As eleições de outubro bateram o recorde no número de policiais e de oficiais de forças de segurança para disputar cargos políticos. Segundo o levantamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, foram mais de 1,8 mil candidatos registrados, o que representou um aumento de 27% em relação ao pleito anterior. Sendo impulsionados pela pauta de segurança encabeçada por Bolsonaro e a esperança de assegurar mais direitos, os que concorrem veem como uma oportunidade de conquistar um cargo na política e de melhorar as condições de trabalho dos policiais.
O impasse policial
Considerada como uma das profissões mais estressantes do mundo, o policial passa por constante pressão psicológica, baixos salários e hostilização por parte da sociedade. Segundo o 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, houve 121 casos de suicídio entre policiais no Brasil, tendo um aumento de 55,4% quando comparado ao ano anterior. Em termos da média populacional, este número é quase oito vezes maior.
A constante exposição à violência, aliada ao elevado risco de morte e situações traumatizantes formam elementos que podem impactar diretamente a saúde mental dos policiais. Esses fatores podem torná-los mais vulneráveis, potencializando o surgimento de doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade; doenças que podem ser encaradas como sinais de fraqueza ou de falta de comprometimento profissional pela instituição.
O delegado Mario Palumbo, do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), terceiro vereador mais votado em 2020, diz que: “há fortes restrições na corporação, no nosso serviço você consegue resolver alguns problemas até certo ponto, além disso, só é possível resolver entrando na política”.
O policial não pode entrar em greve, sofre com casos de corrupção, falta de infraestrutura e fornecimento de equipamentos de segurança, não podendo protestar fora das normas da corporação. Por ter autonomia limitada para resolver essas situações, acabam aceitando as condições impostas.
Com muitos se sentindo sob pressão, observados e julgados pelas suas ações, Palumbo diz que os policiais se sentem desrespeitados pela população: “daqui a pouco vão pedir para gente servir um café para quem você vai prender”. Por ser um consenso entre grande parte dos agentes, torna-se mais fácil para os policiais se agruparem, “todos estão passando pelo mesmo perrengue”, conclui.
A falta de representatividade e apoio institucional, fez surgir entre os agentes um crescimento natural do interesse pela política, sendo visto como a única saída para buscarem os seus direitos trabalhistas. Somado a extrema direita no poder, que traz pautas sobre armamentismo civil e segurança pública, surge para os policiais o terreno propício para recorrerem aos seus direitos.
Troca de valores na participação política
Como principal ferramenta para alavancar votos, o uso das redes sociais são utilizadas para impulsionar a popularidade dos agentes, autopromovendo a sua imagem como um bom representante político para defender os direitos da categoria. No entanto, além de desejarem assumir o papel de representante dos policiais, os candidatos priorizam o seu interesse pessoal em conquistar poder e influência no campo político.
Segundo Fábio Vasconcellos, cientista político e doutor pela UERJ, o fator da violência funciona como uma estratégia dos policiais como bandeira eleitoral. Utilizando o seu serviço em campo para fortalecer a sua imagem política, muitas vezes de forma não ética e desrespeitando o código judicial. “Esses candidatos apresentam características em comum, o discurso radical e o fato de usarem das prerrogativas concedidas pela sua posição pública em benefício próprio”.
Os membros das forças de segurança têm uma vantagem maior na questão da sua representação midiática, pois além de falarem para os colegas de trabalho, conseguem alcançar a população, “eles utilizam de discursos populistas que a sociedade se interessa, dizendo que vão prender mais criminosos e impedir o tráfico de drogas”, diz Vasconcellos. Aplicando também a narrativa de arriscar a vida para proteger a comunidade, sendo estratégias que funcionam para o ganho de votos.
