Por Lucas Martins
A tarde estava chuvosa, a água batia na cobertura do Palácio 9 de Julho, mas não fazia mais barulho do que os manifestantes que estavam na porta da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dentro do Plenário Juscelino Kubistchek, os deputados e deputadas estaduais chegavam um. Os progressistas sentavam à esquerda do presidente da Casa, Carlão Pignatari, e os conservadores, à direita, enquanto a base governista se espalhava pelas fileiras do fundo e se acomodava nas cadeiras verdes acolchoadas.
Nas galerias, diversas categorias de servidores públicos, que carregavam faixas e bandeiras, aguardavam inquietos o início da votação da reforma da previdência estadual quando o deputado Frederico D'Ávila, em processo de afastamento por ataques à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, apontou as mãos em formato de arma para eles. A atitude do parlamentar foi como um fósforo em um barril de pólvora, que gerou uma explosão na ala dos manifestantes.
Mais tarde, um dos eventos mais marcante da história da Alesp aconteceu. Durante o seu discurso, o ex-deputado Arthur do Val, que renunciou e amargou uma cassação de mandato em votação no plenário após ter áudios sexistas vazados, chamou os sindicalistas presentes de "vagabundos" diversas vezes, enfurecendo Teonílio Barba, que partiu para cima de "Mamãe Falei". Esse foi o momento em que tudo se inverteu e a base governista criou uma falsa narrativa. Os manifestantes, que estavam sendo agredidos pelo projeto que era votado, se tornaram os agressores . Por volta da primeira hora da madrugada, o gesto de Frederico D'Ávila fez mais sentido do que nunca. A reforma da previdência estadual havia sido aprovada. Um tiro na perna dos servidores, que saíram aleijados, mas sem saber que era apenas um começo de uma série de ataques promovidos pela gestão de João Doria.
Em 2021, o Executivo lançou mais uma proposta covarde ao Legislativo paulista. O Projeto de Lei complementar proposto buscava promover uma reforma administrativa ao acabar com diversos direitos dos funcionários públicos. O PLC foi a plenário em uma terça-feira de muito sol, quente como o clima que se instaurava nas galerias. Novamente os sindicatos mobilizaram diversos manifestantes para lutar contra mais um ataque. Durante as falas que apoiavam a proposta, a líder do Partido dos Trabalhadores na Alesp Professora Bebel fazia círculos com as mãos, um comando para que todos virassem de costas e ignorassem as atrocidades que eram faladas.
Entre os discursos na tribuna, a oposição contava os parlamentares presentes no local. Constatado um baixo número de governistas, era pedida verificação de quórum. Os deputados do campo progressista, juntamente com os conservadores da extrema direita, corriam para as portas do plenário e se escondiam do olhar atento de Carlão Pignatari, que queria levar mais um troféu para Doria e receber um tapa em seu topete.
A técnica de obstrução não funcionou. Os capangas do Executivo, como eram chamados os deputados da base do então governador com suas emendas parlamentares liberadas, mantiveram o quórum necessário. Ao final da sessão extraordinária, um silêncio reinou. Luto pelo funcionalismo público, que já estava mancando, e naquele momento foi ao chão. A sequência de cruzados que levou os servidores à lona não foi ocasional. O plano de Doria estava escrito, desde o começo, e ficou explícito em sua última reunião com parlamentares da Alesp, realizada mensalmente durante seu mandato, para que as estratégias da base fossem definidas.
O Secretário da Casa Civil, Cauê Macris, presente no encontro virtual, questionou em tom amigável o líder do governo na Assembleia Legislativa o porque de eles não estar nos gabinetes articulando com outros parlamentares para que a cartada final de Doria fosse aprovada em plenário. Cercado em grandes árvores em uma praça de Marília, Vinicius Camarinha riu, e disse que já estava tudo certo para que o tucano presidenciável deixasse seu cargo em paz.
O último ato de Doria seria tentar ganhar de volta o funcionalismo público com projetos de revalorização salarial. Porém, os servidores mostraram que não tinham memória curta. Através de seus óculos sustentados por uma fina aração, José Gozze assistiu à votação das duas reformas e à diversas outras lutas. Cercado por bandeiras de sindicatos que já participou ou presidiu, e quadros com líderes progressistas, ele condena todos os passos de Doria, da prefeitura ao governo. Ansioso, ele mostra suas conversas com diversos movimentos, destacando as articulações feitas para derrubar os recentes ataques feitos pelo Executivo. Além disso, em seu caderno com adesivos de diversos partidos de esquerda colados, ele lê os dados inflacionários dos últimos dez anos, condenado a esmola oferecida por Doria em forma reajuste salarial.