandes autores como Monteiro Lobato, Shakespeare, Machado de Assis, Agatha Christie, Thomas Hobbes e até mesmo um livro de 1500. Além de poder se deparar com uma dedicatória do autor, anotações de um antigo dono ou até mesmo uma mensagem de carinho para alguém amado. Uma verdadeira viagem temporal dentro de um único lugar.
Esse foi um diálogo que ocorreu durante a entrevista feita com o Eduardo Morpheus, dono do Sebo e Editora Clepsidra que se encontra no centro de São Paulo. O espaço fica bem escondido e com uma placa bem pequena com o nome do lugar, porém, o interior se mostra um espaço enorme cheio de livros de diversos gêneros, acompanhados de uma decoração no estilo de terror para combinar com a temática da editora, além de um rock leve tocando ao fundo. Em entrevista, Eduardo Morpheus contou um pouco sobre a história do sebo e como vem sobrevivendo mesmo em meio à crescente dos livros digitais e a pandemia que complicou todo o comércio .
De acordo com a pesquisa feita pelo instituto Pró Livro, o brasileiro lê em média 2,43 livros por ano, sendo que quando comparamos com a última pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial (2020) feita em conjunto pela consultoria Nielsen, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e a Câmara Brasileira do Livro, vemos que a população se acostumou a consumir somente livros digitais, tendo sido comercializados 8,7 milhões de e-books e audiolivros, contra 4,7 milhões em 2019, gerando um crescimento nominal de 43% .
Após essa primeira parada, a viagem foi ainda mais para o passado, chegando no sebo mais antigo da cidade de São Paulo, a Livraria Calil, da Maristela Calil. O espaço fica em uma das mais clássicas e antigas regiões da capital, o centro histórico, na Rua Barão de Itapetininga com cruzamento com a Avenida Ipiranga.
O espaço em si fica em um prédio que exala exatamente o que esse texto passa, uma mistura de passado com presente. Do lado de fora a construção possui características bem antigas como quase todo o centro antigo de São Paulo. Ao entrar no prédio existe uma pequena recepção, mas que não tem a necessidade de se parar para passar informações ou dados, logo a frente existe um longo corredor com diversas lojas dos mais diversificados produtos como relógios, produtos de musculação, roupas e cabeleireiros.
No entanto, não está ali o nosso destino final, para chegar nele é preciso pegar um elevador bem rudimentar. O sebo fica localizado no nono andar do prédio, onde assim que se pisa fora do elevador escuta-se uma campainha ao fundo para indicar a chegada do cliente.
Dentro do ambiente, para onde você olhe tudo o que se vê são livros e antiquarias, com uma música clássica ao fundo que dá o toque para que você se sinta em uma viagem a um mundo cheio de histórias do passado. Maristela, já vê as vendas digitais como uma forma de melhorar suas vendas, mesmo que isso signifique transformar toda essa relação em algo mais impessoal. Calil, conta que foi a primeira livreira a entrar na Internet e experienciar esse mundo de vendas on-line, além de ter sido a que mais vendeu na Estante Virtual durante a pandemia.
Durante uma segunda ida ao local, estava ocorrendo uma visita de um grupo de alunos da Etec. Todos estavam encantados com o tanto de livros, objetos e gravuras que estavam presentes no local.
Uma das moças que estavam visitando, identificada como Lucineide, pegou um ferro de passar roupa bem antigo, daqueles bem pesados, na mão e viajou para o passado
"É igualzinho o da minha infância no nordeste, lembro de ver minha mãe passando roupa com ele. É uma espécie de viagem no tempo estar aqui"
Foi neste exato momento que a ideia do título e do enredo desse texto veio, pois realmente todos que estavam ali se sentiam em uma espécie de volta no tempo.
Lucineide fez questão de chamar outra estudante da turma, enfatizando bem a sua idade (18) e o amor por livros físicos e sebos. Giovanna Maikher, estudante de desenvolvimento comunitário e poeta, que mesmo em meio aos inúmeros livros digitais ainda prefere a boa e velha leitura no papel, tendo o sonho de trabalhar em um sebo. Nada melhor que uma amante de livros e sebos para explicar o porque desse espaço ser tão especial.