PL das Fake News vai melhorar a saúde mental dos jovens, dizem especialistas

O projeto de lei tem um papel fundamental no conteúdo disponibilizado para crianças e adolescentes
por
Nathalia Teixeira, Eshlyn Cañete, João Tiusso e João Lindolfo
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07/07/2023

O projeto de lei 2660/2020, conhecido como “PL das Fake News”, terá grande influência no combate à desinformação e quadro de saúde mental entre jovens, caso aprovado. É o que apontam especialistas ouvidos pelo Contraponto Digital. Eles afirmam que a regulamentação se mostra necessária para conter a ansiedade e estresse causados pela propagação de fake news. 

A falta de uma supervisão adequada do conteúdo que as crianças e adolescentes acessam na internet pode causar uma série de distúrbios para o grupo. Informações incorretas, equivocadas ou incompletas podem não apenas afetar o desenvolvimento cognitivo, mas também contribuir com comportamentos violentos que acabam sendo disseminados em fóruns e alcançam menores de idade, resultando em traumas psicológicos e físicos. 

A PL das Fake News é um projeto de lei que estabelece mecanismos para a regulamentação das redes sociais no Brasil, tal qual a restrição de fake news e publicações extremistas. Essa lei funcionará como um mecanismo para que as empresas de tecnologia sejam cautelosas e ágeis em derrubar conteúdos enganosos. 

A lei atuará diretamente no combate à desinformação e controle de conteúdos violentos a crianças e adolescentes. Isso porque, conforme esse tipo de conteúdo é regulado, a distribuição de publicações com efeitos nocivos aos menores será dificultada.

Segundo a jornalista e pós-doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), Luciana Moherdaui, para avançar no debate é preciso fazer mais que ‘sufocar’ o alcance das postagens. ‘’O PL das Fake News será eficiente se conseguir melhorar os mecanismos de transparência e atuação das plataformas sociais”, explicou. Além disso, ela pontua que a lei poderá coibir o financiamento da disseminação em massa de desinformação e diminuir o alcance das postagens.

Perigos do Discord e fóruns de violência

Já na discussão sobre a violência cibernética, a maneira de conter os discursos de ódio seria limitar o número de usuários das plataformas registradas no Brasil, de acordo com o artigo 2 da PL. Com 3 milhões de usuários brasileiros, o Discord, aplicativo comum entre jogadores de games, tem sido usado para propagação de comportamentos de violência extrema. Em servidores fechados, jovens se automutilam, maltratam animais e propagam ódio para fazer parte do grupo. 

O combate a esses grupos já é uma realidade no Brasil, com a operação “Dark Room”, iniciada pela Polícia Civil em março de 2023, investigando três servidores do Discord utilizados para promover atos de violência extrema, incluindo estrupo virtual. A ação resultou na prisão de Ricardo Conceição Rocha, de 19 anos, no dia 04 de julho., responsável por administrar um dos espaços da plataforma onde os crimes eram cometidos. 

De acordo com dados da TIC Kids Online Brasil 2022, cerca de 24 milhões de crianças e adolescentes brasileiros de 9 a 17 anos utilizam a internet no país. O número representa 92% desse universo populacional. Segundo Luciana, a transparência em relação aos algoritmos seria mais eficaz que uma placa de ‘proibido para menores’ nas redes sociais. 

Um menor de idade que está em um momento de desenvolvimento tanto cognitivo quanto afetivo, lidando com questões emocionais desse período, fica mais vulnerável a esse tipo de conteúdo, podendo afetar suas relações e seu desenvolvimento emocional. 

"Neste período a criança-adolescente passa por um movimento de identificação com os pares, a busca de grupos, de pertencer a determinados contextos. Isso é algo necessário, mas apresenta riscos e desafios quando encontram conteúdos falsos e que incitam ódio e crimes’’, afirma Camila Fonteles, doutora em psicologia e professora do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Outro ator que contribui ainda mais para o problema é a articulação de notícias falsas como um mecanismo de promoção do medo. Alexandre Sayad, educador midiático e jornalista, explora a questão: “A desinformação como um fenômeno, pode deturpar alguns aspectos da qualidade de vida, incluindo o aspecto psicológico das pessoas.”

"Por exemplo, toda essa questão dos ataques nas escolas, a desinformação foi um elemento para a manutenção do medo, pois torna uma questão pontual em algo generalizado, dando uma falsa noção de proporcionalidade”, exemplifica Sayad.

Para a doutoranda em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, Julci Rocha, é crucial expandir nosso letramento digital. “Compreender as nuances, ênfases, omissões e viés presente nas informações, pois isso adiciona uma dimensão significativa para que possamos nos tornar leitores e produtores críticos de conteúdo na internet”. Ela ainda ressalta que nós “não podemos nos limitar apenas à dicotomia simplista de "verdadeiro/falso", que geralmente é o foco das fake news. 

