Em tempos conturbados, não resta muita escolha para a população. Cuidar da saúde e preservar o sistema imunológico são prioridades da sociedade. No cenário atual, a pandemia do novo coronavírus tomou a atenção de postos de saúde e hospitais, particulares e públicos. Contudo, o Brasil tem outras doenças e vírus a serem enfrentados. A saúde continua, além da pandemia, e a obrigatoriedade de manter as vacinações em dia também.
Em São Paulo, as campanhas contra poliomielite e de multivacinação ocorreram de outubro até o final de novembro, em 2020. Foram campanhas para identificar atrasos, faltas ou reforços, sendo oferecidas 14 tipos de vacinas que protegem contra cerca de 20 doenças. Entre elas, estavam: poliomielite oral e intramuscular (paralisia infantil), rotavírus (diarréia), hepatite A e B, DTP, HPV, febre amarela, varicela e tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola). Ainda em 2020, uma nova vacina passou a integrar o Sistema Único de Saúde (SUS): Meningo ACWY, que protege contra meningite e infecções generalizadas, causadas pela bactéria meningococo dos tipos A, C, W e Y.
Já neste ano, no dia Mundial de Combate à Tuberculose (24 de março), a campanha contra a doença foi iniciada. O Ministério da Saúde considerou essencial retomar o controle da doença devido aos indicadores epidemiológicos, divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Nele, o Brasil está entre os 30 países com alta carga para a tuberculose, registrando 66.819 casos novos da doença no ano anterior, um coeficiente de 31,6 ocorrências por 100 mil habitantes.
Apesar de demonstrar uma queda em relação a 2019 - cuja incidência bateu 37,4 casos por 100 mil habitantes -, a OMS considerou a campanha prioritária para a prevenção da doença no mundo. O ministério divulgou também a campanha de comunicação institucional “Não fique na dúvida, Fique livre da Tuberculose”, alertando sobre a importância do diagnóstico precoce e o tratamento para a recuperação.
Campanha de vacinação contra influenza
No mês de abril, a campanha de vacinação contra o vírus da influenza (gripe) tornou-se um dos principais focos em São Paulo. Uma das iniciativas foi a parceria do Instituto Butantan com a Mauricio de Sousa Produções e com a Sanofi Pasteur.
A revista em quadrinhos “Vacinação, Vida e Saúde de Montão”, que conta com os personagens mais marcantes da Turma da Mônica, será distribuída para cerca de 320 mil alunos, até o 7º ano, na retomada das aulas presenciais. Além disso, em 561 escolas da rede municipal, serão disponibilizados 4 mil cartazes educativos para a conscientização da vacina.
O objetivo da campanha, segundo a Secretaria da Saúde, é reduzir as complicações e a mortalidade decorrentes do vírus influenza no público-alvo. Nesse período, as unidades de saúde também irão atualizar a Caderneta de Vacinação dos grupos de risco, para ofertar as demais vacinas do Calendário Nacional de Vacinação, como sarampo, febre amarela, pentavalente, poliomielite e rotavírus.
Calendário vacinal continua normal
Apesar do foco nas vacinas contra a Covid-19, outras campanhas imunizadoras importantes não perderam o seu espaço nos postos de saúde. É o que confirma Marco Menezes, agente de saúde na UBS da Vila Nova York, localizada na Zona Leste de SP. “O calendário vacinal de crianças e gestantes continua normal. No dia 12 deste mês, iniciou-se a imunização da gripe influenza (H1N1), para crianças de 6 meses a 5 anos, 11 meses e 29 dias. Gestantes, puérperas e trabalhadores da saúde também estão entre os primeiros a receberem o imunizante. Adultos, idosos e pessoas do grupo de risco serão vacinados somente na segunda fase da campanha, prevista para o dia 11 de maio”, explica o agente.
O profissional ainda indica um ponto de atenção: "Quem tomar a vacina contra a Covid-19 não pode ter recebido outro imunizante viral nos 14 dias anteriores.” Além disso, Menezes alerta que todas as vacinas administradas pelo SUS devem ser tomadas pela população, independente da pandemia. “Vacina é e sempre será muito necessária no combate aos vírus e doenças que estão sob controle no Brasil”, conclui.
