No começo deste ano, a capital paulista enfrentou chuvas que novamente provocaram dificuldades de deslocamento para a população. Apenas no primeiro trimestre de 2023, os milímetros de água ultrapassaram a quantidade prevista pelos cálculos de manutenção das rodovias. Em fevereiro, a rodovia Régis Bittencourt ficou 26 horas interditada por conta de alagamentos. De acordo com especialistas, apesar das medidas emergenciais de contenção e redução de riscos, o problema só pode ser resolvido com grandes construções, o que pode levar mais de trinta anos.
Para o arquiteto urbanista Ciro Pirondi, o processo para a resolução dessas crises pode levar no mínimo três décadas por conta da proporção e complexidade das obras. “São três décadas porque na primeira seria a reestruturação, na segunda a reconstrução e na terceira a readaptação das rodovias. Pensando, claro, de forma muito otimista”, disse o especialista.
Pirondi também considera que seria necessário uma colaboração entre governos federais, municipais e mídia, uma vez que seria necessário investir em ações de conscientização sobre desvios de rota e redução do uso de automóveis. "Pensar em remediar é não querer resolver, porque não tem mais jeito, é preciso um planejamento urbano. E, então, sim, conseguiríamos pensar na resolução desse problema em três ou quatro décadas. Do contrário, só um centenário resolveria”, afirma.
Um dos problemas urbanos que afeta a vida da população na cidade de São Paulo é a ocorrência de enchentes, que provocam estragos que envolvem perdas materiais e, em alguns casos, até de vidas. “Faço um trajeto pela Régis Bittencourt, para levar meu filho à fisioterapia. É impossível de desviar, e é um trecho que sempre alaga. Quando chove já sabemos: vai alagar”, diz Laís Ferreira, de 29 anos.
A esteticista conta que em um dia de tempestade na cidade, teve seu carro alagado em um trajeto diário, “a sorte é que saímos do carro antes da chuva piorar, quando voltamos o carro estava praticamente todo cheio de água na parte da porta, completamente alagado”, revela.
No primeiro trimestre de 2023, foram relatados cerca de 90 pontos de alagamentos em diferentes estradas da grande São Paulo. Em entrevista, Paulo Valladares, professor de geografia da Unesp, afirma que os mecanismos que a engenharia usa para remediar as enchentes, não são mais viáveis se pensados apenas a curto prazo. Na mesma linha, o engenheiro civil Gabriel Pedroso, professor de Transporte e Rodovias, reflete que os problemas "acabam sendo um pouco de tudo: carros, chuva e estrutura desestabilizada". Para ele, os exemplos dos piscinões não são mais eficazes.
Piscinões são alternativas para controle de enchentes urbanas, eles permitem manobrar os volumes de chuva pelo controle das vazões que entram e saem de suas estruturas. Como o problema é atemporal na cidade, Pedroso defende que as autoridades responsáveis pelo monitoramento devem pensar de forma prioritária no mapeamento das áreas de risco. “A primeira coisa a se fazer é o levantamento das áreas com potencial de alagamento, erosão, escorregamento e assim por diante”.
“Muito ruim essa sensação de impotência que o alagamento traz, de você não saber o que fazer, de ficar ilhado ali sem nenhum resguardo, ainda mais que eu estava com criança. A gente esperou, depois consegui ligar o carro e voltamos para casa”, relata a esteticista Laís Ferreira.
Trânsito pelas rodovias marginais é o mais afetado
Dado a zona central, a mobilidade urbana foi pensada e adaptada para rodovias, que ficam às margens dos rios. O professor Pedroso afirma que essa configuração apresenta problemas particulares, pois, "essas áreas mais planas, feitas com o rio cimentado, facilitam todo o trabalho preliminar para a construção das vias. Mas, como nas laterais construímos estradas, de época em época, esses são os principais pontos de inundação”.
Além das chuvas que atingiram a região no começo do ano, Pedroso explica como a quantidade de água por milímetro tem ultrapassado os cálculos feitos por pesquisadores da área, o que torna imprevisível certos acontecimentos, e causa enchentes. "Esse calcanhar de Aquiles dos alagamentos e das catástrofes aqui na cidade também teria que ter ações do governo do Estado a fim de minimizar os impactos", diz o engenheiro.
O geógrafo Bruno Cândido afirma que parte dos acontecimentos poderiam ser evitados com um maior investimento em estrutura e a descentralização dos transportes rodoviários. De acordo com o pesquisador, pensar em manter esse mesmo modelo pode causar mais danos, porém, seria inviável reconstruir todas as rodovias da cidade.
Os especialistas também apontam que as mudanças climáticas têm um papel fundamental para as enchentes e alagamentos, e na visão do professor da Unesp, Paulo Valladares, a cidade precisa barrar construções em áreas frágeis e criar projetos de desimpermeabilização para facilitar a drenagem da água. "Uma outra possível solução, seria criar rotas alternativas, mas não deslocar a Marginal, isso é impossível. O que a gente tem que pensar são ações de conservação para restaurar o entorno da rodovia", completa o engenheiro Gabriel Pedroso.
A capital paulista, tem o Tietê como um dos principais rios que cortam a cidade, ele possui 53 bombas sob responsabilidade do Daae (Departamento de Águas e Energia Elétrica), pertencente ao governo do Estado.
A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB), que teve Ricardo Nunes (MDB) como sucessor, afirmou no último ano que aumentou em 54,1% o número de piscinões da cidade — de 24 para 32 unidades. Para este ano, está previsto investimento de mais de R$ 20 milhões para ações, especialmente no Alto Tietê.
O que dizem as autoridades
Em nota ao site, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística afirmou que o Governo de São Paulo têm realizado medidas complementares para auxiliar no combate às inundações. Dentre as citadas no texto, se inclui o desassoreamento de 62 quilômetros do Rio Tietê e Pinheiros.
A Secretaria também disse que também existem “ações para contenção de margens e plantio de mudas”, mas sem explicar em mais detalhes. Ainda de acordo com o comunicado, na Marginal Tietê são mantidos 12 conjuntos de pôlderes, estruturas hidráulicas que atuam no controle de enchentes. Para os especialistas consultados na reportagem, essas ações são importantes, no entanto, ainda são necessárias outras medidas. “Esse tipo de ação é paliativo, apenas. Para chuvas com volumes pequenos ou ligeiramente maiores”, explica Bruno Cândido.