Por Beatriz Brascioli
Um simples lapso de atenção foi o motivo para a autoria de um atropelamento envolvendo Cláudio Augusto, mais um motorista de ônibus que vive o estresse cotidiano na metrópole paulistana.
No ritmo acelerado das cidades, é fácil esquecer quem está por trás do volante. Entre buzinas, buracos no asfalto e o vaivém incessante das ruas de São Paulo, os motoristas de ônibus conduzem não apenas passageiros, mas também suas próprias histórias de resistência e desafios. Por trás do painel, há vidas marcadas pelo estresse, pela sobrecarga e pela sensação de invisibilidade.
Cláudio Augusto Esteves é um exemplo dessa realidade. Com mais de três décadas de experiência como motorista de ônibus, ele viu a profissão se transformar – e não necessariamente para melhor. “Eu não escolhi ser motorista, foi a profissão que me escolheu”, reflete, com um misto de resignação e paixão. Começou como cobrador, mas logo passou a dirigir. E, ao longo dos anos, acumulou não só quilômetros percorridos, mas também cicatrizes emocionais e memórias de situações-limite.
A rotina de Cláudio é bastante cansativa, dorme tarde e acorda cedo para atravessar ruas escuras e perigosas rumo à garagem. Antes de iniciar a jornada, realiza uma checagem minuciosa do ônibus, conferindo portas, motor, freios e combustível. A responsabilidade é silenciosa, mas imensa: cada passageiro que embarca depende do seu cuidado e atenção. A partir do momento que o ônibus passa pelo portão, toda responsabilidade é dele.
As mudanças impostas pela SPTrans, empresa responsável pelo transporte municipal, afetaram diretamente a rotina dos motoristas. E relatou com bastante indignação e raiva. A linha 217C/10, que Cláudio opera entre o Parque Vila Maria e o Terminal Princesa Isabel, já teve nove veículos antes da pandemia, hoje, são apenas sete, e o número de viagens caiu de sete para três por dia, por conta do trânsito e da reestruturação de custos.
Com a justificativa de redução de despesas, os benefícios foram cortados. O tempo de almoço, antes remunerado, agora é descontado, e o descanso de meia hora se transformou em uma pausa improvisada dentro do próprio ônibus ou em espaços pouco adequados nos terminais.
E como se não bastasse o desgaste físico e mental, há o estresse acumulado por situações-limite. Um episódio marcante foi o atropelamento de um usuário de drogas no ano passado. Cláudio prestou todos socorro imediato, mas a culpa o consumiu. Pensou que tivesse acabado com a vida dele. Felizmente, o homem sobreviveu. No entanto, o trauma e o medo ficaram, no modo de desabafar percebe-se que um trauma psicológico e sem nenhum suporte da empresa.
Outro choque foi quando foi assaltado dentro do ônibus e perdeu o crachá de identificação. Horas de trabalho foram perdidas em uma delegacia, e mais uma vez, ele se viu desamparado. O sistema, ao que parece, enxerga os motoristas como peças substituíveis, sem considerar o impacto humano dessas experiências.
O peso da profissão não se resume ao cansaço mental, tem o físico também. A escala 6x1 e a rotina exaustiva angustiam a convivência familiar e o bem-estar. Feriados e datas comemorativas, como Natal e Ano Novo, são muitas vezes passados atrás do volante, invisíveis para quem utiliza o transporte público. Cláudio diz com os olhos brilhando que o ato de dizer bom dia aos motoristas faz toda a diferença na vida deles, dá a eles um sentimento de respeito e importância no trabalho. A realidade que ele descreve não é isolada. Motoristas e cobradores enfrentam o desafio de manter a cidade em movimento, mesmo diante da falta de reconhecimento e valorização.