Esse fenômeno da transformação do policial em figura de herói está sendo formado há décadas, desde os programas policiais que cobrem o dia a dia dos agentes até mais recentemente com o surgimento de celebridades policiais. Mario Palumbo, que também foi protagonista do reality show “Operação de risco”, diz que muitos policiais estão utilizando o poder que possuem para ganhar popularidade nas redes sociais: “não sou contra as forças de segurança usando esses veículos para fazer propaganda política”. O delegado enfatiza que este é o único jeito de competir contra o poder que os políticos detêm.
O tiro pode sair pela culatra
A organização militar identifica como problemática a figura do policial herói e mais especificamente o policial celebridade, que utiliza do seu status e suas histórias como munição para os seus interesses políticos. O deputado federal coronel Glauco Marcolino, observa que: “essa glamourização também causa problemas no comportamento dentro da instituição, criando mais abertura para a manipulação de evidências e politizando uma organização que precisa ser apartidária”.
Marcolino diz que: “nos estados de São Paulo e Santa Catarina, está sendo discutido entre os oficiais como limitar a apropriação da figura do policial”. A figura citada pelo coronel é referida aos símbolos da corporação, - a arma, o uniforme, ou distintivo, os seus títulos e as suas ações feitas no campo - benefícios que podem facilitar a entrada para a carreira política.
O delegado Carlos da Cunha (MDB) é um exemplo de quem gravava as suas operações policiais - algumas foram encenadas - e publicava na rede social Youtube para aumentar sua popularidade. As atitudes forjadas do ex-delegado, somada às declarações contra integrantes da instituição acarretaram na sua demissão, mas o efeito da divulgação midiática rendeu a ele o cargo de deputado federal em São Paulo com mais de 181 mil votos.
Katia Sastre, do PL (Partido Liberal), também utilizou da própria imagem para alavancar votos, utilizando de um registro de câmera onde ela dispara contra um criminoso em reação a um assalto. Ao final de sua propaganda eleitoral, ela aparece fardada e diz: “Atirei, e atiraria de novo. Coragem eu tenho”.
A estratégia surtiu efeito, sendo eleita deputada federal com mais de 264 mil votos. Ao estimular o ato violento, Sastre aprofunda a violência social, legitimando expressões como: “bandido bom é bandido morto” e fomentando que o cidadão armado também tem o direito de se defender.
O Instituto Sou da Paz, também demonstra interesse na questão. Seu intuito é propor formas que o policial consiga se representar e ser ouvido politicamente, sem que a politização afete a instituição em garantir a segurança pública. O instituto apresenta em seu podcast “Policialismo - A sua segurança é pública”, possíveis soluções para limitar o aproveitamento da imagem do policial para os ganhos pessoais sem ser hostil com a corporação e o serviço que ele presta à comunidade.
Para tentar combater essa distorção da atividade policial e manter um equilíbrio entre as forças de segurança e o aparelho político, é sugerido pelos especialistas do instituto e as forças armadas um leque de opções, tais como: estabelecer um período de quarentena para o membro das forças de segurança antes de se inscreverem no ramo da política. Assim como uma maior regulamentação das mídias sociais pelos membros da corporação, impedindo a presença de elementos da instituição em campanhas políticas.
Como dito no início de todos os episódios do podcast: “o policial ou qualquer oficial das forças de segurança, tem o direito de ter os seus interesses representados na política e ter as suas vozes ouvidas como qualquer cidadão que atua dentro de um sistema democrático”. O problema surge quando indivíduos dentro da corporação se aproveitam da imagem do policial para ganho pessoal, prejudicando a credibilidade de ambas as instituições.
Alexandre Rocha, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que esse comportamento de fé no policial não traduz os sentimentos de segurança da corporação, seja ele parte da polícia ou da política nacional. Segundo ele, não há correlação entre aumento de popularidade nas páginas de serviço público com a popularização de policiais influencers, sugerindo que muitas vezes esse valor não é compartilhado com a instituição: "muitas vezes a pessoa se vincula ao influenciador mas não se importa com a polícia. Então a segurança está depositada em quem? Na instituição ou no influencer?", conclui Rocha.