Fato é que esse projeto de lei vai muito além do combate às Fake News, de acordo com o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Murilo César Oliveira Ramos. O objetivo é dispor sobre a liberdade, responsabilidade e transparência na internet, naquilo que diz respeito às mídias digitais. “A questão das notícias falsas é apenas uma parte quando se trata de discutir a proteção das crianças e adolescentes no ambiente da internet”, comentou.

Para o especialista: “O que a internet fez foi potencializar em muito o risco para crianças, dada a velocidade com que foi entrando nas nossas vidas”. Seguindo essa lógica, se até nós adultos estamos suscetíveis a golpes ou vazamento de dados sensíveis, o perigo com os menores de idade é ainda maior.

Ele ressaltou que, no contexto da violência, a questão já era preocupante na era de ouro da televisão e outros veículos como cinema e rádio. Como ele disse, “As crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis a todo tipo de informação não condizente com sua maturidade e preparo para a compreensão do que possam estar assistindo e ouvindo”. Por essa razão o acesso precisa ser regulado.

A importância da atenção aos conteúdos que crianças acessam

A eficácia do PL em evitar a propagação de Fake News dependerá dos mecanismos exatos propostos nesta lei em particular, explica o psicólogo Antonio Farelli. Uma abordagem efetiva poderia envolver a regulação das plataformas online, impondo consequências legais para aqueles que deliberadamente espalham informações falsas. 

Todavia, é crucial que haja também um investimento na educação e conscientização pública, especialmente considerando que uma parcela significativa da população brasileira possui baixa alfabetização e pode ser exposta a notícias das quais não compreendem totalmente o conteúdo.  

Farelli destaca que crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis à desinformação devido à inexperiência e falta de habilidades críticas de pensamento. "A PL pode ter um impacto significativo desde que seja implementada de maneira adequada”. O profissional ainda explica que “é essencial fornecer educação sobre como fazer um uso seguro da internet para essa faixa etária, capacitando-os com habilidades de pensamento crítico e discernimento para identificar informações confiáveis”

As crianças estão em aplicativos, jogos e nas redes sociais. Dessa forma, estão em mais em contato com notícias falsas que adultos. Enquanto os mais velhos estão instaurados no Whatsapp e no Facebook, para os mais jovens há uma gama de possibilidades, com várias opções de jogos, aplicativos e sites. A criança fica mais tempo em todas essas plataformas, por isso, tem mais contato com as informações falsas e violentas. 

Além das fake news que incitam o ódio, há mentiras que prejudicam o andamento da inteligência de uma criança. ‘’O público infantil é bombardeado por mensagens falsas que prejudicam o conhecimento e o raciocínio. Só o Chat GPT afeta intelectualmente o menor’’, diz a jornalista e doutora Magaly Prado, especialista em desinformação. Esse acesso traz prejuízos físicos, neurológicos e oftalmológicos pelo excesso de estímulos das telas.

Combate a desinformação

A educação midiática é um elemento necessário no combate à desinformação e precisa começar a ser implementada no currículo educacional o quanto antes. O ensino através dos meios digitais já é uma realidade, mas é necessário ser complementado com o aprendizado de técnicas de apuração e produção de informação de qualidade.  

"Há umm conjunto de habilidades que podemos chamar de educação midiática e precisam ser desenvolvidas na educação básica. Não ter projetos que abordem essas habilidades para navegar com fluidez, ética, análise e produção de informação de qualidade, deixa as pessoas parcialmente analfabetas e limitadas na leitura de mundo”, disse Alexandre Sayad.

Sayad também se posiciona em favor da articulação de várias medidas para combater as fake news. “As soluções contemplam uma constelação de ações, nunca é um tiro só. Eu não acho que educação midiática sozinha resolva a desinformação. Da mesma forma que eu não acho que a regulação das redes sozinha combate a desinformação.”

O educador complementa apontando para ações mais abrangentes que vão além do Estado, já que o que pode vir a ser verdade é complexo e exige uma mobilização de toda a sociedade civil acerca do tema. 

De acordo com Magaly ‘’Não adianta ficar só na superfície, ensinar o que é um computador, um algoritmo, tem que ensinar a criança a ter um pensamento crítico, a duvidar e não aceitar qualquer coisa. Ela tem que saber desconfiar.”

Ter controle no que a criança consome é essencial, principalmente por ela estar na fase de seguir exemplos. ‘’Qual é o canal do Youtube que ela assiste, quem ela segue no Instagram e TikTok? Lá vai ter tudo de abuso e desordem informacional”, pontua a jornalista. ‘’O ideal é que o acesso seja monitorado pelos familiares e educadores. O caminho para combater a desinformação seria esse trabalho de orientação e sobretudo prevenção’’, finaliza a psicóloga Camila Fonteles.

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