Surto de dengue
Além das campanhas de vacinação que foram deixadas de lado pela população e pelos governos estaduais e federal, outras doenças caíram no limbo do esquecimento após a pandemia de Covid-19. O maior exemplo é a dengue, que por ano infecta cerca de 390 milhões de pessoas em todo o mundo, com as maiores notificações na América Latina (dados da Organização Pan-Americana de Saúde e da Organização Mundial da Saúde).
O Brasil é um dos países que mais colaboram com a grande notificação de casos, registrando grandes surtos da doença em 2013 e em 2016. Segundo dados da Instituição Médicos Sem Fronteiras, o agravamento de casos da dengue ocorre a cada 5 anos, especialmente em países latino-americanos e no continente africano. Atualmente, o país vive um novo surto de dengue, que surgiu durante a pandemia do novo coronavírus. Ao todo, foram notificados 1,5 milhões de casos de dengue, contudo, o Ministério da Saúde estima que o número de subnotificações, ou seja, de casos que não foram repassados, podem ser equivalentes ou maiores.
Como a dengue chegou ao Brasil?
O mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, é originário do Egito, na África, e acredita-se que ele tenha sido introduzido em outras partes do mundo, espalhando-se pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta, através de navios que traficavam escravos no período colonial. O primeiro caso de dengue no Brasil data do final do século XIX e foi registrado em Curitiba, no estado do Paraná e, em seguida, no início do século XX em Niterói, no estado do Rio de Janeiro.
A primeira transmissão da doença ocorrida no estado de São Paulo foi em 1987 nos municípios de Araçatuba e Guararapes, mas a primeira grande epidemia aconteceu apenas em 1990, tendo início próximo à região de Ribeirão Preto e disseminando-se para outras regiões do estado. A disseminação da dengue ocorre por meio do mosquito, que é o vetor da DENV ou DEN-1. O vírus, no entanto, possui mais três variantes, sendo a DEN-2, DEN-3 e a DEN-4, que circulam pelo Brasil, além de outros três tipos de doença, a chikungunya, a febre amarela e o zika vírus.
A dengue em números
O último grande surto de dengue no Brasil aconteceu em 2019, quando o país registrou cerca de 1,527 milhões de casos, com a região Centro-Oeste e Sudeste em destaque. Apenas em São Paulo, o número de pessoas infectadas pela doença foi de 442 mil, o maior de toda a região. Segundo o Ministério da Saúde, esse foi o maior valor registrado desde o início da série histórica em 1975. Assim como a média brasileira, a paulista esteve acima dos anos anteriores e o número de óbitos chegou a 754, sendo maior que o número registrado em 2017, com cerca de 185 mortes.
Em 2021, um novo surto de dengue ameaça o Brasil e o estado de São Paulo, com novos casos sendo notificados constantemente pelo Ministério da Saúde. Até a primeira semana de abril, o estado mais populoso do país já havia registrado uma média de 15 mil pessoas contaminadas pela doença. A Baixada Santista contabilizou neste mesmo período 1,3 mil casos de dengue e mais de 619 de chikungunya, um crescimento exacerbado em relação ao ano anterior, que fechou com 2.100 casos e 60 óbitos. Outras cidades do interior relataram um número bem maior, como Tatuí, cidade localizada a 125 km de São Paulo, que registrou no início do mês mais de 10 mil casos.
Surto de dengue em Tatuí
No ano de 2019, a cidade de Tatuí (SP) registrou apenas 59 casos de dengue e em 2020 o número já foi maior, sendo registrados 342. Atualmente, foram diagnosticadas com a doença 15.298 pessoas, sendo o pior surto de dengue da história da cidade. Os casos de dengue ultrapassam até mesmo os registrados pela pandemia da Covid-19 na cidade, cujo total é de 10.254. O dengário de Tatuí, localizado na Santa Casa de Misericórdia, foi desativado no final de março devido ao avanço da pandemia. É o município que mais notificou casos da doença no Estado de São Paulo.
