Por Luana Galeno
São Paulo estava quente na tarde de sexta-feira. O calor pedia uma cerveja para refrescar, e o bar Sirigoela, localizado no bairro do Bixiga, tinha a mais gelada possível. Ainda no entardecer, Alexandre Alves sentou-se para conversar. De cara, revelou seu objetivo como um dos donos do bar: querer fazer do Sirigoela a melhor casa de samba de São Paulo. As estratégias já estão traçadas, e uma delas é abraçar a comunidade LGBTQIAPN+.
A mensagem é passada de forma clara. Na parede final do corredor aberto que segue para os banheiros, pode-se ver as diversas cores em retas paralelas que criam a bandeira do orgulho. Um ponto de cor em meio às paredes pretas do grande cubo que é o espaço do bar. Ao olhar de fora, em um movimento panorâmico, é possível ver a churrasqueira sendo montada em frente à calçada, revelando a intuição de casa cheia, tão cheia que transborda e derrama público pela rua. À esquerda, a geladeira cheia de cervejas de diferentes marcas dificulta a visão do íntimo do bar, e ao seu lado um grande caixote de gelo também repleto de garrafas confirma a preparação para um ‘sextou’ em grande estilo.
Olhando por cima do ombro de Alexandre, observa-se também uma parede de lambe-lambes com diferentes mulheres históricas, entre elas um com palavras simbólicas para o local como axé, empatia, respeito, amor e resistência. O complemento da decoração da parede é um neon em formato de seta junto à frase ‘sala secreta’, piada interna dos donos com uma porta “para lugar nenhum”, já que não abre.
Tiago Crispim, o segundo sócio do local, não tem um ar de dúvidas quando fala do seu carinho pelo bar. A confiança de liderar hoje o local onde já trabalhou toma conta de seu discurso enquanto conta a história de desafio do estabelecimento. O locador do local pediu o espaço onde era o Sirigoela, mas foi a comunidade LGBT+ que manteve o comércio vivo. Após a nota de fechamento, foram compartilhadas novas localidades possíveis. Então, após todos os trâmites de mudança, a comunidade esperava ansiosa pela reabertura de seu lugar de acolhimento em meio à música.
Mais tarde, sentado no mesmo lugar, Gustavo Reis, vocalista da banda Sambixas, compartilharia um pouco mais sobre o grupo que toca em sextas intercaladas no Sirigoela. Nascer e crescer rodeado de samba, já que sua família tinha uma casa própria, foi sua principal inspiração para a criação do Sambixas. Motivados pela nostalgia, a proposta do conjunto é resguardar o samba e o pagode dos anos 90, mas adicionam a inclusão da comunidade LGBT em seus objetivos. Mais do que uma banda, o Sambixas tocando é um refúgio onde o samba conecta e celebra a pluralidade de identidades.
O público abraça a proposta. Ao observar a rua cheia de pessoas por volta das 21h00min, afetos entre o mesmo gênero acontecem a céu aberto, sem nuvens ou qualquer movimento que encubra o verdadeiro sentimento pela música e pelo outro semelhante. Passinhos curtos movimentam o corpo em um balanço ritmado, enquanto o braço feminino abraçava o corpo de outra mulher. Gustavo, ao fundo, cantava "Trem das Onze", originalmente de Adoniran Barbosa, e o público diverso acompanhava a plenos pulmões que a perda do trem não era uma opção.
"Um Samba No Bixiga", também de Adoniran Barbosa, não se dá por acaso. O bairro já é reconhecido como lar do ritmo em São Paulo, consagrando inclusive a escola de samba Vai-Vai. Então, quando em 2023 o Sirigoela foi reaberto após a mudança de diretoria, não havia dúvidas sobre qual seria a harmonia exalada pelas caixas de som de alta qualidade do local na rua Treze de Maio. Pensar na história do bairro e sua cultura ligadas a preconceitos nos faz identificar com clareza a particularidade que justifica todo o sucesso do bar.
Embora o samba seja uma das expressões culturais mais importantes do Brasil, suas raízes têm origem em uma história de sexismo e homofobia. O gênero tem sido tradicionalmente associado a ambientes dominados por homens, como rodas de samba e escolas de samba, que muitas vezes perpetuam valores que reforçam a hegemonia masculina e excluem pessoas LGBTQIAPN+. As letras de muitas músicas e a dinâmica desses espaços reforçam a ideia de que o samba é um campo restrito, e qualquer expressão de diversidade é vista como uma ameaça à “pureza” do ritmo. Durante décadas, essa exclusão resultou no silenciamento de muitos talentos e vozes importantes, impedindo que o samba refletisse toda a pluralidade da sociedade brasileira. É nesse contexto que o Sambixas surge como uma forma de resistência e inclusão, questionando essas barreiras e proporcionando um espaço onde todas as identidades podem se expressar livremente.
Ao observar o público, era nítida a confiança de estar entre os seus. Em uma noite de calor, a multidão não assustava. Enquanto muitos conversavam, bebiam e balançavam o corpo em um movimento contínuo no ritmo da música, casais de todos os gêneros se juntavam em meio a abraços, curtos beijos e sorrisos. Thiago sabe especificamente quem os atende e confirma que a comunidade LGBT é seu público e a quem devem se preocupar, já que as outras pessoas vêm como consequência pelo fato de fazerem um bom trabalho.
Tamanha confiança também é compartilhada com Gustavo, que termina sua apresentação com um sorriso de orelha a orelha, diretamente para a fila do espetinho. O pioneirismo da banda é reconhecido por todos ao seu redor que o cumprimentam e parabenizam. Ele também acredita que o samba ainda tem muito a se transfigurar e se atualizar, mas que, para eles, esta não é uma barreira. Eles estão prontos para confrontar quem quer que seja para que gays, lésbicas e todas as orientações sexuais tenham seu lugar no samba, sendo exatamente quem são, mantendo vivas suas próprias identidades.