Por Bianca Novais
No extremo Leste da cidade de São Paulo, a professora Ana Clara, de 34 anos, tem espaço para falar de suas próprias raízes dentro da disciplina de história. Mulher preta, periférica, acadêmica e umbandista médium, a inclusão é o cerne de suas aulas. Ela sublinha a representatividade no ensino da história da África e da sociedade afro-brasileira, afirmando que é essencial que a juventude conheça suas raízes e tenha orgulho de sua identidade. Ao mesmo tempo, que jovens de origens não-negras também vejam valor e beleza nessa cultura, que abrange arte, moda, música e, também, religiões.
Em sua prática religiosa, Ana Clara tem uma rotina de rituais particulares e em grupo no terreiro que frequenta desde a infância, na mesma região da cidade. Alguns desses rituais requerem o uso de vestimentas específicas, sempre de cor branca. Ela recorda que, na adolescência, passou por um episódio violento de racismo religioso na escola, em que uma colega branca arrancou o turbante branco que usava por estar de preceito e lhe disse que aquilo era coisa do diabo - um conceito que nem ao menos existe nas religiões afro-brasileiras.
Ana Clara se lembra do episódio, não com rancor, mas como uma ilustração da importância da Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em todas as escolas do País, do ensino Fundamental até o Médio. Para ela, essa é uma estratégia para a valorização da cultura negra e para o combate ao racismo. Ao incluir a temática no currículo escolar, ela acredita que a sociedade pode desconstruir estereótipos e promover a igualdade racial. Para os praticantes de religiões de matriz africana, especialmente, a lei contribui para a visibilidade e o respeito às crenças.
Com bonecos feitos de crochê, ela conta a seus estudantes do segundo ano do Ensino Fundamental sobre a criação do Universo segundo a mitologia do povo yorubá, principal etnia em que as religiões de matriz africana no Brasil se enraízam. À noite, sentados em roda, o assunto é o mesmo com os adolescentes do primeiro ano do Ensino Médio, mas a mestre tem nas mãos um exemplar do quadrinho O Conto dos Orixás, de Hugo Canuto. Em sua dupla jornada profissional, Ana Clara usa linguagens diferentes para passar a mensagem da maneira mais adequada para os alunos, conforme previsto na Lei.
De âmbito federal, o dispositivo visa incluir a África e a contribuição africana para a cultura e para a sociedade brasileira em todos os currículos da educação básica, em uma estratégia franca de combate ao racismo em suas diversas frentes, especialmente a religiosa. Neta de uma yalorixá (sacerdotisa feminina da religião, ou mãe de santo), Ana Clara diz que sua base sólida sobre a importância do respeito e do amor ao próximo veio através da Umbanda, mas que não são princípios exclusivamente religiosos, mas também cívicos, que cabem na laicidade do Estado e do ensino público.
A teoria é otimista, mas a prática nem tanto. A aplicação da lei tem sido um processo gradual e desigual, segundo Ana Clara. Muitas escolas já incorporaram a temática afro-brasileira em seus projetos pedagógicos, ela conta, mas ainda há muito a ser feito. Sua principal preocupação é com a formação dos professores; é preciso que eles estejam preparados para abordar esses temas de forma crítica e reflexiva, e que as escolas ofereçam materiais didáticos adequados. Para além dos muros das escolas, o desafio é ainda maior.
A professora não se esquece que a formação dos estudantes é dentro e fora da sala de aula. Para ela, a resistência de alguns setores da sociedade, que ainda veem a cultura africana com preconceito, também é um obstáculo a ser superado. Ela menciona um episódio em que precisou receber um pai de um aluno do ensino fundamental, depois do horário da aula. O homem evangélico a confrontou sobre "ensinar macumba na aula para as crianças". Em uma longa e difícil conversa, com presença da diretora da escola, Ana Clara explicou ao pai sobre a Lei 10.639 e seu objetivo pessoal de promover o respeito à diversidade e de combater o preconceito. Também tomou a oportunidade para falar dos pilares da própria religião quando notou que conseguiu uma abertura com o homem, contando sobre como a Umbanda valoriza a família, a comunidade e a natureza. Ela notou que não mudou completamente a opinião do pai, mas percebeu que plantou uma semente de reflexão sobre o assunto.
O apoio que Ana Clara tem de sua diretora é cotidiano. Toda a administração da escola abraça a importância do ensino anti-racista e decolonial em acordo com a Lei, buscando capacitar todos os professores, adiquirir materiais didáticos para os alunos e apoiar projetos extra-classe, como excursões e eventos temáticos. O desafio é maior primeiro pela falta de verba e segundo pelo horário das aulas, que dificulta a realização de atividades extensas e fora da sala de aula.
Perto da confiança quase inocente que Ana Clara tem no futuro, esses obstáculos na luta anti-racista parecem pequenos. Com fé em Iansã, Orixá que rege seu Orí - cabeça, em yorubá -, ela conta com ânimo que a crescente conscientização sobre a importância da diversidade cultural pode fazer com que cada vez mais escolas valorizem a história e a cultura afro-brasileira, promovendo uma educação e uma sociedade mais justa e inclusiva, onde o orgulho das próprias raízes pode ser valorizado.