Segundo a prefeitura da cidade, esse surto de dengue tem interferido no combate ao coronavírus. Em março, o Executivo remanejou funcionários da UBS rural para outras unidades de saúde do município, com o objetivo de ajudar no combate à pandemia e também à dengue. A princípio, a dengue ficou em segundo plano no município, devido à pandemia. Porém, ao registrar mais de 15 mil casos, a prefeitura decidiu decretar estado de emergência na cidade por 90 dias.
Com o dengário fechado e a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e o Pronto Socorro atendendo apenas casos suspeitos de Covid-19 – com espera de até 4 horas para ser atendido -, os testes de dengue estão sendo feitos apenas nas UBSs. Ao receber o resultado do teste, que sai em poucos minutos, a pessoa infectada já é atendida por um médico que irá receitar os remédios que poderão ou não ser tomados, além de receber todas as medidas que devem ser seguidas, até a recuperação da doença.
Na cidade de Tatuí, o tratamento para dengue não faz distinção de classes. Apenas os postos de saúde fornecem os testes e passam o tratamento adequado. Locais com menor higiene sanitária acabam ajudando na proliferação do mosquito transmissor, sendo essa a única diferença entre classes sociais. Bairros cujos moradores têm poder aquisitivo maior possuem uma melhor infraestrutura.
A doença, no entanto, tem sintomas mais ou menos intensos, dependendo da idade da pessoa infectada. Pessoas mais velhas tendem a sentir as dores e os sintomas da dengue por mais tempo, enquanto pessoas mais novas sentem por menos tempo e de forma menos intensa.
Existe ainda a possibilidade da pessoa ter um duplo contágio: dengue e Covid-19. Foi o que aconteceu com a analista de compras Tânia Queirós, de 50 anos, que procurou a UBS de Tatuí após apresentar os sintomas do que acreditava ser o novo coronavírus. Contudo, o diagnóstico foi outro: estava com dengue. Seu caso, no entanto, era distinto dos demais. Após realizar um teste para Covid-19, Queirós recebeu o resultado positivo. “Me bateu um pouco de desespero, devido aos contatos que tive antes de começar os sintomas.” Ela relata que nos primeiros três dias, os sintomas se assemelhavam apenas com os da Covid-19, porém, após 3 dias, fadiga, coceira e diarreia intensificaram seu quadro e deixaram visíveis as manifestações da dengue em seu organismo.
A estudante Julia Santos, de 18 anos, não se assustou quando seu teste para dengue deu positivo. Quando começou a apresentar os sintomas, ela conversou com sua tia que é enfermeira e a mesma explicou os possíveis agravantes da doença, provocando nela os primeiros sinais de preocupação. Julia disse que em nenhum momento achou que fosse Covid-19, visto que não apresentou nenhum problema respiratório. Os sintomas da estudante foram febre, pintinhas vermelhas pelo corpo, dor de cabeça e dor no corpo, durando apenas uma semana. Julia relata: "Os três primeiros dias foram os piores, tive febre muito alta, muita dor no corpo e de cabeça.”
Para Tânia Queirós, o governo precisa intensificar o combate ao novo coronavírus e também à dengue, abandonando questões políticas e focando no bem-estar da população, garantindo acesso à saúde e a manutenção de empregos. Julia ainda acrescenta um ponto que acredita ser fundamental no combate dessas doenças: a participação da população.
De acordo com uma Fiscal de Vigilância que preferiu não ser identificada, “a Secretaria Municipal de Saúde vem trabalhando incessantemente para o combate e prevenção das doenças, como vacinação, limpeza de quintais e terrenos, nebulização, montagem de gripário (para agilizar o atendimento a pacientes com suspeita de Covid), teste rápido para dengue em todas as UBSs, intensificação nos trabalhos de prevenção e fiscalização (inclusive aos finais de semana e feriados).” Porém, a nebulização que deveria ocorrer em todos os bairros, ainda não aconteceu na maior parte da cidade.
Segundo a Fiscal, o Sistema Municipal de Saúde possui setores distintos para a Covid-19 e para a dengue.“O Setor responsável por contabilizar os infectados por dengue é a Vigilância Epidemiológica de Tatuí, e não há registros de óbitos pela doença até o momento.” Contudo, segundo o Cartório de Registro Civil de Tatuí, já foram registrados óbitos pela doença na cidade.