Dentre os 34 vereadores do município de Guarulhos, 15 parlamentares disputam vagas a outros cargos políticos. Desse número, cinco pleiteiam as vagas da Câmara dos Deputados em Brasília e dez são candidatos a ocuparem as cadeiras da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
De acordo com a plataforma de divulgação de candidaturas e contas eleitorais no site do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a média da idade desses candidatos é 51 anos e a média de carreira política de cada um é de 11 anos. Dentre eles, 80% acumulam tempo de atividade igual ou superior a dez anos, apenas os vereadores Welliton Bezerra (PRTB) e Jorginho Mota (Agir) tem dois anos na Câmara Municipal.
Ademais, quatro dos dez parlamentares já foram suplentes de deputados estaduais ou federais. A candidata Janete Pietá (PT), por exemplo, foi suplente de deputado federal em 2014, ainda pelo PT, e foi eleita como deputada federal pelo mesmo partido em 2010.
Vereadores querem ampliar atuação política
O vereador Jorginho Mota, 45, é candidato a deputado estadual pelo partido AGIR. Eleito em 2020 pelo PTC, Jorginho se tornou o primeiro parlamentar autista do país. Mesmo estando na metade de seu primeiro mandato, o vereador contou que decidiu se candidatar a deputado para ampliar sua atuação política.
“Eu me postulei a parlamentar para lutar pelas crianças com necessidades especiais e o que eu percebi foi que como vereador a minha atuação é muito restritiva”. Segundo o candidato, os projetos de leis aprovados pelos vereadores têm uma grande restrição e, apesar fiscalizarem o poder executivo, os vereadores não conseguem apontar direcionamentos para essa instância e nem podem trazer dinheiro para o município pela falta de emendas.
Jorginho Mota destaca que a decisão de se candidatar a deputado também surgiu por conta de sua palestra “Autismo: um caminho de possibilidades”, que ministra em algumas cidades do estado de São Paulo. Nessas ocasiões, Jorginho afirma que pessoas de outras cidades sugeriram que ele ampliasse sua atividade por todo o estado: “Por que eu vou ficar aqui em Guarulhos sendo que eu tenho uma grande oportunidade de subir mais um degrau e poder ajudar mais pessoas?”, indagou o vereador.
Vereador desde 2008, Edmilson (PSOL), 50, também é candidato a deputado estadual. Em 2018, pelo PT, atuou como suplente de deputado estadual e decidiu se candidatar este ano a uma das cadeiras da Alesp para contribuir com as pautas do movimento negro e dos direitos humanos. “Temos deputados que se elegem com arma na cintura, logo, nós vimos a necessidade de apresentar esse contraponto na Assembleia Legislativa”, discorreu o parlamentar.
O candidato do PSOL afirma que é habitual que o eleitorado questione a mudança de cargo: “é óbvio que às vezes as pessoas falam ‘pô, você tá com um bom trabalho aqui na câmara municipal. Vamos perder um bom vereador’”, mas Edmilson ... Vou continuar com meu papel parlamentar, vou deixar de ser vereador mas serei deputado estadual. A gente amplia e dá voz às lutas localizadas.”
A prática divide opiniões
A manobra política de se candidatar a novos cargos políticos no meio do mandato é comum ao redor de todo o país, no entanto, divide pontos de vista de especialistas e da opinião pública.
Para Luciano Caparroz Pereira dos Santos, especialista em direito penal, um dos autores da lei da ficha limpa e diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, a manobra política é oportunista, uma possibilidade de fazer “campanha para vereador antecipada” com dinheiro público, “o que é mais grave sobre isso tudo”, comenta.
O jurista vê que o problema está nos cargos políticos serem considerados profissões, não exercícios de cidadania. “Quando isso vira uma profissão, é um político profissional que vai disputar todas as eleições e tentar ocupar todos os espaços possíveis”, explica o jurista. “Por isso você tem parlamentares que estão a trinta anos na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas, na Câmara de vereadores, quando, na verdade, deveria ter uma a alternância no poder".
De acordo com Caparroz, o orçamento e sua execução não cabem ao legislativo e essa prática tem levado, em alguns casos, a esquemas de corrupção. “As emendas parlamentares são uma excrescência do sistema. Elas interferem no orçamento e na execução de políticas públicas do estado e da união, (...) a função do vereador é fiscalizar o executivo e isto não tem nada a ver com emendas”.
Para os cientistas políticos Rodrigo Galo e Maria Socorro, por outro lado, essa mudança de cargo não é anormal e faz parte do jogo político: “Esse não é o tipo de situação muito incomum, existe uma repetição disso, em diversos contextos eleitorais, então necessariamente não é nenhum segredo, já que o sujeito que detém um certo cargo eletivo, como cargo de vereador, olha para uma nova eleição e traça uma nova estratégia para carreira política” declara Galo.
Maria cita que, normalmente, o cargo de vereador é a porta de entrada para a carreira na política partidária: “No caso do vereador, ele está tentando ter uma trajetória política” a cientista acredita que a ambição é uma das fortes motivações que leva a troca de cargo: “A teoria da escolha racional vai explicar que cada indivíduo tem sua ambição. Nós lutamos por altos cargos na hierarquia, isso em qualquer estrutura organizacional”.
O cientista e professor corrobora com Socorro sobre a questão da motivação por ambição e adiciona que a política é orientada pelo poder. Salienta que a decisão dos vereadores em trocar de cargo não é tomada de um dia pro outro, é planejada e tem forte ligação com popularidade do parlamentar na aérea em que atua.
Socorro esclarece que a migração de cargos é algo que acontece em todas as esferas, dependendo somente das perspectivas de oportunidade que as organizações oferecem: Não é só no campo da política, vemos isso no campo das várias outras organizações, exército, forças armadas, igrejas, dentro das universidades, ou seja, a gente sempre tem que olhar para as estruturas das oportunidades que essas organizações incentivam”.
Para Rodrigo, a migração de vereadores para outros cargos causa um desfalque e impacta na representatividade do município: “faz com que haja uma mudança da configuração interna da própria casa legislativa. Esses vereadores que deixam os cargos serão substituídos por seus suplentes e o eleitor não foi a urna para votar no suplente, ele escolheu o vereador que o representaria.”
Durante o período oficial de campanha, candidatos ainda recebem seu salário de vereador normalmente, “usam todo o aparato do Estado, da sua equipe e da sua estrutura para fazer campanha”, afirma Caparroz. Além disso, muitas das sessões do plenário são suspensas nesse meio tempo, permitindo se que os vereadores se engajem em alguma campanha.